Estou faz uma semana pra escrever sobre este caso tenebroso, mas agora vai.
Na quarta-feira retrasada, dia 26 de setembro, ocorreu o
julgamento de Elídia Geraldo, jovem de 19 anos que, no início de julho de 2019, saiu com um casal de amigos em Ubá, cidade de Minas Gerais com 100 mil habitantes. Foi dada como desaparecida durante vinte dias até que seu corpo foi encontrado num matagal por seu tio.
Eu não sei quase nada sobre Elídia, mas conheço um pouco da história de sua assassina, Caroline de Paula Dini (que agiu junto com seu namorado, Igor Resende Lana).
Uma semana depois do desaparecimento, os pais de Elídia (foto ao lado) deram
uma entrevista para a Rádio Educadora de Ubá, pedindo ajuda para encontrar a filha, e dizendo que ela foi a uma festa do aniversário da cidade. A mãe contou que Elídia tomava remédios, tinha tendências suicidas, mas era “trabalhadeira” (cuidava de uma idosa). No final da entrevista a mãe de Elídia revelou que, um dia após o desaparecimento, “apareceu um casalzinho procurando a Elídia, perguntando se a Elídia tava em casa”. Caroline disse para a mãe de Elídia que a jovem desaparecida havia ficado com o celular dela, e ainda pediu: “Quando ela chegar, a senhora manda ela levar o celular na minha casa”.
Caroline e Igor foram presos um mês depois, no dia 12 de agosto de 2019, e confessaram ter matado a jovem por estrangulamento. Mas
disseram à polícia que “não cometeram o crime de estupro contra Elídia Geraldo. Apenas deixaram suas vestes baixadas para confundir a investigação policial”. Por toda a cidade, circula até hoje a ideia de que foi um ritual satânico.
Caroline tinha a mesma idade de Elídia quando cometeu o crime. Foi perseguida por misóginos desde que era menor de idade. Muito antes de mascus da Discord “
escravizarem garotas online” (obrigando jovens a se mutilarem, mandarem nudes e se filmarem machucando animais), Caroline passou por tudo isso: fez vídeo enfiando crucifixo na vagina, acusando um desconhecido de estupro, dizendo que tinha sido estuprada por um mascu neonazi, Gustavo Guerra, e que gostou. Mas não era apenas uma vítima. Tal qual seus algozes, era também de extrema-direita, misógina, pedófila, e torturadora de animais. Adotava o codinome de Emma.
Em janeiro de 2017, ela não aguentou mais as perseguições e a vida horrorosa que levava e simulou seu suicídio. Não demorou muito para que os mascus percebessem que ela não havia morrido. Passaram a atacá-la de novo. Ela ainda não tinha 18 anos.
Pouco depois, eu e outra professora feminista tentamos ajudá-la. Conversamos com advogadas, com a defensoria pública, pedindo o acompanhamento do Conselho Tutelar. Eu passei o telefone dela para um agente bonzinho e prestativo da Abin, que ligou pra ela, oferecendo auxílio. Ela teve a opção de ir acompanhada por uma advogada a uma delegacia e denunciar quem a perseguia havia anos. Preferiu contar tudo a Marcelo Valle Silveira Mello (líder mascu e criador de um chan de ódio que está preso desde maio de 2018, condenado a 41 anos de prisão). Foi recompensada com a moderação do chan.
Em novembro de 2017 ela me enviou um email com o título “Emma aqui, de coração aguardo sua resposta”. Ela escreveu (tudo sic): “desde criança me interessei por gore e pornografia bizarra, eu nao tinha amigos e sofria bullying, me batiam me desprezavam, todas minhas amigas me traíram e eu peguei ódio delas e de todo mundo, minha irma por assim dizer é uma ‘merdalher’ que obviamente é a mais bonita mas ela é burra fútil vazia superficial que nao sabe conversar nada a nao ser garotos roupa e dinheiro, e vendo toda aquela atençao dada pra ela e pra mim nao, só fui me isolando e criando um ódio sem igual… no mais tardar tive anorexia e fui diagnosticada como borderline e esquizofrenica, o que tbm foi dificil pra mim pois nenhum relacionamento eu me dava bem, ai que achei o chan e vi ali um lugar em que eu poderia expressar meus ódios internos sem ser julgada, entao passei a sentir amor pelo ambiente e por algumas pessoas que me fizeram mal, mas sabe pq eu nunca os odiei tanto e nem nunca me importei com nada? PQ EU ME ODEIO. Eu nao gosto do movimento feminista pq acho ruim e injustificavel […] fui criada em meio ao ódio e em uma familia super religiosa e fanatica, eu nunca disse em video que os mataria e eu nunca faria isso, posso ter comentado no twitter na hora da raiva pq eles pegam no meu pé sempre”.
