Ativistas de movimentos lésbicos em todo o país juntam suas vozes neste 29 de agosto, Dia da Visibilidade Lésbica.
Criada em 1996, a data reforça questões que até hoje são vitais para as mulheres lésbicas em toda a sua diversidade, como a violência lesbofóbica, além dos obstáculos ao acesso a direitos e serviços essenciais em decorrência de discriminações de gênero, sexualidade e raça.
Essas questões se somam a desafios decorrentes do momento atual, de maior vulnerabilidade econômica pandemia e transformações nas formas de atuação e articulação de ativistas, coletivos e redes de mulheres lésbicas. Isso traz consequências diretas para a vida das mulheres lésbicas, como a deterioração da saúde mental, o aumento do desemprego e da violência, e os atritos familiares, entre outros fatores.
“As lésbicas enfrentam até hoje a discriminação baseada na orientação sexual e na identidade de gênero de uma sociedade heteronormativa”, afirma Anastasia Divinskaya, representante da ONU Mulheres no Brasil e coordenadora do Grupo de Trabalho da ONU Brasil sobre Gênero, Raça e Etnia. Na última terça (25), em parceria com a União Europeia, a agência promoveu o debate virtual Mulheres Lésbicas na Defesa dos Direitos Humanos como parte do projeto Conectando Mulheres, Defendendo Direitos (clique aqui para assistir na íntegra ).
A ativista Darlah Farias, do coletivo Sapato Preto, que trouxe a vivência e perspectivas de mulheres negras e lésbicas na região amazônica, pontuou em sua fala a importância das interseccionalidades dentro dos movimentos, destacando sobretudo as questões de classe e raça, quando “a resistência da mulher lésbica precisa ser três vezes maior”. Para Darlah, “nesse tempo de pandemia, a vulnerabilidade da população negra foi ainda mais exposta. As mulheres negras lésbicas estão em lares violentos, sofrendo muito mais devido ao isolamento.”
A ativista Iara Alves, da organização lésbica feminista de Brasília Coturno de Vênus, reforça que a violência contra a mulher lésbica começa dentro de casa. “Nós morremos por sermos nós mesmas. Lutamos enquanto ativistas, mas sabemos que é uma luta que por si só não atende a demanda. Precisamos estruturar a sociedade”.
O levantamento feito pela organização Gênero e Número com base em dados do Sinan (Sistema de Informação de Agravos de Notificação, vinculado ao Ministério da Saúde) mostra que é nos lares e no meio familiar que as mulheres lésbicas mais sofrem pela sua orientação sexual. Segundo os dados de 2017, 61% dos casos de agressão sexual contra lésbicas ocorreu nas próprias residências, sendo que os homens aparecem como autores de 96% dessas violações. Esses dados são ainda mais alarmantes quando se olha para o número total de vítimas: foram 2.379 registros em 2017, o que equivale a 6 mulheres lésbicas violentadas sexualmente por dia no Brasil.
No contexto atual de Covid-19, essas mulheres acabam ficando ainda mais expostas a esses riscos, como destaca Domenica Bumma, Chefe da Seção Política, Econômica e de Informação da União Europeia no Brasil, “para as pessoas LGBTI o distanciamento social pode ser igualmente ainda mais difícil para aquelas que não são aceitas pelas suas famílias. Nenhuma pessoa deveria ser punida por um ato de amor.”
A união de ativistas em todo o país dá amplitude à essas questões urgentes, mas sem deixar de considerar as diversas individualidades existentes nos movimentos e os desafios inerentes a cada um deles, sobretudo quando se trata de grupos que sofrem com múltiplas formas de discriminação, como no caso das lésbicas negras, trans, periféricas, refugiadas, deficientes e indígenas, por exemplo. A representatividade é também um desafio para todas elas.
“O trabalho incansável das ativistas tem sido central para este impulso global, e as mulheres em todo o mundo continuam demonstrando o poder de muitas vozes que falam como uma só”, afirma Anastasia Divinskaya, da ONU Mulheres.
O que você gostaria de dizer para o mundo e para outras pessoas LBTs sobre ser lésbica no momento atual?
A campanha Livres & Iguais da ONU fez essa pergunta a diversas mulheres, entre ativistas, influenciadoras e artistas de todo o país. As respostas trazem um panorama dos desafios particulares, mas também mostram que há algo que todas buscam em comum: direitos.
Alexandra Gurgel, fundadora do Movimento Corpo Livre
“Ser uma mulher lésbica hoje em dia significa, de fato, resistir. É ir contra a sociedade heteronormativa, é fugir das regras sociais e existir enquanto mulher e lésbica. É criar narrativas e diálogos, é ser vista. Precisamos de referências, de entretenimento, conteúdo que fale da gente sem objetificação, sem o olhar masculino. Eu tenho orgulho hoje de ajudar a dar mais visibilidade para a causa.”
