O valor pago aos clientes da Enel Distribuição São Paulo em compensações por falta de energia elétrica cresceu 29% entre 2022 e 2023, saltando de R$ 80,9 milhões para R$ 104,8 milhões. Os dados são da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e mostram uma tendência de aumento dos prejuízos à população atendida pela concessionária na região metropolitana de São Paulo.
A compensação é feita automaticamente por meio de um desconto na conta de luz, no máximo dois meses após a identificação do corte pela Enel. O cálculo que define o valor a ser abatido considera a frequência e a duração da falta de energia na unidade consumidora. A empresa tem obrigação de fazer esse ressarcimento, que não inclui as indenizações individuais movidas por clientes que tiveram danos maiores.
Em 2021, a Aneel aprovou uma mudança na regulação sobre as compensações. Com a nova regra, que entrou em vigor em 2022, domicílios que tiveram quedas de energia mais longas e frequentes passaram a receber descontos maiores na fatura. Por outro lado, houve um aumento no limite de tempo sem energia a partir do qual as concessionárias são obrigadas a ressarcir os clientes. Ou seja, as pessoas mais prejudicadas passaram a receber valores mais altos em compensações, embora menos clientes tenham direito ao desconto.
Mesmo com a mudança de regulação, a quantidade de compensações pagas aos clientes atendidos pela Enel SP cresceu: passou de 2,7 milhões em 2022 para 2,9 milhões em 2023, um aumento de quase 10%. Isso significa que houve mais ocorrências de longas faltas de energia que levaram ao pagamento de compensações.
Por que isso importa?
- Sem investimentos para tornar a rede mais resiliente em casos de tempestades, Enel tem gasto mais nos últimos anos em compensações a clientes que ficam sem energia elétrica. Para especialistas, é um sinal claro de deterioração do sistema e algo que merece atenção especial quando a concessão for renovada, em 2028.
“É um indicador claro de que o sistema está se deteriorando continuamente. Mas, de longe, as compensações não cobrem o prejuízo verdadeiro aos clientes”, avalia Ildo Sauer, vice-diretor do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (IEE-USP). Ele se refere às perdas de alimentos que necessitam de refrigeração, por exemplo, que não são cobertas pela compensação automática e demandam que a pessoa lesada abra um processo contra a empresa.
Luiz Eduardo Barata, presidente da Frente Nacional dos Consumidores de Energia, também enxerga uma piora na qualidade dos serviços prestados pela Enel. “Não dá para lutar contra a realidade, as condições de atendimento da Enel são muito precárias”, diz.
Para Barata, uma possível explicação para esse cenário é que os indicadores de qualidade da prestação do serviço que estão no contrato de 2018, quando houve a transferência da AES Eletropaulo para a Enel Distribuição São Paulo, são os mesmos que já constavam no contrato de 1998, quando foi feita a privatização da estatal Eletropaulo.
“O contrato primário [de 1998] é de uma época em que não tínhamos essa quantidade de eventos extremos que temos agora. É fato que as condições de atendimento se degradaram, mas a questão é que a renovação da concessão [em 2028, quando termina o contrato com a Enel SP] precisa apertar muito os indicadores. É preciso que o contrato estabeleça indicadores mais rígidos para que a empresa possa agir mais intensamente frente aos eventos climáticos extremos”, afirma.
Enel funciona como “eletrobet” e aposta no risco climático para manter lucros, diz especialista
Até o momento, mais de 1,5 milhão de compensações foram pagas em 2024 pela Enel SP, o que corresponde a 53% do total de 2023. O número deve subir até o final do ano, já que ainda não inclui o apagão que atingiu 3,1 milhões de paulistas durante o fim de semana de 12 de outubro, após uma chuva com forte ventania que danificou a rede de distribuição de energia.
Em menos de um ano, a capital passou por três apagões – ocorreram também em novembro de 2023 e em março deste ano. Com exceção desse no começo do ano, que ocorreu por uma falha subterrânea, os outros dois escancararam a falta de resiliência das estruturas da Enel a eventos climáticos extremos.
