Apesar do Xandão ter proibido o PT de veicular o comercial que mostra Bolso falando que “
pintou um clima ” entre ele e meninas “bonitinhas, arrumadas, de 14, 15 anos”,
o assunto não sai mais da boca do povo. Coordenadores da campanha bolsonarenta afirmam que foi o pior golpe contra Bolso (dado por ele mesmo) neste segundo turno.
Bolso declarou que “a decisão do Alexandre de Moraes
enterra esse assunto “. Não é o que se vê. Eu e outras ativistas
estamos pedindo para que meninas e mulheres contem seus relatos de quando foram assediadas, abusadas, estupradas, porque o cara achou que PINTOU UM CLIMA. Vamos mostrar que pedofilia e violência contra mulheres e crianças não podem ser varridas pra baixo do tapete por uma decisão judicial covarde!
Bolso disse que as últimas 24 horas tinham sido as piores de sua vida por ter sido acusado de pedofilia.
Ricardo Noblat lembrou que não, não foram: “As piores 24 horas de sua vida foram as que se seguiram à facada que levou em Juiz de Fora, Minas Gerais, em setembro de 2018. E, mesmo assim, mal acordou depois da operação, foi logo dizendo: ‘Ganhamos. Agora, é só administrar a vitória’.”
A tentativa de conter danos continua desesperadamente na campanha do Coisa Ruim. Micheque jurou que Bolso usa “pintou um clima” pra tudo. Então o pessoal procurou essa fala que ele usa direto. Procurou em
128 lives que ele fez, sempre com registro bem informal, entre amigos. Sabem quantas vezes ele falou “pintou um clima”? ZERO!
Um cientista político tabulou
todos os discursos que Bolso fez na Câmara entre 2000 e 2018. O então deputado Jair usou a palavra “clima” dezoito vezes. Quantas vezes usou “pintou um clima”? Nenhuma.
Os bolsonarentos procuraram muito, mas muito mesmo, e encontraram a quantidade imensurável de uma vez em que Bolso usou o termo “pintou um clima” não no sentido sexual (o vídeo do Felipe Neto explica muito bem).
Ah, mas só porque não há registro de Bolso usar o termo num sentido não sexual, isso não quer dizer que “pintou um clima” seja exclusivamente empregado na língua portuguesa para se falar de sexo, né? Errado!
O
professor Monclar Lopes , do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Universidade Federal Fluminense, explica que a expressão “pintou um clima”, que Bolso usou numa live de sexta para se referir a meninas venezuelanas de 14, 15 anos, sempre tem o contexto romântico sexual.
Reproduzo o texto escrito pelo linguista:
Acordei neste domingo (16 de outubro de 2022) com vontade de divulgar um pouco da ciência linguística. Depois das notícias de sábado, você ficou em dúvida sobre os possíveis significados do idiomatismo “pintar um clima?”
O meu conhecimento linguístico sobre essa construção me levou a aventar a hipótese de que essa expressão mobiliza um frame – um enquadre – romântico/sexual, mas, depois de ler umas análises de adoradores do coiso lá no Twitter, resolvi verificar a realidade dos fatos nos dados da língua em uso. Não há nada como a ciência e seus métodos para nos auxiliarem nesse momento, não é mesmo?
Recorri inicialmente à base de dados Now do Corpus do Português (corpusdoportugues.org), constituído com mais de 1 bilhão de palavras e fiz uma busca pela expressão “pintar um clima” (e todas as suas variações). Eis o resultado da busca, que indica a frequência de ocorrência no corpus:
1. Pinta um clima: 16 ocorrências
2. Pintou um clima: 11 ocorrências
3. Pintado um clima: 5 ocorrências
4. Pintar um clima: 4 ocorrências
5. Pintando um clima: 2 ocorrências
6. Pinte um clima: 1 ocorrência
7. Pintará um clima: 1 ocorrência
Em absolutamente TODAS as ocorrências disponíveis no corpus, PINTAR UM CLIMA e suas variações ocorrem em um contexto romântico/ sexual, o que serve de forte evidência para a minha hipótese apresentada no primeiro parágrafo deste texto: a construção está fortemente vinculada a um frame de cunho romântico/ sexual. Quando olhamos o contexto linguístico imediato, mais especificamente as palavras no entorno, achamos elementos pertencentes a esse mesmo frame, a saber: enciumado, amada, beijam, romântico, beijo intenso, tesão, caçar pessoas, caidinho, discreto, apaixonada, namorados, flerte, abraçar etc. Vale ressaltar que o referido corpus é constituído por textos midiáticos, quase todos redigidos em linguagem formal. Nesse contexto, há um maior monitoramento quanto aos vocábulos e expressões empregados e “pintar um clima” parece servir como uma “proteção à face” do(a) redator(a), em que ele(a) precisa sugerir a existência de um contexto de tensão sexual, mas sem ser muito específico.
No intuito de ampliar um pouco mais o número de dados e olhar para outros contextos de uso, parti para o Twitter. Para uma análise mais cuidadosa, restringi as buscas ao ano de 2021, para deixar de lado os fatos horrendos narrados na live despresidencial do dia anterior, e analisei as 50 primeiras ocorrências. O contexto é exatamente o mesmo, mas com um vocabulário, vamos dizer, mais específico (algumas vezes, específico até demais).
Com isso, chego à seguinte conclusão: há fortes indícios de que, quando um falante emprega o idiomatismo “pintar um clima”, ele o faz no enquadre da sexualidade. É até verdade que a língua muda e é sempre possível recrutar uma certa construção para um novo uso. No entanto, os usos inovadores ocorrem em contextos atípicos, isto é, em situações em que o entorno linguístico imediato não nos permitiria sancionar plenamente os sentidos originais, o que nos sugeriria uma nova interpretação, uma nova análise. No caso das falas de ontem do despresidente, no entanto, a hipótese de que “pintou um clima” significaria outra coisa quando ocorre no mesmo contexto de palavras como menininhas, bonitas, ganhar a vida, prostituição é não só pouco provável, mas, acredito eu, impossível.