Voltei a gravar um vídeo para meu canal no Youtube, o Fala Lola Fala , depois de muitos meses em silêncio. Vão lá! Aqui o script.
Desculpem ficar tanto tempo sem falar com vocês, mas passei por tempos difíceis. Minha mãe morreu em março, como vocês já devem saber. Agora quero voltar a gravar. O que li hoje me motivou a fazer um vídeo. Vou falar pra vocês sobre o caso Eloá.
Lindemberg, 22 anos, namorou Eloá, de apenas 15 anos, durante 2 anos e 7 meses. Foi ele quem terminou o namoro da última vez, e então passou a stalkear a menina. Em outubro de 2008, ele, armado, invadiu o apartamento num conjunto habitacional em Santo André, SP, onde morava Eloá. Ela estava lá com dois colegas e sua amiga Nayara, de 14 anos, fazendo um trabalho escolar. Depois de um tempo, Lindemberg pôs os dois garotos pra fora e manteve em cativeiro Eloá e Nayara. Foi um caso horrível que paralisou o Brasil.
Durante quatro dias, a imprensa só falava naquilo. O que acontecia do lado de fora, com a polícia mobilizada, e pela janela do apartamento, era transmitido ao vivo. Lindemberg agredia e ameaçava Eloá, ela pedia calma pela janela, ele dizia para a polícia “Se ela tá passando por isso, é porque ela merece”. A um negociador que perguntou o que ele queria, Lindemberg foi claro: “Eu quero matar a Eloá, me matar e liberar a Barbie”. Ele tinha ido lá com a intenção de matá-la e se matar em seguida.
O caso Eloá foi tão escabroso que virou case internacional e até hoje é estudado nas faculdades de comunicação e de segurança pública. Nas de segurança pública é porque a ação da polícia foi um show de erros. Por exemplo, numa negociação, a polícia conseguiu que Lindemberg liberasse Nayara em troca de voltar a ter luz no apartamento. Depois a polícia colocou Nayara na porta do apartamento para negociar. Lindemberg acabou pegando-a de volta.
Além do mais, havia um sniper no prédio em frente, e Lindemberg frequentemente aparecia na janela. Por que o sniper não recebeu a ordem de atirar? O coronel responsável pela operação justificou na época: “Era um garoto de 22 anos, sem antecedentes criminais, em uma crise amorosa”.
A polícia acabou invadindo o apê, e até hoje há polêmica sobre isso. A polícia diz que invadiu depois de ouvir um tiro. Mas Nayara conta que Lindemberg empurrou uma mesa pra frente da porta, e uma bomba que a polícia havia posto na entrada explodiu. Com a invasão, o sequestrador atirou em Eloá e Nayara. Eloá morreu. Nayara levou um tiro no rosto mas conseguiu sobreviver. Demorou anos até ser indenizada pelo Estado. Recebeu 150 mil reais, o que parece um valor irrisório pra quem perdeu todos os dentes e teve que passar por várias cirurgias reparadoras para reconstruir a boca.
A família de Eloá também processou o Estado, e perdeu. Pediu um milhão de indenização e não ganhou um centavo. A justiça considerou que o Estado não teve culpa na morte da menina, um absurdo.
Pra mim esse caso também representou meu primeiro contato indireto com os mascus. Eu já sabia desde o início de 2008, quando comecei o blog, que existiam grupos organizados de misóginos em outros países, mas desconhecia a existência deles no Brasil. Aí, em outubro, quando meu blog não tinha nem um ano de idade, fiquei sabendo de comunidades no Orkut celebrando o assassinato de Eloá. Lindemberg era tratado como herói. Inventavam um monte de coisa: que as meninas estavam fazendo uma orgia no apê, e o pobre Lindemberg simplesmente interrompeu e defendeu sua honra. Uma dessas comunidades se chamava “Eloá virou presunto”. Era da mesma quadrilha que passaria a me perseguir uns dois anos depois, dos Homens Sanctos.
E por que o caso Eloá é estudado em faculdades de comunicação? Porque o que aconteceu ali foi um nojo, o jornalismo sensacionalista no seu pior nível. Imagina a linha ficar aberta pra todo tipo de repórter ligar pro Lindemberg, numa espécie de “Disque Sequestrador”. Repórteres deram espaço pra ele, e ele se sentiu importante. “O Brasil está rezando por vocês dois”, disse Sonia Abrão, ao vivo, do seu programa A Tarde é Sua, da Rede TV.
Quando não estava entrevistando Lindemberg, o programa de Sonia entrevistava convidados. Com a tragédia ainda estava na metade, só 50 horas de cárcere privado, tortura e ameaças, um advogado, o doutor Ademar, previu o que iria acontecer: “Bom, eu sou muito otimista, né? Eu espero que isso termine assim em pizza, né, e num casamento futuro entre ele e a namorada, a apaixonada dele, né? Ele tá passando uma fase momentânea, né, e ele tem a motivação de viver, porque um rapaz jovem, quando se apaixona muitas vezes se desequilibra, no caso radicaliza, mesmo. Mas isso vai terminar realmente em final feliz, graças a Deus, eu tenho plena certeza e convicção disto”.
Quer dizer, pro cara um final feliz seria um casamento entre uma menina de 15 anos e um homem de 22 que bateu nela, ameaçou matá-la, a stalkeou, a encarcerou e, no final, atirou no rosto dela e em sua virilha!
Até hoje, quando a mídia trata do caso Eloá, nunca faz uma autocrítica. Pelo contrário: alguns anos depois, Sonia Abrão disse cinicamente que estava feliz por ter sido útil no caso, já que, segundo ela, a mãe de Eloá pôde falar com a filha por telefone durante o programa. Britto Jr, do Hoje em Dia, da TV Record, afirmou que sua equipe fez o trabalho “dentro da ética total. Em todos os momentos a gente fez a cobertura ouvindo os dois lados. É a tradição da Rede Record de televisão, que sempre fez uma cobertura intensa, mas nunca sensacionalista”. Tudo que a mídia fez nesse caso foi sensacionalismo.
O único lado menos ruim do caso foi que a mãe de Eloá teve que decidir correndo o que fazer com o corpo da filha quando foi decretada a morte cerebral, e ela decidiu doar os órgãos de Eloá. Sete órgãos foram doados e permitiram que outras pessoas vivessem. Isso foi muito comentado na época e levou mais gente a doar órgãos.
Mas foi tudo terrível. Fizeram um espetáculo tão grande de um feminicídio que o enterro de Eloá atraiu quarenta mil pessoas. Aliás, o crime de feminicídio só foi tipificado sete anos depois, em 2015. Em 2008, muita gente viu o crime contra Eloá como passional.
Em 2012, Lindemberg foi condenado à pena máxima de 98 anos pelo assassinato de Eloá e outros onze crimes cometidos durante o sequestro. Depois, a pena foi revista e diminuída para 39. Ele está preso em Tremembé, no interior de SP. Mas voltou a ser notícia porque a justiça lhe concedeu o regime semiaberto. A juíza que acatou o pedido da defesa citou o relatório psicológico, que avaliou que Lindemberg tem “agressividade e impulsividade dentro dos padrões normais”.
Parece que está dentro do padrão normal matar a ex-namorada. Como perguntou uma leitora no Twitter, a partir de quantas mulheres mortas a agressividade é considerada alta?
Sou contra pena de morte e prisão perpétua. Creio que criminosos devem ser punidos e ressocializados. Mas uma pena de apenas 13 anos em regime fechado para um covarde que matou uma menina de 15 anos e atirou em outra me parece muito, muito pouco.