Dados atualizados divulgados pelo Mapbiomas confirmam o que quem acompanha o cenário sabe: o garimpo ilegal em terras indígenas aumentou impressionantes 632% de 2010 a 2021.
É no período do governo de Jair Bolsonaro, porém, que a situação se agravou drasticamente. Dados do mesmo Mapbiomas do ano passado mostravam um avanço de quase 500% na última década.
Em 2021 o garimpo registrou a maior expansão em 36 anos, devorando 15 mil hectares num único ano . Em cinco anos, de 2017 a 2021, novas áreas de garimpo atingiram 59 mil hectares, superando todo o espaço tomado pela atividade garimpeira até o fim da década de 80.
As três terras indígenas mais afetadas ocuparam exaustivamente as manchetes nos últimos anos: Kayapó, com 11.542 hectares invadidos, Munduruku, com 4.743 hectares, ambas no Pará e a TI Yanomami, com 1.556 hectares garimpados, em Roraima. Lideranças indígenas dessas TI’s se reuniram com o governo e solicitaram ajuda ao governo federal para coibir o crime organizado. Foram ignoradas, como no caso dos Yanomami .
O desastre humanitário causado pelo garimpo na maior terra indígena do Brasil é brutal. Ataques à bala, contaminação irreversível dos rios, miséria e relatos de estupros de adolescentes se acumulam . Os três povos criaram, em 2021, uma inédita Aliança Contra o Garimpo.
Na TI Munduruku, o garimpo destruiu 600 quilômetros de rios em 5 anos . Pedido de intervenção federal não deu em nada . Lideranças Kayapó ouviram de Jair Bolsonaro e do presidente da Funai, Marcelo Xavier, incentivos para pressionar pela aprovação do PL 191/2020 , que quer justamente liberar mineração em terras indígenas.
Meta deliberada desde o primeiro dia de governo que virou projeto de lei enviado ao Congresso por Jair Bolsonaro, o ex-ministro de Minas e Energia e o ex-ministro da Justiça Sergio Moro em fevereiro de 2020, o PL 191 não avançou após imensa pressão do movimento indígena.
Sempre com tapete vermelho aos lobistas do garimpo , como tenho mostrado aqui no Observatório da Mineração, o MME recebeu “um dia de garimpo ilegal” na sua porta em Brasília durante o Acampamento Terra Livre deste ano.
Jair Bolsonaro, que se orgulha de ter “sangue garimpeiro”, que foi garimpar na Bahia ainda em seus tempos de Exército e que conta que seu pai esteve em Serra Pelada, cumpriu promessas de campanha: não demarcar nem um centímetro de terra indígena, “dar uma foiçada” no pescoço da Funai, escalada para perseguir lideranças indígenas, e colocar o MME, o Ministério do Meio Ambiente e a Agência Nacional de Mineração a serviço de garimpeiros.
Relatório de auditoria recém-publicado pela Controladoria-Geral da União (CGU) aponta que as autorizações para garimpos são dadas mesmo com documentos incompletos, sem verificação, transparência, padronização e que as superintendências regionais da ANM apresentam erros sistêmicos.
Conflitos de interesse entre gerentes e funcionários de alto escalão da agência também foram identificados em pelo menos 3 casos. Ao mesmo tempo em que atuam pela ANM, essas pessoas têm negócios em empresas privadas de mineração.
A consequência é a facilidade para que garimpeiros obtenham permissões de lavra garimpeira (PLG’s) sem a devida checagem de licenças ambientais e da área total concedida, que pode ser superior a 10 mil hectares.
Segundo o Mapbiomas, completam o ranking das 5 primeiras TI’s mais impactadas a Tenharim do Igarapé Preto (AM) e Apyterewa (PA).
Na canetada, Jair Bolsonaro tenta atender a todos os interesses do garimpo
A enormidade de ações concretas de Jair Bolsonaro e da cúpula do atual governo federal pró-garimpo, monitoradas desde o início por esse Observatório, se transformaram em uma espécie de desespero na reta final.
Sem conseguir alterar o Código de Mineração via um “grupo de trabalho” criado no Congresso por Arthur Lira – financiado por dinheiro do garimpo – Bolsonaro passou a apostar na canetada.
Mesmo com a situação de cooptação total da ANM, como provado pela CGU, decretos publicados em fevereiro tornaram ainda mais simples a análise de atos processuais e procedimentos de outorga, especialmente, veja, para garimpos.
Também foi criado um “Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Mineração Artesanal e em Pequena Escala – Pró-Mape”, com a finalidade de “propor políticas públicas e estimular o desenvolvimento da mineração artesanal e em pequena escala, com vistas ao desenvolvimento sustentável regional e nacional”.
Com Bolsonaro e sua turma no poder, o lobby do garimpo nunca foi tão próximo do governo federal.
