Por Lúcio Lambranho e Fábio Bispo (dados)
Edição: Maurício Angelo
Fundamental para uma série de aplicações na transição energética, de carros elétricos a redes de distribuição, armazenamento de energia e nos painéis solares, o cobre é a principal substância na corrida por minerais estratégicos que atingem assentamentos rurais no Brasil, com quase metade dos requerimentos, como revelamos na primeira reportagem sobre o tema , em levantamento exclusivo.
Nos nove estados do Nordeste, região que é uma nova fronteira da transição, concentrando os investimentos em energias renováveis, o cobre aparece com 536 requerimentos minerários com sobreposições em 278 assentamentos e o lítio com 288 processos que afetam 166 assentamentos.
Na região, a corrida pelo cobre é liderada pela subsidiária da mineradora chilena Codelco, com 126 pedidos, seguida pela Nexa Recursos Minerais com 91, que tem a Votorantim como principal acionista e a australiana Fortescue com 52 processos. Já o lítio está pulverizado entre o interesse sobretudo de pequenos grupos empresariais.
Dos casos registrados na Agência Nacional de Mineração (ANM), quase a totalidade está em fase de pesquisa, o que demonstra como o território nordestino tem sido sondado e estudado para a ampliação da exploração de minerais estratégicos.
O processo de concessão de lavra de cobre em vigor, que dá direito à exploração, foi registrado em 1984 pela Mineração Caraíba S/A e está sobreposto na gleba Centro Oeste do assentamento Cacimba da Torre, em Curaçá, região norte da Bahia.
Segundo os dados do Incra, o assentamento foi criado em 2010 e tem 24 famílias assentadas . Apesar do registro do processo ser de 1984 na ANM, os dados da agência reguladora mostram que a concessão da lavra saiu depois da criação do assentamento em 2018.
No geral, o Nordeste é a segunda região com maior número de processos minerários com sobreposições em assentamentos rurais, reunindo 40% das ocorrências, atrás apenas da Amazônia Legal.
Foto de destaque: Produção em assentamento da Reforma Agrária na Bahia – MST / Divulgação
Estado em ascensão na indústria mineral, Bahia vê conflitos se agravarem
A Bahia é um estado em ascensão do ponto de vista dos investimentos da indústria mineral nos últimos anos e no projetado para o próximo ciclo. Não por acaso irá sediar o maior encontro da indústria em 2025, a Exposibram, e tem a sua própria empresa de pesquisa mineral, a CBPM.
Considerando todos os minerais de transição analisados pelo Observatório, a Bahia reúne 426 processos minerários em 188 assentamentos, com destaque para o manganês e as chamadas terras raras, usadas em aplicações de alta tecnologia, além do cobre e do lítio.
Lideranças de movimentos sociais ouvidos nesta reportagem apontam que o estado concentra conflitos e a tendência é de agravamento, diante dessa nova corrida que tem a transição energética como a “desculpa perfeita” para avançar sobre áreas como os assentamentos rurais.
No caso do cobre, a Bahia tem 106 processos que podem impactar 43 assentamentos. A Mineração Caraíba S/A tem 24 processos e lidera a busca pelo metal no estado.
Nas seis glebas do Assentamento Cacimba da Torre (Sul, Leste, Noroeste, Nordeste, Centro Oeste e Centro Leste), onde a empresa já ganhou uma concessão de lavra, são dezenas de processos em andamento na ANM, principalmente para a Mineração Caraíba , empresa controlada desde 2022 pelo grupo Ero Copper , sediado em Vancouver no Canadá.

Maryangela Aquino Lopes, pesquisadora da Universidade da Bahia, investigou junto com os colegas Eliane Maria de Souza Nogueira e Carlos Alberto Batista dos Santos, os impactos da atividade minerária de cobre na Mina Surubim.
No estudo publicado em 2023, “Impactos socioambientais associados à atividade de mineração em territórios tradicionais de fundo de pasto na Bahia” , os pesquisadores concluíram que a atividade da empresa vem “causando riscos ao uso, posse e gestão das áreas coletivas e revelado situações de injustiça ambiental, pois não promovem desenvolvimento equânime para todas as partes envolvidas”.