Nesse email ela contou que, quando fingiu o suicídio, Arthur Lopes (um mascu de Aracaju que hoje, pasmem, é candidato a vice-prefeito da capital pelo PCO – Partido da Causa Operária), que ela considerava seu melhor amigo, vazou “fotos horríveis” que ela tinha passado pra ele.
Não foi o primeiro email que ela me mandou. Eu nunca respondi, nunca falei com ela. Ainda em novembro, recebi outro email, dizendo ser da irmã dela. Provavelmente era da própria Caroline.
Num vídeo que gravou há mais de seis anos e que ainda circula (e
é monetizado pelo YouTube!), Caroline repete toda a ladainha mascu e diz que a mulher atual está degenerada, que perdeu todo o respeito, “coração e a própria inteligência”, e “são atraídas pelo mal, pelo maligno, isso comprova que elas gostam do perigo”, e que mulheres apanham porque querem, porque gostam, e que toda mulher se atrai por marginais, que feminismo é uma ideologia de morte, e que a culpa não é do homem que mata, é do feminismo. “Se você é uma mulher, lute pela sua alma. Dê uma chance para o homem beta”, e termina dizendo que seu nome é “Maria Dolores” (como tantos mascus, ela também era obcecada por mim, chegando a inventar que era minha filha).
Em maio de 2018 Marcelo foi preso. Em junho, outro moderador do chan,
André Garcia (
codinome Kyo ), deixou uma mensagem jurando que iria se matar, ouviu o coro de sempre (“leve a escória junto”; houve ofertas para pagar sua passagem para Fortaleza, para que ele me matasse antes de se suicidar), e, na mesma noite, saiu às ruas de Penápolis, interior de SP, onde morava, matou uma moça que ele nunca tinha visto antes e vice-versa, e se matou. Pouco depois, Caroline (e o chan) migrou pra deep web. Continuou fazendo vídeos de pedofilia e torturando animais. Talvez ainda fosse moderadora quando o massacre de Suzano foi parcialmente planejado no chan, em 13 de março de 2019.
No dia 13 de julho de 2019, assim que Elídia desapareceu, antes de seu corpo ser localizado, recebi emails anônimos e mensagens no blog acusando Caroline e Igor. Na mesma hora encaminhei esses emails para a Polícia Federal e para um agente da Abin. Escrevi: “Não sei se vc lembra, mas tentamos ajudar a Emma em 2017. Ela é uma jovem com muitos problemas que faz parte do Dogolachan há anos. Dizem que ela é moderadora do Dogolachan agora (ela chegou a ser em 2018, quando o chan ainda não estava na Deep Web). Já recebi acusações de que ela tinha sites de pedofilia e pornografia infantil (passei essas informações pra PF faz tempo). Ela mora em Ubá, MG, justamente a cidade em que Elidia morava. Emma é perigosa e acredito sim que ela seja capaz de matar alguém. Encontrei essas informações sobre o desaparecimento de Elidia: ‘Segundo a família, Elidia saiu de casa sozinha e chegou a encontrar com um casal de amigos no Horto Florestal e segundo os pais ela teria ficado com o aparelho de celular de uma moça, que foi buscar no dia seguinte na residência da jovem’. Por favor, vc pode falar com alguém da polícia de MG? Se essa jovem desaparecida não fosse de Ubá, eu não prestaria muita atenção. Mas é da mesma cidade da Emma, e as informações que li (que Elidia se cortava, por exemplo, e já tinha tentado suicídio) parecem conectá-las.”
Durante
o julgamento na semana passada, Caroline chorou, disse se sentir culpada, declarou várias vezes que não se lembrava do que aconteceu, afirmou que ouvia vozes. Porém, na época, ela agiu com frieza, mantinha perfis fakes para enviar ameaças, e tirou selfie na delegacia.
Caroline e Igor foram condenados a 18 anos de prisão cada um pelo assassinato de Elídia e ocultação de cadáver. Caroline segue presa na penitenciária de Juiz de Fora. Mascus são perigosos e matam. Caroline é uma das muitas provas disso.