Por cinco votos a dois, o Tribunal Superior Eleitoral permitiu ao Brasil respirar um pouquinho na última sexta-feira. Ao decretar a inelegibilidade de Jair Bolsonaro (e boa sorte ao ex-presidente recorrendo ao Supremo que ele passou quatro anos achincalhando), o TSE livrou o país de uma ameaça permanente de crise. Agora é focar nas crises reais: a social, a econômica e a climática.
Esta última segue cada vez mais descontrolada e ameaça fazer de 2023 um dos anos mais quentes e desgracentos da história. A onda de calor brutal que assola a América do Norte já deixou mais de uma centena de mortos no México , onde as temperaturas chegaram aos 49ºC. O Canadá enfrenta a pior temporada de incêndios florestais da história, cuja fumaça voltou a cobrir nesta semana grandes cidades dos EUA, como Chicago. E o El Niño monstro de 2023, com temperaturas na superfície do mar quase 3ºC maiores que a média, já está entre nós e tende a jogar os termômetros para o alto no segundo semestre.
Soluções à vista, nem sombra. No final de junho, líderes de países em desenvolvimento se juntaram em Paris para falar sozinhos sobre a necessidade de uma reforma no sistema financeiro internacional que dê conta de bancar a transição climática. Uma notável exceção à pasmaceira foram os dois discursos de Luiz Inácio Lula da Silva durante o encontro organizado por Emmanuel Macron. Lula cobrou a dívida climática histórica dos países ricos, incluiu desigualdade no debate ambiental e, numa ruptura com o soberanismo tradicional do Brasil sobre a Amazônia, disse que as árvores da floresta pertencem “à humanidade”. Enquanto isso, porém, negociadores brasileiros bloqueavam discussões sobre a criação de uma taxa às emissões da navegação internacional, em debate numa reunião da Organização Marítima Internacional em Londres. Do lado dos países ricos, o mundo acordou na sexta-feira com a notícia de que a Noruega abrirá mais 19 blocos de petróleo em suas águas – num sinal de que as nações petroleiras parecem não estar levando a sério os alertas da Agência Internacional de Energia sobre a necessidade de parar toda exploração nova de óleo e gás no mundo para cumprir o Acordo de Paris.
Boa leitura.
Desmatadores sem crédito
Na última quinta-feira (29), o Banco Central publicou uma resolução que amplia as restrições de crédito rural a desmatadores em todos os biomas do país. Trata-se de uma versão revista e ampliada de uma outra norma, de 2008, que pela primeira vez limitou crédito rural a infratores ambientais no Brasil.
O novo instrumento amplia a restrição a todo o país, não apenas à Amazônia, e corrige pontos falhos do anterior. A resolução altera o Manual do Crédito Rural, que regulamenta as condições para empréstimos ao agro, para impedir que, como acontece hoje, dinheiro público do Plano Safra seja concedido para destruir ecossistemas nativos e aquecer o planeta.
Construída em conjunto pelos ministérios da Fazenda, do Meio Ambiente e da Agricultura, a resolução do BC proíbe que bancos emprestem dinheiro para propriedades que não estejam inscritas no Cadastro Ambiental Rural; que tenham qualquer parcela de seu CAR sobreposto a terras públicas, como florestas não destinadas, terras indígenas e unidades de conservação; e que esteja em listas de embargo do Ibama ou dos órgãos ambientais estaduais.
Outra mudança é que agora, para efeito de crédito, valem embargos estaduais e federais. Os critérios para terras indígenas são mais frouxos: fica vedado o crédito sobreposto a áreas homologadas e “reservadas”, que constem no banco de dados da Funai. A resolução não trata de terras identificadas.
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Metade das NDCs inclui planos para exploração continuada de fósseis
Análise do Instituto Ambiental de Estocolmo (SEI) aponta que a redução e a eliminação dos combustíveis fósseis está distante dos documentos de Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC na sigla em inglês, as metas de cada país para o Acordo de Paris). O caso é péssimo para o clima, visto que é urgente a redução das emissões de gases poluentes oriundos desses produtos para que a temperatura global não continue disparando.