Lívia Ferreira, integrante da Coordenação Colegiada Nacional da Rede Sapatà, Coordenadora da UNALGBT-BA
“Enquanto mulher negra e lésbica, no Brasil hoje devemos nos empoderar e tomar espaços na política e investirmos na educação e cultura comunitária para que possamos sobreviver a este turbilhão de descasos para com toda nossa comunidade.”
Marta Almeida Filha, coordenadora colegiada da Rede Sapatà-PE, integra a coordenação do MNU-PE e é ativista da Coalizão Negra por Direitos
“Ser lésbica ou bissexual no momento atual é aprender a se reformular a cada dia, é aprender a transformar a dor na luta em ser feliz.”
Zélia Duncan, cantora e compositora
“Como artista eu senti o preconceito me rondar e apontar o dedo pra mim. Mas também achei um público que se identificou comigo e me ensinou a ter forças e merecer essa cumplicidade. Não foi um caminho fácil embora possa parecer e pra quem tá chegando agora, meu conselho é: procure seus iguais sem esquecer que o mundo todo também é seu. Ame ser você, aceite ajuda e estenda a mão. O resto é caminho.”
Leila Negalaize, integrante da coordenação colegiada nacional da Rede Sapatà e ativista pela coalizão negra por direitos
“Exercer nossa identidade lésbica, sendo uma mulher negra no Brasil, é acreditar que a resistência está em nos mantermos vivas, lutando por uma mudança profunda no sistema político e social. Para isto é preciso nos unirmos frente ao avanço da necropolítica mundial.”
Carol Duarte, atriz
“Hoje é um dia de celebrar as tantas conquistas que atualmente desfrutamos, e que devemos às muitas mulheres lésbicas que vieram antes de nós e que com coragem lutaram por respeito, representatividade e direitos. O amor de duas mulheres ainda desafia certas normas tacanhas, mas é sonhando com a certeza de um futuro em que o amor será só motivo de celebração que devemos seguir. As lésbicas e sapatonas feliz dia, viva o amor de duas mulheres! Citando Maya Angelou, ‘A verdade é que nenhum[a] de nós pode ser livre até que todos[as] sejam livre’.”
Melissa Navarro, integrante da associação lésbica feminista de Brasília Coturno de Vênus
“Muitas de nós estão sofrendo neste momento, pois a pandemia da COVID-19 evidenciou antigas vulnerabilidades que nos assolam em várias esferas e em vários níveis, como a violência intrafamiliar, a violência psicológica, e, uma das mais devastadoras, que é a expulsão de casa, do lar, do lugar que era para ser o porto seguro neste momento. Por isso, algumas dicas são importantes para a manutenção da nossa saúde mental e física. Mantenha-se em contato com sua rede de solidariedade, ligue para alguém que te escute, faça coisas de que goste e divirta-se, mesmo que sozinha. Procure as plataformas digitais que possam te dar um suporte emocional. Lembre-se, tudo isso vai passar e sairemos mais fortes e sapatônicas do que antes. Nós enquanto organização estamos fazendo algumas mobilizações em favor de direitos e de recursos (via parcerias e campanhas de arrecadação) para garantir minimamente, uma verba para algum gasto emergencial ou até mesmo uma cesta básica para alguma companheira. Aguente firme que em breve estaremos todas juntas e assim poderemos nos abraçar e trocar mais afetos para nos fortalecer em meio a esse mundo que insiste em nos invisibilizar.”
Karol Lannes, atriz
“Na contemporaneidade, o ato de ser já é se posicionar, e o ato de se posicionar por si só traz consequências. Vivemos em um contexto ditado por mídias sociais, em que fazer parte da comunidade LGBTQIA+ pode ser muito valoroso e muito crítico ao mesmo tempo. Quando eu realmente aceitei levantar a bandeira, como mulher lésbica, nas minhas redes sociais, sofri ataques inimagináveis, mas também encontrei propósito em dar a minha voz e visibilidade aos que mais precisavam. Defenda o direito de amar quem você ama, a esperança vem em saber que você não está sozinha, encontre sua voz, sua rede de apoio e seja segura de si, a autoconfiança condiciona o propósito para enfrentar o mundo.”
Iara Alves, integrante da associação lésbica feminista de Brasília Coturno de Vênus
“Nós, sapatonas negras, temos aquela força de viver e mover o mundo e quando a complexidade da vida se materializa em mais uma crise e nos põe a prova, enfrentamos e seguimos. A pandemia avassaladora de mentes, corpos e corações demonstra que sempre estivemos aqui “segurando às pontas”, servindo, limpando e cuidando. E continuamos: a acolher, nutrir, construir e pensar são as antigas novas formas de superar os desafios. E a gente vai, vai com dor, vulnerabilizada, marginalizada e vai. Tropeça, levanta e cai, pega na mão da sapatão e vai. Vivemos nesse eterno acreditar e confiar que o caminho é importante para o que o amanhã seja mais belo.”
