Pessoas queridas, tem muita gente bacana que diz sempre: “Avise quando precisar de ajuda”. E agora estou precisando, e avisando.
Pois é, perdi meu primeiro processo na vida. Foi o oitavo a que respondi (dois do Marcelo, mascu que
está preso desde maio de 2018 por associação criminosa, racismo, pornografia infantil etc; ele foi condenado
a 41 anos mas conseguiu derrubar a sentença por terrorismo, o que baixou sua pena para apenas 11 anos; ele abandonou os dois processos, que obviamente não tinha a menor chance de ganhar), um do Emerson (outro mascu, hoje foragido na Espanha, ex-comparsa do Marcelo; este eu entrei
com reconvenção : ele abandonou o processo e eu
acabei ganhando o meu contra ele: são R$ 25 mil de indenização que ele me deve e nunca vai pagar), um de outro mascu (que, como os outros, me atacou e perseguiu durante anos, e
ele que me processou!), dois de caras que eu sequer conhecia (fiz acordo) e que não eram mascus, e dois de professores.
Um desses professores mora nos EUA. No final de 2014, duas jovens fizeram um tumblr anônimo expondo as conversas que tiveram com ele online. Ele, que posava de feminista e progressista nas redes, não era bem assim nos bate-papos. E eu nem sabia antes da treta toda, mas ele tinha o costume de enviar fotos não solicitadas do seu pênis pra várias mulheres. Fez isso durante mais de dez anos. Bom, eu escrevi alguns posts no meu blog sobre o escândalo, sem mencionar o nome dele. Num desses posts, um ex-doutorando dele, o escritor Alex Castro, corroborou as denúncias. O processo contra Alex e eu chegou em meados de 2017. O timing foi o pior possível: foi bem no meio do movimento Me Too, que mudou radicalmente a forma como assédio é visto. Se, em 2014, havia pessoas, inclusive feministas, que defendiam o comportamento do “Prof. Pinto”, como ficou conhecido, isso mudou em 2017.
Marcelo falando no seu chan sobre o processo do prof. Pinto em junho 2017, antes de eu saber da ação (clique para ampliar)
Na ação, ele pedia R$ 300 mil reais de indenização meus e 70 mil do Alex. E, pior, o processo estava em segredo de justiça, o que significava que eu não podia falar sobre ele. De um jeito inexplicável, Marcelo e sua gangue ficaram sabendo da existência do processo antes de mim. E, claro, o “Prof. Pinto” virou um ídolo pros mascus. Afinal, era ele que iria ganhar todo o meu dinheiro e me levar à falência total.
A peça da ação era gigantesca, tinha mais de mil páginas. Eu só passei meus olhos por ela uma vez, e fiquei chocada com o machismo e com o que descobri: você não precisa mentir pra difamar alguém! Mesmo que tudo que você tiver escrito seja verdade, a pessoa pode te processar (e ganhar) por difamação.
Vários anos se passaram sem nenhuma movimentação, nenhuma audiência, nada. Eu sentia a nuvem dos R$ 300 mil de indenização pairando sobre a minha cabeça, mas sabia que era um valor absurdo, e não perdi nenhuma noite de sono com isso (nem com os sites anônimos que mascus faziam para mentir sobre esse caso e me caluniar ainda mais). Finalmente, em 2021, minha advogada pediu pela extinção do processo, já que o autor o havia abandonado. Esse pedido foi acolhido, mas o juiz entendeu que o professor não deveria pagar os honorários advocatícios a minha advogada. O pedido foi levado à segunda instância, e não sei como está agora.
Em julho de 2021 chegou o processo de outro professor. Quando vi o nome na intimação tive que googlar, pois eu não sabia quem era. Foi assim: em outubro de 2019 a jornalista Amanda Audi, que tive o prazer de encontrar em Brasília e SP, fez um boletim de ocorrência por estupro contra esse professor. A polícia de Brasília (onde ambos moravam) mal investigou, não ouviu testemunhas, e arquivou o caso. O promotor despachou o caso como de “duas pessoas confusas de suas intenções e sentimentos” (vale lembrar que arquivar não é o mesmo que inocentar, e que a maior parte dos casos de estupro são arquivados — isso quando chegam à Justiça).