Os pesquisadores averiguaram mais de uma centena de documentos de países que produzem combustíveis fósseis e concluíram que quase metade das NDCs publicadas entre 2019 e março de 2023 inclui explícita ou implicitamente planos para manter ou aumentar a produção de petróleo, gás e carvão. O número aumentou em comparação com os documentos publicados entre 2015 e 2019, nos quais um terço indicava que a indústria fóssil deveria seguir a todo vapor. Mais de um terço das estratégias de longo prazo, que miram a neutralidade em carbono no meio do século, segue a mesma posição. Leia mais aqui .
Brasil ocupa, de novo, desonroso 1º lugar na destruição de florestas
Na última terça-feira (27), a organização World Resources Institute (WRI) publicou seu relatório anual sobre a destruição de florestas no mundo. Mais uma vez , o Brasil aparece no topo do ranking de perda de florestas tropicais primárias, respondendo por 43% da perda total de florestas no mundo em 2022.
O país destruiu 1,77 milhões de hectares de floresta tropical primária (ou 17.700 km2), um aumento de 15% na comparação com o ano anterior. A perda florestal no Brasil significou a emissão de 1,2 bilhão de toneladas de CO2 na atmosfera, duas vezes e meia mais do que tudo o que o país emite pela queima de combustíveis fósseis.
E mais: o relatório deste ano mostra que o índice de perda florestal não relacionada a incêndios no Brasil foi o maior desde 2005. O desmatamento por corte raso (a derrubada total das árvores e vegetação de áreas selecionadas) aparece como principal causa da devastação.
No Amazonas, a taxa de destruição de florestas primárias praticamente dobrou nos últimos três anos, sendo causada principalmente pelo desmatamento em larga escala para a abertura de pastagens de gado no entorno de grandes rodovias. Dados do Inpe produzidos a pedido do OC já mostraram que o desmatamento dobrou de um ano para o outro no entorno da BR-319 após o anúncio do asfaltamento. Leia mais aqui .
Em Paris, Lula defende nova governança global para o clima e cobra ricos
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) subiu o tom em seu discurso na Cúpula para um Novo Pacto Financeiro Global , no último dia 23/6 em Paris. O presidente defendeu a criação de uma governança global para a ação climática, questionou a atuação de instituições multilaterais e cobrou mais responsabilidade dos países desenvolvidos no combate às desigualdades, além de criticar as exigências ambientais apresentadas pela União Europeia para o acordo com o Mercosul — classificadas como “ameaça a um parceiro estratégico”.
“Vamos ser francos: quem cumpriu o Protocolo de Quioto? Quem cumpriu as decisões da COP15 em Copenhague? Quem cumpriu o Acordo de Paris? Não se cumpre porque não tem governança mundial com força para decidir as coisas e a gente cumprir”, indagou. Reforçando discurso que tem feito em outras ocasiões , Lula sustentou que o enfrentamento às mudanças climáticas e à desigualdade precisam caminhar necessariamente juntos, e disse que as duas agendas precisam ter “a mesma prioridade”.
O presidente cobrou ações mais efetivas das potências mundiais, tanto em relação ao clima como no combate à pobreza e à desigualdade. No mesmo dia, uma declaração vaga de Macron sinalizou que os países ricos teriam finalmente chegado a um acordo para pagar os US$ 600 bilhões com que se comprometeram para financiamento climático entre 2020 e 2025. Não se falou, no entanto, em metas, prazos ou ações efetivas.
Lula criticou ainda duramente as exigências apresentadas na chamada “carta adicional” (side letter, que agregou alguns pontos ao texto inicial) apresentada pela União Europeia para o fechamento de acordo comercial com o Mercosul. O texto prevê sanções em caso de não cumprimento dos compromissos ambientais e climáticos. Segundo apurou o OC, a carta foi recebida como um acinte à soberania do país pela diplomacia brasileira, que já prepara uma contraproposta. A União Europeia, por seu turno, já esperava a reação e parece disposta a negociar até que se chegue a um meio termo.
ChatGPT desinforma com mais facilidade e rapidez que humanos
Pesquisa publicada na Science Advances na última quarta-feira (28/6) mostrou que modelos de ampla linguagem (LLM, na sigla em inglês) criados por sistemas de Inteligência Artificial, como o GPT-3, podem ser mais eficientes que humanos para propagar desinformação. No estudo, que explorou a difusão de desinformação no Twitter, um grupo de 697 pessoas analisou mais de duzentos tweets tratando de temas como mudanças climáticas, terraplanismo, segurança de vacinas, relação entre vacinas e autismo, teoria da evolução, Covid-19 e tratamentos homeopáticos para câncer, entre outros.