O trabalho está concentrado nas comunidades Esfomeado I, Esfomeado II e Vargem Comprida. Elas compõem o chamado Território Tradicional Fundo de Pasto em uma área de 15 mil hectares onde cerca de mais de 90 famílias criam caprinos, ovinos e bovinos e, ainda, cultivam, nas pequenas áreas de terras individuais, milho, feijão, mandioca, melancia, abóbora e palma, em complementação à renda familiar.
Maryangela ressalta que não estudou a realidade dos assentamentos que podem ter novos projetos de extração de cobre na região, mas não duvida que o impacto seja o mesmo das comunidades de fundo de pasto e na sua relação com a Ero Brasil.
“Eles chegam prometendo empregos, é assim que eles se apresentam, e a gente pôde observar que da população que foi pesquisada, poucos estavam empregados na mineração, muito poucos, e quando são, são serviços mais simples e sempre por meio de uma empresa terceirizada. E da mesma forma a gente observou o comércio local, o município tem um outro distrito que fica próximo, o que houve foi o fechamento do comércio”, aponta Maryangela Lopes.
Para Lucas Zenha, doutor em Geografia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e integrante do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), o interesse por metais em áreas de assentamentos na Bahia e no Nordeste precisa estar mais presente na pauta dos movimentos sociais.
Zenha explica que na Bahia os conflitos tendem a ser maiores sobre o interesse mineral, considerando que Bahia é um dos estados brasileiros que mais registra “diferentes e numerosos grupos sociais tradicionais”, incluindo povos indígenas, quase 900 comunidades quilombolas, 600 comunidades de fundo e fecho de pasto, pescadores, ribeirinhos, e cerca de 530 assentamentos de reforma agrária.
Para o pesquisador, no caso de Curaçá especificamente, já existe uma estrutura desigual de acesso à terra, assim como em outras cidades baianas. “Com a chegada da mineração, isso só acentua e prejudica essas populações que estão ali tentando sobreviver da terra. Então pode ser um paralelo importante trazer o dado da estrutura agrária fundiária de um município com essa evolução das poligonais dos processos das mineradoras”, diz.
Na Paraíba, busca por cobre e lítio em áreas de assentamentos lidera processos registrados na ANM
No estado da Paraíba são 81 processos minerários registrados na ANM em áreas de 51 assentamentos, segundo o levantamento do Observatório da Mineração.
A Nexa Resources tem 13 processos, seguida pela Brasil Fortescue com 7. A maioria dos processos está na fase de pesquisa, sendo 33 para extração de cobre e 25 para lítio, outro mineral que é considerado “estrela” da transição energética e já vem causando estragos socioambientais no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais , região que concentra a produção brasileira.
Em trabalho publicado em 2021, Nielson Lourenço, professor da educação básica e doutor em Geografia pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), investigou o interesse das mineradoras no estado.
Na sua tese, o pesquisador quantificou que 109 assentamentos, abrangendo uma área total de 129.506 hectares, estão sobre interesse das mineradoras, considerando também a busca por substâncias que não estão inseridas no levantamento do Observatório da Mineração, que foi restrita aos chamados minerais críticos e estratégicos de acordo com a Agência Internacional de Energia.
“Isso demonstra, em termos estatísticos, políticos e econômicos, a possibilidade concreta de emergirem novos conflitos em decorrência da mineração e a consequente desestruturação destes territórios”, aponta o pesquisador na tese (veja mapa).

Para o pesquisador, os problemas ambientais causados pela mineração representam um “risco iminente” para outros assentamentos na Paraíba.
Lourenço investigou em sua tese de 2021 os conflitos territoriais associados à expansão da mineração em áreas de assentamentos rurais no estado e seus impactos socioambientais. No trabalho, “Territorialização do capital extrativista mineral sobre áreas de Reforma Agrária: da voracidade do capital à luta pela defesa da terra e da vida no Assentamento Mucatu/PB “, o pesquisador analisou os impactos da atividade minerária no litoral sul da Paraíba.