Lara Lopes, moçambicana refugiada no Brasil
“Ser mulher, lésbica, negra e refugiada é um desafio diário porque você nunca sabe o que te espera. Eu tinha tudo para desistir: já fiquei sem lugar para dormir, sem o que comer, mas as dificuldades não são maiores do que tudo aquilo que eu consegui ultrapassar. Recomeçar do zero me fez uma pessoa mais forte e eu tenho muito orgulho de não ter desistido. Posso não saber tudo, mas hoje eu sei que tenho direitos e eu preciso que o mundo saiba quais são os meus direitos. Não busco mais aceitação, eu busco respeito.”
Lélia de Castro, poeta e produtora cultural
“Ser sapatão e produtora cultural neste momento é repensar as estratégias de conexões para propagação das produções, projetos e perspectivas sapatônicas, para que sejam visibilizadas e contratadas para suas manutenções e continuidades. estabelecer e fortalecer redes para apresentar narrativas que seguem a proposta de relatar que queremos viver, existir, ser quem somos, amar e sermos amadas. por mais lésbicas e sapatonas representando e apresentando seus trabalhos, projetos e sonhos nas mais diferentes redes. por mais ouvidos dispostos para nossas diversas e plurais vozes.”
Yone Lindgren, da Articulação Brasileira de Lésbicas
“O que eu tenho para falar hoje para as pessoas do mundo e para as pessoas LBTs sobre o que estamos vivendo agora, é que ser lésbica com 64 anos de idade, e 42 anos de movimento neste momento não tem sido legal. É muito triste ver todas as coisas que nós construímos serem desconstruídas e jogadas para escanteio por um desgoverno. Mas eu tenho fé, eu tenho fé em nós. Eu tenho fé na nossa força de luta e tenho fé de que estaremos juntas e juntes sempre pelo nosso direito de sermos respeitadas pelo que somos, nós não queremos aceitação, nós queremos respeito.”
Julianna Motter, pesquisadora e idealizadora da @VelcroChoque, projeto de intervenção urbana ciberativista sapatona
“Acredito que as lesbianidades só podem ser pensadas no plural e que devemos disputar outras formas de discursos e narrativas sobre os nossos corpos. Pra mim, a importância da visibilidade está lésbica está em reconhecer a importância dos caminhos já traçados, mas em tentar preencher os hiatos deixados no passado. Há 28 anos sou lésbica, me construí devagar enquanto fui aprendendo a me georeferenciar. Acho que a construção não para, com seus remendos, reboques e mudanças. É importante, pra mim, pensar sempre esse lugar das lesbianidades como a possibilidade de uma lente que nos ajude a vislumbrar um mundo melhor e lutar pra que ele aconteça. Ser sapatona é (re)construção.”
Ações virtuais promovidas pela ONU
@karollannes Eu e a @onubrasil criamos esse áudio para o mês da #visibilidadelesbica2020 para a campanha onulivreseiguais, se juntem a causa, use o áudio
Além da live do dia 25, a Livres & Iguais irá compartilhar os relatos e experiências das mulheres lésbicas nos seus canais e plataformas nas redes sociais.
Também como parte das ações da Visibilidade Lésbica, dinâmicas interativas serão promovidas para engajar mulheres, usando formatos que têm feito sucesso nas redes sociais.
No TikTok a Livres & Iguais produziu o desafio do ‘Sim ou não’, inspirado no popular ‘Eu já, eu nunca’, no qual as garotas respondem a uma série de perguntas sobre si mesmas. O formato para jogar luz em perguntas relevante para a Visibilidade Lésbica, como assédio, preconceito, representatividade e aceitação. O pontapé inicial já foi dado pela atriz Karol Lannes, que postou o desafio em seu perfil pessoal — e convida todas a participarem.
Sobre a Livre & Iguais
A Livres & Iguais é uma iniciativa para a promoção da igualdade de direitos e tratamento justo de lésbicas, gays, bissexuais, pessoas trans e intersexo (LGBTI).
Projeto do Escritório das Nações Unidas para os Direitos Humanos, a campanha sensibiliza sobre a violência com base em orientação sexual, identidade e expressão de gênero e/ou características sexuais, e promove o respeito aos direitos de pessoas LGBTI em todos o mundo.
Anualmente, campanha engaja milhões de pessoas em todo o planeta em conversas que ajudam a promover o tratamento justo a pessoas LGBTI e a gerar apoio a medidas para proteger os seus direitos.
Para saber mais sobre a campanha, clique aqui .
Fonte
O post “
” foi publicado em 29th August 2020 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte ONU Brasil