Os participantes deveriam apontar se o conteúdo das mensagens era verdadeiro ou falso e também se os tweets haviam sido escritos por humanos ou por inteligência artificial. Os resultados mostraram que os participantes tiveram mais dificuldade em reconhecer os tweets desinformativos gerados por GPT-3, na comparação com os tweets humanos, e ainda que o GPT-3 tem “a efetiva capacidade de imitar informações geradas por humanos”.
Ao mesmo tempo, os dados revelaram que os tweets com informações corretas gerados por robôs foram mais facilmente identificados como verdadeiros do que aqueles escritos por humanos. A conclusão é que o GPT-3 foi mais eficiente para os dois lados: informar e desinformar. Os autores da pesquisa, da Universidade de Zurique, na Suíça, sugerem o monitoramento do uso da ferramenta e defendem que, caso se constate que o uso da tecnologia contribui para difundir desinformação, será crucial regular as bases de dados usadas para o desenvolvimento dessas tecnologias, como forma de limitar seu mau uso e garantir a transparência e qualidade das informações geradas.
Investigação revela financiamento do agro e extrema direita à desinformação climática
Duas reportagens publicadas ontem (30), pela Agência Pública e pela Deutsche Welle (DW), revelaram as minúcias das relações entre setores do agronegócio, a extrema direita brasileira e negacionistas climáticos para a criação da máquina de fake news que contamina o debate público sobre aquecimento global e agenda socioambiental. Na Pública, Cristina Amorim e Giovana Girardi mostraram como o agronegócio financia a verdadeira peregrinação de conhecidas figuras negacionistas, como Luiz Carlos Molion e Ricardo Felício, a encontros de produtores rurais, e como os dois foram abraçados pela bancada ruralista no Congresso, tornando-se porta-vozes também das redes da extrema direita.
Em parceira com o Laboratório de Estudos de Internet e Mídias Sociais (NetLab) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) , a Pública analisou anúncios na Meta (Facebook e Instagram), vídeos no YouTube e outros conteúdos para rastrear quem está por trás da disseminação do negacionismo climático e da desinformação ambiental no país. Já a DW investigou as ramificações — e impactos — da atuação dos negacionistas no debate climático brasileiro. E traz uma boa notícia: finalmente, a Universidade de São Paulo exonerou Felício de seu departamento de Geografia, encerrando anos de ausência na universidade e de produção científica compatível com a posição que ocupava.
Latinos bloqueiam debate sobre taxa de emissões à navegação
Lideradas pelo Brasil, nações latino-americanas têm batido o pé contra a criação de uma taxa sobre as emissões da navegação internacional. O Climate Home News publicou nesta semana os bastidores de uma reunião a portas fechadas da Organização Marítima Internacional que acontece em Londres e onde os latinos estão causando. A navegação responde por 3% das emissões mundiais de gases de efeito estufa, e a taxa vem sendo discutida para turbinar a descarbonização do setor e descolar uma grana extra para o financiamento climático aos países pobres. Para os brasileiros, porém, o imposto causará distorções no comércio internacional, punindo desproporcionalmente países produtores de commodities (que têm menos valor transportado por tonelada e, portanto, sentiriam mais o efeito da taxação) e distantes do resto do mundo, como os sul-americanos.
“Caubóis do carbono” estão de volta, diz site
Um movimento visto na Amazônia no início da década de 2010 voltou com tudo: o assédio a indígenas e comunidades tradicionais da Amazônia pelos “caubóis do carbono”, como são chamados os empresários do mercado voluntário de emissões. O site Sumaúma mostrou que essa turma anda ouriçada com a regulamentação dos mercados de carbono no Acordo de Paris e anda tentando fechar negócios em série na floresta. No caminho, atropelam as consultas a povos indígenas e incluem em seu portfólio projetos em sobreposição com áreas públicas – a chamada “grilagem verde”. Leia aqui .
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O post “BC aperta cerco ao desmate, ChatGPT desinforma melhor que Olavo de Carvalho” foi publicado em 03/07/2023 e pode ser visto originalmente na fonte OC | Observatório do Clima