“Diante desse contexto, torna-se imprescindível uma mobilização efetiva da sociedade civil em defesa desses territórios. Esses assentamentos representam não apenas espaços de resistência contra a devastação socioambiental provocada pela mineração, mas também possuem uma importância estratégica na soberania e segurança alimentar do nosso país. Esses locais abrigam territorialidades profundamente marcadas por valores como solidariedade, igualdade, proteção ambiental que são fundamentais na construção de uma sociedade calcada em valores de justiça social”, avalia.
A região pesquisada, afirma Lourenço, é um local geologicamente de ambiente sedimentar, tem rios perenes e um ecossistema rico em biodiversidade onde existem 25 assentamentos rurais que produzem alimentos que abastecem toda a região metropolitana de João Pessoa.
“Vivemos num contexto atual de uma atividade minerária marcada pela violência e destruição socioambiental, que sistematicamente espolia povos tradicionais, ribeirinhos, camponeses e outras comunidades. Essa lógica inerentemente expansiva e destrutiva encontra no Brasil, com sua vasta riqueza mineral e um arcabouço legal flexibilizado pelo Estado para facilitar a exploração, um terreno fértil para a intensificação de seus efeitos deletérios”, avalia.
De acordo com os dados do trabalho do pesquisador, a mineração na região já provocou “desmatamento, intensos processos erosivos, com assoreamento de rios e desmoronamento de encostas, contaminação acústica e poluição do ar”.
“Todos esses danos já afetam a vida cotidiana desses assentados, com impacto direto na estrutura das suas residências, na inviabilização da pesca em algumas partes dos rios, até mesmo no comprometimento da produção agrícola em determinadas áreas. Além disso, há o aparecimento de problemas de saúde mental associados às intensas explosões diárias ocorridas na mina de extração mineral”, aponta Lourenço.
Instrução Normativa do INCRA é usada como justificativa pelas empresas
Assim como nos casos anteriores destacados pelo Observatório, uma instrução normativa do INCRA editada no governo Bolsonaro e ainda não revogada no governo Lula III é mencionada pelas empresas como o que sustenta as atividades e interesses minerários em assentamentos rurais.
Após as primeiras duas matérias publicadas pelo Observatório da Mineração e também diante de uma articulação de organizações que atuam no tema, a Defensoria Pública da União solicitou ao INCRA que revogue a norma e fez uma série de recomendações ao INCRA e à ANM.
A Nexa Resources alega que é detentora de 157 direitos minerários ativos no Brasil, dentre estes, 30 possuem alguma interferência com assentamentos conforme base oficial do Incra, sendo que nove encontram-se em fase de cessão para outra empresa.
“Entretanto, cumpre-nos esclarecer que não é vedada atividade de mineração em áreas de assentamento do INCRA, visto que, conforme determina a Instrução Normativa n. 112/2021, existem procedimentos que viabilizam o uso de áreas para a implantação de empreendimentos de mineração, energia e infraestrutura”, diz o comunicado.
“Cabe ressaltar que a Nexa não possui nenhuma mina com operações em áreas de assentamentos, se limitando até o momento à realização de pesquisas minerais, atividade legal autorizada instituída pelos órgãos competentes”, completa a Nexa.
Já a Fortescue diz que tem “exclusivamente” pedidos de autorização para conduzir pesquisas em áreas identificadas. E ressalta que a empresa segue o protocolo estabelecido pelo órgão regulador, “incluindo a publicação da licença e o consentimento integral do INCRA para assentamentos que ainda não receberam um Título de Concessão de Terras e/ou a autorização formal necessária de beneficiários que já foram definitivamente titulados”.
Nas últimas três semanas, o Observatório da Mineração tentou contato com a Codelco do Brasil, mas a representação da empresa chilena no Brasil não recebeu retorno dos pedidos de entrevista e posicionamentos.
Também pedimos posicionamento da Ero Brasil (Mineradora Caraíba S/A), mas também não recebemos retorno aos pedidos de esclarecimentos sobre os processos. O espaço segue aberto para manifestação.
Fonte
O post “Busca por cobre e lítio na Bahia e na Paraíba ameaça a agricultura familiar” foi publicado em 07/04/2025 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte Observatório da Mineração