Começou a circular pelas redes um vídeo que mostra uma embarcação pesqueira que teria decepado a cauda de uma baleia jubarte. O incidente teria ocorrido no último sábado (23), no litoral de Santa Catarina. Nas imagens, um tanto brutais, pescadores aparecem puxando do mar a cauda enquanto xingam a baleia que “escapou de botar o barco no fundo”, segundo a voz do pescador que filma e “narra” o vídeo. Na sequência, ele leva a câmera para a popa do barco, onde é possível ver a baleia ferida ainda respirando, com a ponta amputada em carne viva.
“Provavelmente esse animal vai a óbito. O próprio vídeo mostrou um sangramento bem intenso”, explica o coordenador-geral do Projeto Baleia Jubarte , Eduardo Camargo. “Não temos notícia de baleias sem cauda que tenham sobrevivido, isso configura um crime ambiental”.
De acordo com o coordenador, pelo tamanho da cauda, a baleia do vídeo parece ser um animal jovem, de cerca de 20 toneladas e entre 10 e 12 metros de comprimento. Segundo ele, é difícil ter certeza se o indivíduo filmado seria capaz ou não de virar uma embarcação de grande porte como a do vídeo.
Mesmo que não tenha havido intencionalidade dos pescadores em ferir a baleia, eles são obrigados a responder judicialmente pelo ato. Desde 1987, todas as espécies de cetáceos, ordem a qual pertencem todas as baleias e golfinhos, são protegidas por lei (Lei Nº 7.643/1987 ). A legislação proíbe não apenas a pesca, mas “qualquer forma de molestamento intencional, de toda espécie de cetáceo nas águas jurisdicionais brasileiras”. A infração pode ser punida com pena de 2 a 5 anos de reclusão e multa de 50 a 100 Obrigações do Tesouro Nacional (OTN), o que seria equivalente hoje a algo entre R$1.034 e R$2.068 (segundo valores corrigidos em 2019 ).
A opinião do coordenador é de que, por mais que o vídeo passe a sensação de que os próprios pescadores cortaram, eles próprios, a cauda da baleia, na prática isso é improvável. “Nós fazemos esses cortes regularmente em baleias mortas na praias e é muito difícil fazer um corte daquele, com uma separação da vértebra. Numa baleia se debatendo então, eu acho que é praticamente impossível”, pondera. “A minha impressão é de que a baleia se enroscou na rede de pesca. Aquela embarcação é de grande porte, os cabos que seguram a rede são de aço, deve ter sido uma guerra de força entre a embarcação e a jubarte, que acabou tendo a cauda decepada”.
O caso está sendo investigado pela Superintendência do IBAMA e da Polícia Federal de Santa Catarina, que, segundo fontes, já teriam apurado o nome da embarcação e confirmado que ela partiu de Itajaí (SC). No vídeo, é possível ver claramente os rostos de dois dos tripulantes da embarcação. Segundo uma fonte local ouvida por ((o))eco, há a suspeita adicional de que a embarcação estaria realizando pesca de arrasto de camarão em uma área não permitida, mas não há nenhuma confirmação oficial.
Assista ao vídeo:
“Foi uma imagem chocante, mas essa é uma situação que acontece diversas vezes no ano. Quando não é uma embarcação dessas, de arrasto, são aquelas redes de espera imensas que ficam boiando. Todos os anos nós temos registros de baleias que morrem por conta dessas redes de pesca e esse número vem crescendo nos últimos 5 anos, porque a população de baleias tem aumentado muito. Hoje nós vivemos um cenário inédito, nunca tivemos tantas baleias, com tantas embarcações e tantas redes”.
Baleias jubarte (Megaptera novaeanglie) são espécies migratórias que passam pelo litoral brasileiro todo ano, principalmente entre junho e novembro. Estima-se que a população atual de jubartes em águas brasileiras seja de 20 mil indivíduos, um número crescente graças aos esforços de conservação das últimas décadas que incluem, principalmente, a proibição da caça na maioria dos países.
Segundo dados do Projeto Baleia Jubarte, desde 2004 já foram registradas 55 baleias ‘emalhadas’, como é chamado esta situação em que a baleia se vê presa em qualquer tipo de equipamento de pesca (redes, linhas de espinhel, cabos de amarração). “Dessas, pelo menos 24 morreram, porque acabaram chegando na praia e a gente identificou, mas normalmente elas afundam e se decompõem no mar. Além disso, nós estimamos que só 10% dos casos de emalhes de baleia são reportados, então esse é um número muito subestimado”, conta Eduardo.
Soltar a baleia em uma situação dessas é complicado, segundo orientações do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Aquáticos (CMA) do ICMBio, a remoção do equipamento preso nas baleias é mais fácil nos casos em que a baleia está imobilizada. Quando ela está nadando com o equipamento de pesca preso no corpo a operação de resgate é mais complicada. Remover o equipamento de uma baleia é uma atividade de risco e potencialmente fatal. Ela só deve ser executada por pessoas treinadas e com os equipamentos adequados. (Fonte: CMA/ICMBio )
“É preciso achar alternativas para o não uso dessas técnicas [de redes de pesca] nesses períodos de maior ocorrência de baleias e nesses locais onde há maior concentração delas. Os pescadores precisam ser conscientizados inclusive porque não são apenas as baleias prejudicadas, mas eles próprios, porque é um risco aos pescadores também. Deveriam existir mais esforços das agências regulamentadoras da pesca para evitar esse tipo de conflito. Você evita a matança de animais e também protege os pescadores que vão ter prejuízos financeiros ou até sofrer um acidente mais grave”. Eduardo lembra que outros animais também são vítimas das redes de pesca de arrasto ou de espera, como golfinhos e tartarugas.
Eduardo pontua que é preocupante ver, no vídeo, a forma negativa e agressiva com a qual o pescador se refere à baleia, “é preocupante para nós que a baleia seja vista como uma inimiga por pescadores”. E lembra que apesar da importância econômica da pesca, o turismo de observação de baleias é uma prova que os gigantes do mar também ajudam a gerar emprego e renda.
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O post “Baleia jubarte tem cauda decepada por embarcação pesqueira” foi publicado em 25th May 2020 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte ((o))eco