“O subsolo não é do índio, é da União, do governo brasileiro. Pronto, acabou, se o governo brasileiro tem interesse no subsolo, o índio não pode fazer nada. O governo pode fazer o que bem entender”, me disse em entrevista exclusiva Elton Rohnelt , amigo de Jair Bolsonaro, hoje lobista em Brasília e responsável por “mostrar a Amazônia” para Bolsonaro na década de 90.
Rohnelt foi diretor de madeireira, dono de garimpo, um dos líderes da invasão garimpeira nas terras Yanomami nos anos 80, ex-deputado federal por Roraima de 1995 a 2003 e ocupou diversos cargos públicos em Roraima, foi vice-líder do governo Fernando Henrique Cardoso e assessor direto de Michel Temer.
Bolsonaristas, turbinados pelo dinheiro do garimpo, tentam se eleger em 2022
Em abril, revelamos que nas eleições municipais de 2020, mais de R$ 400 mil foram doados por empresários do setor mineral para prefeitos e vereadores que disputaram cargos nas cidades de Itaituba, Jacareacanga e Novo Progresso, no Pará, centro do garimpo ilegal no Tapajós e no Brasil.
Nas eleições federais deste ano a “bancada do garimpo”, turbinada pelos ganhos bilionários dos últimos anos, montou um verdadeiro ataque.
Levantamento da Folha mostrou que, no pleito deste ano, ao menos 79 candidatos são ligados, direta ou indiretamente, à atividade garimpeira e à mineração de ouro . O partido com mais nomes é o PL, o mesmo do atual presidente da República, com 17, seguido da União Brasil, com oito.
A Repórter Brasil destacou alguma das principais candidaturas de figuras milionárias ligadas à exploração ilegal e o InfoAmazônia mapeou que pelo menos 31 candidatos mantêm 95 processos ativos na ANM para explorar minérios na Amazônia.
A antropóloga Luísa Molina, do Instituto Socioambiental (ISA), monitorou candidatos pró-garimpo.
Em contrapartida, uma “Bancada do Cocar” foi organizada , com candidaturas indígenas de todo o Brasil. No site “Campanha Indígena” é possível saber detalhes de cada candidato. O objetivo é aumentar a representatividade no Congresso, dominado por ruralistas e lobistas de mineradoras. Hoje, os povos indígenas contam apenas com uma parlamentar: Joenia Wapichana (Rede-RR), que tenta a reeleição.
Além de Pará e Mato Grosso, Rondônia registra forte atividade garimpeira
Os dados do MapBiomas mostram que, pelo terceiro ano seguido, a área ocupada pelo garimpo supera o da mineração industrial. A Amazônia concentra mais de 90% da área destruída pelo garimpo.
Pará e Mato Grosso, consolidados historicamente como as principais áreas do garimpo, concentram 82% da área garimpada. Mas Rondônia começa a aparecer com destaque, com 4,7% do território degradado, mais de 9 mil hectares.
Nas Unidades de Conservação, o garimpo cresceu 352% entre 2010 e 2021, alcançando quase 60 mil hectares. Desse total, quase dois terços ficam na APA do Tapajós, no Pará, com 43.266 hectares.
Dos cinco municípios brasileiros com maior área de garimpo, quatro ficam no Pará: Itaituba, Jacareacanga, São Félix do Xingu e Ourilândia do Norte. Um fica no Mato Grosso: Peixoto de Azevedo.
No total, entre 2010 e 2021, a área atingida pela garimpagem quase dobrou, passando de 99 mil para 196 mil hectares.
O alvo principal é o ouro, extraído em 83% da área. Pedras preciosas, rochas ornamentais, estanho e minerais usados em construção civil vem na sequência.
A situação, porém, é ainda pior do que os cientistas conseguiram mostrar. O levantamento do MapBiomas, feito por satélite, mapeia apenas a ação garimpeira em terra. Não entra nessa conta extração de minério feita por dragas, nos leitos dos rios amazônicos, ou subterrânea, quando galerias e túneis são abertos.
A expansão desse tipo de garimpo segue forte na Amazônia .
Em visita ao ATL 2022, o candidato Luís Inácio Lula da Silva prometeu acabar com o garimpo em terra indígena , criar um Ministério indígena e respeitar a consulta livre, prévia e informada que as comunidades indígenas e tradicionais tem direito.
“Todo decreto criando empecilho terá que ser revogado imediatamente. A gente não pode permitir que aquilo que foi conquista da luta de vocês seja tirado por decreto, para dar direito a aqueles que acham que tem que acabar com a nossa floresta e nossa fauna. Se voltarmos ao governo, não será permitido fazer qualquer coisa em terra indígena sem que haja a concordância e a concessão de vocês”, prometeu Lula.
Fonte
O post “Bolsonaro cumpre promessa e garimpo em terras indígenas cresce 632% em uma década” foi publicado em 27th September 2022 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte Observatório da Mineração