A COP 26, que se encerra nesta semana em Glasgow, na Escócia, é tida como a última oportunidade que a humanidade tem para alcançar a meta já distante de manter o aumento da temperatura global em 1,5ºC até 2100.
O último relatório do painel de especialistas do clima da ONU (IPCC) foi taxativo: não há dúvidas de que a atividade humana é a principal causadora da crise climática e esta meta de 1,5ºC deve ser superada já na próxima década.
Enquanto o governo Bolsonaro patina para tentar enganar o mundo com as suas “pedaladas climáticas” , a tendência é de ultrapassarmos, na verdade, 2,4ºC até 2100 .
E a mineração é parte central da catástrofe que vivemos. Um estudo da consultoria McKinsey mostrou que a mineração é responsável por cerca de 7% das emissões globais dos gases que causam o efeito estufa via ação humana . O principal culpado é o carvão, tanto no seu uso como energia quanto da extração e exportação como commodity.
Se considerarmos as emissões indiretas, afirma a McKinsey, a estimativa sobe para 28% envolvendo a mineração.
Outro estudo das Nações Unidas afirma que a mineração causa cerca de 10% das emissões antropogênicas, que aumentam o risco de calor extremo . Falta transparência , no entanto, para que as estimativas se aproximem da realidade.
Está ruim, com as alterações no clima causando desastres mais frequentes no Brasil e no mundo, perdas de centenas de bilhões de dólares , remoções em massa de pessoas , mortes e acidentes.
Ao mesmo tempo, a mineração é vendida como essencial para a “transição energética” de “um mundo mais verde” que consiga superar a dependência excessiva de combustíveis fósseis. As baterias de carros elétricos da Tesla, por exemplo, que transformaram Elon Musk no homem mais rico do mundo, dependem pesadamente de mineração.
A demanda por metais como cobalto, lítio, cobre, níquel, manganês, estanho e outros deve explodir nos próximos anos, saltando mais de 8000% em alguns casos.
Se você estiver disposto a ignorar que o petróleo e o gás são parte fundamental do setor extrativo e caminham lado a lado com a mineração, entrando na mesma cadeia como parte do mesmo setor econômico que é o grande responsável pela crise climática, mesmo a mineração descolada desse contexto maior tem uma responsabilidade mais do que suficiente no apocalipse.
O fato de que a delegação de lobistas do petróleo, com mais de 500 pessoas, é maior do que a de qualquer país na COP 26 , dá uma boa ideia sobre como as coisas funcionam e o poder econômico e político das empresas. Mesmo os analistas habituais de mercado passaram a fazer comentários críticos sobre a mineração na COP .
E para considerar que a mineração atue como causadora da crise e salvadora do futuro vamos olhar para o carvão, escolhido como o vilão da vez na COP 26.
Promessas para abandonar o carvão param em pé?
A mineração de carvão se tornou maldita no setor. A Vale, após gastar décadas em lobby e implantar um gigantesco projeto de carvão em Moçambique que demandou infraestrutura de ferrovias, portos e aeroportos, anunciou este ano que está vendendo a mina de Moatize, processo que começou com a compra de uma fatia do negócio pela Mitsui .
O plano da BHP de abandonar a sua participação em carvão – possui projetos expressivos na Colômbia e na Austrália, por exemplo – está em dúvida diante do lucro obtido. A Rio Tinto já não garante que irá “zerar as suas emissões” até 2030 porque , sabe, é um negócio complicado.
A compensação de emissões, chegando ao nível “zero”, é visto como mera estratégia de mercado segundo centenas de instituições do terceiro setor , sem qualquer compromisso real de mudança.
Enquanto defende que o mundo precisa abandonar o carvão, o Reino Unido, sede da COP 26, irá inaugurar uma nova e significativa mina de carvão na Inglaterra , país que tem a sua história intrinsecamente ligada ao “ouro negro”. A Anglo American, por exemplo, é a terceira maior exportadora de carvão metalúrgico do mundo . É o capitalismo, estúpido, ontem e hoje.
Enquanto isso, o mundo precisará fechar quase 3 mil usinas movidas a carvão antes de 2030 se quiser ter uma chance de manter os aumentos de temperatura dentro de 1,5 graus Celsius. Mais de 2.000 GW de energia é gerado via carvão em todo o mundo hoje, e isso precisa ser cortado pela metade, o que significaria o fechamento de quase uma unidade por dia de agora até o final da década. Os 10 maiores produtores de carvão do mundo se comprometeram a “zerar emissões”. Mas não agora. Em 2050, 2060 ou 2070 .
