Há dois anos, Jessica se viu diante de uma situação que mudou para sempre a sua vida. Na época, o filho Sebastian tinha apenas um mês de idade e não conseguia atendimento médico adequado para tratar as crises de epilepsia. Ela decidiu que permanecer na Venezuela não era mais uma opção.
Assim que chegaram no Brasil, Jessica e Sebastian viveram nas ruas Boa Vista, no estado brasileiro fronteiriço com a Venezuela. Pouco tempo depois, foram abrigados e posteriormente interiorizados para Brasília.
“Meu filho tem epilepsia, por isso decidi abandonar a Venezuela e chegar aqui, onde ele poderia ter mais cuidados médicos. Foi uma decisão minha de vir sozinha e enfrentar essa dificuldade pela segurança do meu filho”, conta Jessica, solicitante de refúgio Venezuelana.
Agora que sua primeira prioridade foi cumprida – o acompanhamento do filho, que conseguiu graças a busca por informações e apoio humanitário recebido ao longo de sua jornada -, o que Jessica mais busca são informações sobre acesso a geração de renda. “Quero mais informação sobre emprego, principalmente por ter um filho pequeno que não tenho com quem deixar para sair em busca de algo”, completa.
A comunicação foi um elemento central durante a jornada de Jessica até o Brasil e também no seu processo de integração local. Além de constantemente se comunicar com a família para falar sobre o crescimento do filho Sebastian, ela sempre procura informações sobre documentação e acesso a serviços.
Ela consegue realizar essas tarefas graças ao acesso que tem à internet e aparelhos celulares, bem como ao apoio recebido das organizações que trabalham com a situação emergencial de deslocamento forçado de venezuelanos.
A história de Jessica é apenas um dos muitos casos identificados pela análise regional das necessidades de informação e comunicação de refugiados e migrantes venezuelanos. O estudo, um esforço conjunto da Plataforma R4V(*), traz um retrato das cerca de 3 mil pessoas entrevistadas sobre suas necessidades de acesso à informação e comunicação. Essa amostragem garante indicadores importantes sobre os mais de 4,7 milhões de refugiados e migrantes na região.
Para este grupo, o aparelho celular é o principal mecanismo de comunicação e acesso à informação durante sua jornada e quando se estabelecem em um novo país.
Diferente da Venezuela, onde não possuía recursos para comprar um aparelho celular, a vida aqui no Brasil fez com que Jessica mudasse os hábitos e ganhasse mais independência e autonomia usando um smartphone.
Cerca de 65% dos 243 entrevistados venezuelanos no Brasil têm um aparelho móvel e 80% acessam a internet. “Com um telefone é muito mais fácil de se fazer as coisas no Brasil”, afirma Jennifer, também venezuelana interiorizada há poucos meses em Brasília.
“Uso o celular não só para me comunicar com minha família, mas também para pegar ônibus, acessar descontos no supermercado e usar transporte por aplicativo – algo que é diferente da Venezuela, onde eu simplesmente levantaria meus braços e pararia algum táxi na rua”, explica Jennifer.
No Brasil, os meios que os venezuelanos mais usam para busca de informação são televisão, WhatsApp e Facebook. “Com internet, uso os aplicativos de rede sociais e do banco, por exemplo, e sinto que sempre temos orientação disponíveis de como usar os canais e de onde obter referências. Se sentimos falta de alguma coisa ou temos dúvidas, tiramos com o pessoal do abrigo”, diz Jennifer.
No entanto, esses meios citados por Jennifer são igualmente apontados como os menos confiáveis para se informar. De acordo com o relatório da Plataforma R4V, amigos, familiares e agentes humanitário, estão entre as fontes mais confiáveis para refugiados e migrantes da Venezuela.
Para Jennifer, Jessica e outros moradores do abrigo, uma das soluções que mais atendem suas necessidades foi a criação de um grupo de WhatsApp com a equipe das Aldeias Infantis SOS. “Sempre que temos uma questão, podemos conversar entre nós para resolver as dúvidas antes de consultar a assistência social”, afirma Jessica.
De acordo com Samantha Tavares, coordenadora do projeto que acolhe venezuelanos no abrigo Aldeias Infantis SOS em Brasília, a estratégia de ter um grupo de WhatsApp para comunicação surgiu naturalmente a partir da demanda dos moradores e da grande adesão do uso de smartphone como uma ferramenta não só de comunicação mas para acesso a serviços e informações.
“Podemos otimizar tempo e alcançar mais pessoas onde quer que elas estejam – no trabalho, na rua ou mesmo aqui dentro de suas casas. Funciona porque, pelo menos aqui no abrigo, as pessoas têm acesso a um celular e disponibilizamos Wi-Fi”, relata.
Jennifer e Jessica também são exemplo de um dado que revela que aproximadamente 70% das mulheres venezuelanas no Brasil se consideram bem informadas sobre direitos, serviços e assistência disponíveis, frente a 52% dos homens. De igual maneira, 52% das mulheres têm acesso a canais de queixas e denúncias, contra apenas 20% dos homens.
“Estou sempre atenta por novidades, buscando e perguntando por informações novas, pois de repente algum procedimento pode mudar, ou alguma novidade pode surgir – e assim eu me informo e compartilho a informação com minha rede de contatos”, explica Jennifer.
(*) A Plataforma Regional de Coordenação Inter-agencial para Refugiados e Migrantes da Venezuela (Plataforma R4V) é um conjunto de 17 agências do sistema das Nações Unidas e mais de 137 parceiros da sociedade civil para responder, de maneira coordenada, ao fluxo de venezuelanos na América Latina e Caribe. No Brasil, a Plataforma R4V é composta de 13 agências da ONU e 40 organizações sociais.
Para mais informações sobre a pesquisa, acesse o press release aqui.
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