Em setembro de 2020, Amanda comentou o que aconteceu no seu Twitter. Advogados do professor entraram na Justiça, que rapidamente mandou que ela apagasse os tuítes e não se pronunciasse sobre o caso, sob pena de multa diária de R$ 500. No final de novembro de 2020, a
Folha publicou
uma matéria sobre o caso. Em dezembro de 2020, o professor publicou um “direito de resposta” na
Folha, chamado “
Jornalismo ou linchamento? ”
Atrasada como de costume, eu só fiquei sabendo de todo o ocorrido depois de ver a matéria da Folha, e então me manifestei no Twitter, manifestando minha sororidade a Amanda, e colocando o link pra Folha, sem citar o nome do professor. Em outro tuíte, uma leitora perguntou o nome dele, e eu, justamente por não querer citá-lo, respondi: “a matéria traz o nome” (clique para ampliar).
Em março de 2021 publiquei no meu blog um
longo artigo chamado “Como Amanda Audi denunciou um estupro e perdeu o direito à própria voz”, de Jess Carvalho e Rosiane Correia de Freitas, que o redigiram depois de dois meses de investigação. O artigo, que também foi publicado no Plural e H2Foz (Paraná), Agência Saiba Mais (RN), Sul21 (RS), Maré de Notícias (RJ), BHAZ (MG), e Eco Nordeste (CE), fala do suposto estupro contado por três pessoas próximas a Amanda que a ouviram antes que ela fosse silenciada. Todas quiseram permanecer anônimas por temerem “uma possível perseguição judicial” do professor.
A perseguição judicial veio, se bem que não contra as autoras do artigo. Além de quatro processos contra Amanda (num deles o professor pedia R$ 150 mil de indenização; felizmente, perdeu todos — todos foram arquivados. Ainda bem, pois é inaceitável que uma pessoa que denuncia um crime
seja proibida de falar sobre ele), o professor também processou no mínimo outras oito pessoas por tuítes, entre elas eu (por aqueles dois tuítes que mencionei acima). Cheguei a ver alguns desses processos, e eles eram praticamente idênticos: pediam indenizações de R$ 15 mil de cada um dos réus por “danos morais”, sem especificar em momento algum quais danos morais seriam esses.
Tivemos uma breve audiência de conciliação, online, em que não houve tentativa de acordo de nenhuma das partes. E em outubro de 2021 saiu a decisão: a juíza entendeu que a ação foi parcialmente procedente e me condenou em R$ 2.500.
Ainda em outubro de 2021, minha advogada entrou com recurso em segunda instância pedindo que o valor fosse extinto. Ela escreveu no recurso: “No caso em análise houve o cerceamento do direito de liberdade de expressão, com reconhecimento de um suposto dano moral, sem que houvesse a devida análise que indique porque no caso concreto o direito de se opinar sobre um fato público, amplamente divulgado pela imprensa, deve ser cerceado”.
No mesmo dia, o professor também entrou com recurso, pedindo que a indenização fosse aumentada para R$ 15 mil (o que ele havia pedido originalmente). Os mascus comemoraram muito a minha condenação. Um deles fez um tutorial de como me processar e pediu a deus e o mundo (Bolsonaro, MBL, gente da extrema-direita, advogados, mascus etc) que agissem. Outro me denunciou (ou diz que denunciou) à Ouvidoria da UFC por eu ter “destruído a vida de um professor inocente” (que, pelo que sei, continua empregado e casado, nada mudou na sua vida). Outros fizeram mais sites me “denunciando”. Um deles tentou alterar
meu verbete na Wikipedia para incluir várias calúnias contra mim (acabou sendo expulsos). Já faz quase um ano isso, mas, pelo jeito, pra variar, eles não foram bem sucedidos. Não chegou qualquer outra ação contra mim.
Também houve apoio, lógico: no final de outubro de 2021 o
Portal Catarinas publicou um artigo em que definia essa tentativa de silenciamento de ativistas: assédio jurídico (ou assédio judicial, ou assédio processual). Eu escrevi um
pequeno post falando do processo que perdi e pedindo doações para cobrir os custos, mas não foi muito abrangente e o retorno foi insuficiente.