A China, maior emissora global e dona de metade das usinas a carvão do planeta, também não está com pressa. Adotar promessas como a de parar de exportar carvão em 2030 é mais fácil para o Canadá , que responde por menos de 1% do carvão termal do mundo. Nos Estados Unidos, toda a produção de carvão estimada para 2022 já está vendida . O mercado vai bem, obrigado.
Tanto que o acordo anunciado na COP 26 para interromper o financiamento em carvão até 2030 ou 2040, com 77 signatários, ironicamente deixou de fora os maiores financiadores: China, Japão e Coreia do Sul. A Índia, com 10% do consumo mundial, também achou melhor não se comprometer.
Os desafios são muitos: a indústria do carvão emprega mais de 8 milhões de pessoas no planeta. Na China, apenas 29% das áreas hoje usadas para o carvão podem ser aproveitadas para a energia solar ou meros 5% no caso da eólica.
Carvão, mineração e mudanças climáticas: setor dita o posicionamento do governo Bolsonaro
Na medida em que cifras bilionárias ou trilionárias de acordos já desrespeitados e não cumpridos em COP’s anteriores se renovam em 2021, o Brasil não quer ficar de fora da festa do carvão.
Em agosto, o Ministério de Minas e Energia lançou um “programa sustentável” para o carvão mineral nacional , com o objetivo de manter a indústria em funcionamento e substituir antigas termelétricas por novas.
Com isso, estão previstos R$ 20 bilhões em investimentos em carvão no Brasil nos próximos anos, com apoio financeiro e fiscal direto da União . O colapso climático e os compromissos assumidos pelo Brasil, insuficientes ou não, são mero detalhe.
Em outubro, o Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM), que representa 85% da produção mineral brasileira, apresentou ao governo Bolsonaro, como subsídio para a COP 26, a visão do setor sobre mudanças climáticas.
Essencialmente, a indústria mineral aposta em “um mercado de carbono robusto, creditício e regulado, como forma de compensar emissões”, diz o documento. O posicionamento estaria alinhado com a regulamentação do artigo 6 do Acordo de Paris, que aborda a instituição de um mercado de carbono global.
De acordo com o IBRAM, que enviou o documento para os ministérios de Minas e Energia, Meio Ambiente e Relações Exteriores, o setor mineral pretende investir US$ 6 bilhões em projetos socioambientais, com destaque para a “redução de emissões”. Isto é parte da “agenda verde” da mineração brasileira.
No documento, o que o IBRAM pede ao governo é que a União atue para blindar a mineração dos efeitos críticos das mudanças climáticas, em grande parte causada pelas próprias empresas, ao proteger do ponto de vista financeiro, de infraestrutura e com ações políticas as mineradoras.
“A precificação de carbono, especialmente sob a forma de mercados, é vista, universalmente, como um mecanismo eficiente para viabilizar o atingimento das metas de redução de emissões anunciadas”, diz o IBRAM.
Ou seja, o foco é total em instrumentos de mercado pouco efetivos, promessas vazias e a anúncios que se chocam com a realidade da atuação diária das grandes mineradoras e os inúmeros conflitos socioambientais que causam.
O que a indústria mineral quer é simples: dinheiro, muito dinheiro, usar a “agenda ESG” como “maquiagem verde” permanente para os seus negócios e influenciar em políticas dúbias que, no fim, façam com que as empresas ganhem duas vezes.
Saldo final da COP 26 é insuficiente
Não é por acaso que dezenas de organizações organizaram uma “COP paralela”, com foco em mineração e debates a partir da ótica das comunidades afetadas , não do mercado. Há ótimos motivos para desconfiar das boas intenções das empresas.
Diante desse cenário, instituições listaram medidas urgentes para amenizar os impactos da mineração . Entre elas, o respeito aos direitos humanos, dos indígenas, das comunidades e dos trabalhadores, fazer valer a legislação existente e a adoção de medidas que reduzam a dependência mineral, e não aumente, como o desejado pelo setor.
O saldo final da COP 26, diz a ONU, é que mesmo com as atualizações das metas de emissão por parte dos países, ainda haverá um aumento de 13,7% nas emissões de gases de efeito estufa até 2030 , em comparação com o ano de 2010.
Nenhum ultimato científico foi suficiente para frear o lobby e o marketing.
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O post “Com até 7% das emissões globais causadas pela mineração, empresas e governos apostam em “maquiagem verde” na COP 26” foi publicado em 10th November 2021 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte Observatório da Mineração