Na visão de Sauer, a piora no serviço de energia prestado pela empresa tem relação com o modelo da privatização da empresa. “A Enel prefere pagar a compensação do que investir em modernização da rede, porque a estrutura tarifária que eles têm é essa. A tarifa é dada, tudo que eu gasto em manutenção preventiva, se eu puder evitar, vira lucro.”
A falta de investimento em melhorias na rede elétrica para prevenir novos apagões faz Sauer apelidar a Enel de “eletrobet”, em alusão às empresas de apostas que operam no país.
“O papel que é reservado para a distribuidora, de acordo com o contrato de concessão e com a legislação, não incentiva a modernização, porque ela não ganha nada com isso. Nem incentiva a manutenção preventiva, porque eles vão correndo o risco até que o sistema se deteriore. É a ‘eletrobet’, que aposta no risco. A Enel prefere arriscar e não fazer o investimento, já que [o valor pago com] a compensação vai ser bem menor do que o lucro que ela vai ter”, afirma.
Barata diz que já existe um consenso na Aneel a respeito da necessidade de “aumentar muito os investimentos em distribuição”, mesmo que isso não signifique uma quebra de paradigmas e se continue com a distribuição aérea da energia. Ele se refere ao debate em torno do enterramento dos fios , apontado como forma de minimizar os danos em casos de extremos climáticos, mas que tem dificuldades logísticas e orçamentárias, já que o custo da distribuição de energia tende a aumentar quando se tem maiores investimentos.
A Enel Distribuição São Paulo teve lucro líquido de R$ 1,3 bilhão em 2023, segundo reportagem do G1 . O pagamento em compensações naquele ano correspondeu a 8% disso.
“Será que esse lucro não foi um pouco exagerado? Os consumidores são muito maltratados, é um problema do dia a dia. Os clientes têm aparelho queimado, têm comida estragada e encontram muita dificuldade para conseguirem um ressarcimento além da compensação”, afirma Barata.
Piora do serviço atinge todos os estados atendidos pela Enel
Além de São Paulo, a Enel também está presente no Rio de Janeiro e no Ceará. Em todos esses estados houve aumento no valor pago em compensações, mesmo após a mudança na regulação da Aneel.
No Ceará, onde todos os municípios são atendidos pela empresa, o valor das compensações subiu 35%, passando de R$ 27,1 milhões em 2022 para R$ 39,4 milhões em 2023. Até o momento, as compensações somam R$ 30,3 milhões em 2024, valor superior ao registrado em todo o ano de 2022.
O Rio de Janeiro teve o mesmo aumento percentual no período, de 35%. Em 2022, foram pagos R$ 31,7 milhões em compensações. Já em 2023, foram R$ 40,9 milhões. O ano de 2024 já é o segundo ano com maior montante de compensações no estado, com R$ 34,1 milhões.
Outro lado
Em nota enviada à reportagem após a publicação, a Enel Distribuição São Paulo afirma que “reitera seu compromisso com a sociedade em todas as áreas em que atua e reforça que está fazendo os investimentos necessários para aumentar a qualidade dos serviços, em linha com as expectativas das autoridades e dos consumidores brasileiros”.
Para o período 2024-2026, a empresa disse que planeja investir cerca de R$ 20 bilhões em operações no Brasil. Destes, aproximadamente 80% serão investidos em distribuição de energia, segundo o posicionamento.
“Em suas três áreas de concessão (Rio de Janeiro, Ceará e São Paulo), a companhia está implementando um robusto plano de investimentos, focado no fortalecimento e na modernização das redes, na automação dos sistemas e na ampliação da capacidade dos canais de comunicação com os clientes, além da mobilização antecipada de equipes em campo em caso de contingências. O plano contempla também um aumento significativo do quadro de eletricistas próprios, que já está em andamento”, acrescenta a Enel.
Fonte
O post “Com mais casos de falta de luz, Enel SP pagou 29% mais compensações em 2023 do que em 2022” foi publicado em 23/10/2024 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte Agência Pública