Em agosto do ano passado, ambos os recursos foram negados. Ou seja: nem eu consegui anular o valor, nem o professor conseguiu aumentá-lo. Ficou mesmo em R$ 2.500 (mais juros). Minha advogada ainda apresentou recurso de embargos de declaração, o que foi rejeitado. Perguntou se eu queria levar o caso ao STF, mas alertou que as chances de vitória eram mínimas. Depois fiquei sabendo que, numa segunda instância, não é que o caso é revisto, que os desembargadores leem as peças e julgam tudo de novo. Eles apenas avaliam se houve algum erro processual na primeira instância. E, no STF, seria a mesma coisa. Então respondi pra minha advogada que não, não valia a pena tentar o recurso extraordinário. E também, eu queria acabar logo com isso.
Estou esperando desde agosto a ordem para realizar este pagamento. Uma assistente da minha advogada me enviou na noite de sexta uma guia para fazer o recolhimento. Ela explicou que o autor da ação inicialmente apontou que o montante total da condenação seria correspondente a R$ 3.252,65, mas que o Tribunal de Justiça do Distrito Federal certificou que o valor atualizado é de R$ 3.091,64. É isso que vou pagar.
Peço, portanto, a contribuição de vocês para cobrir este valor. Sei que não é tanto e que meu salário como professora universitária (embora congelado há quase sete anos) cobre isso, mas considero muito injusto ter que indenizar alguém por me solidarizar com uma vítima, e “socializar” essa derrota me ajuda a lidar com ela. No final do mês meu blog celebra quinze anos de existência (comecei em janeiro de 2008). São quinze anos defendendo mulheres e direitos humanos em geral. Meu blog não tem propaganda, não tenho quase nenhum ganho financeiro com ele (este mês recebi R$ 91 do
Apoia-se, R$ 36 do
PayPal, e R$ 60 de um leitor que colabora mensalmente). Ano passado não pedi nenhuma doação.
Por isso, estou pedindo agora, a quem possa ajudar, pra quem não vai fazer tanta falta, que contribua a quantia que você achar melhor. A chave do meu pix é meu email, lolaescreva@gmail.com. Minha conta no Banco do Brasil é 32.853-7, ag. 3653-6 (em nome de Dolores Aronovich Aguero, meu nome oficial), e no Santander é 3508, ag. 010772760.
Se houver algum excedente, se me permitem, encaminharei o valor para outra campanha que pretendo fazer este ano, que é “Mande o Silvinho pra Sóchi”. Quem me acompanha deve lembrar que em junho, em Florianópolis, o
maridão ganhou o campeonato panamericano de xadrez (e com isso recebeu o tão desejado título de Mestre Internacional). Isso o habilita para jogar o mundial para seniores e veteranos que deve ser em Sóchi, na Rússia, em novembro (se a guerra na Ucrânia acabar até lá). Mas a gente descobriu que infelizmente a CBX (Confederação Brasileira de Xadrez) não paga nada, e a organização do torneio só cobre o hotel, sem refeições. E o euro está altíssimo. Mas jogar um campeonato na Rússia é o sonho de todo enxadrista, e eu queria ajudar o Silvio a realizar esse sonho. Isso tudo vai ficar pro semestre que vem, se bem que doações são bem-vindas. E, se alguém quiser ter aulas de xadrez online com o Silvinho, um excelente professor, é só entrar em contato com ele pelo email
silviocunhapereira@gmail.com.
Todas as (pouquíssimas) vezes que peço ajuda a vocês aparece mascu esperneando que eu ganho bem demais (eles têm inveja porque não conseguem arrecadar dinheiro entre eles nem pra contratar o tão prometido matador de aluguel pra me exterminar). Teve até um economista que fez uns cálculos dizendo que, se cada um dos meus seguidores do Twitter doasse 10 centavos, eu iria receber 20 mil (o que daria pra pagar o processo e a viagem do Silvinho a Sóchi, imagino). Se cada um doasse 1 real, eu teria R$ 200 mil. E se cada um doasse 10 reais, eu ficaria podre de rica com 10 milhões! Seria ótimo, mas não é assim que a banda toca. A maioria dos seguidores nem vai chegar a ler este post.
A realidade é que pouca gente contribui (mensalmente, são 5 no Apoia-se, 3 no PayPal, e 1 na minha conta). É bem verdade que eu sou péssima em pedir dinheiro. Soma-se a isso a ideia de que ativistas não devem poder lucrar com a luta, ainda que nós sejamos os mais alvejados por ataques e processos.
Mas sei também que tenho leitoras e leitores maravilhosos que sempre comparecem quando eu chamo. Obrigada a todas e todos vocês!