A polêmica instalação de um autódromo em Deodoro, Zona Oeste do Rio de Janeiro, afetando uma área de floresta com até 200 mil árvores, é vedada por um projeto de lei que está engavetado desde setembro de 2018 na Assembleia Legislativa do Rio. De autoria de Carlos Minc (PSB) e do ex-deputado André Larazoni, a proposta anexa a área, de 160 hectares, ao Parque Estadual do Mendanha. No entanto, apesar de aprovado por duas comissões, o texto jamais foi levado a plenário. Por pressões políticas. Na última quinta-feira (27), 12 conselheiros da Comissão Estadual de Controle Ambiental (Ceca) do Rio de Janeiro deram o aval para o prosseguimento do processo de licenciamento do empreendimento. A audiência pública deverá ser confirmada para o próximo 18 de março, no Corpo de Bombeiros de Deodoro.
“O PL já passou pelas comissões de Constituição e Justiça e Meio Ambiente, mas nunca foi votado. Há enormes pressões do prefeito Crivella, do governador Witzel e do presidente Bolsonaro, que são favoráveis ao empreendimento”, diz Minc. “A ideia é justamente trazer dinamismo econômico, com ecoturismo, horto, aliado à conservação da área. Não faz sentido um autódromo ali, até porque há outras áreas que poderiam receber o empreendimento. Acredito que a questão acabará sendo judicializada”.
As pressões para a liberação do empreendimento, cujo Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (Eia-Rima) foi apresentado ao Instituto Estadual do Ambiente (Inea) em novembro do ano passado, vem se intensificando. ((o))eco apurou que o assunto vem constrangendo alguns analistas do Inea, que enxergam total inviabilidade em conciliar a manutenção de um importante fragmento de floresta com ronco de motores. Também em novembro passado, o piloto inglês Lewis Hamilton jogou lenha na fogueira ao criticar a proposta, considerada por ele insustentável. “Se for derrubar uma árvore, sou contra. Vocês (brasileiros) têm uma floresta fantástica e são importantes para o controle climático”, disse na ocasião.
Área em regeneração
Especialistas argumentam que a área em questão – concedida pelo Exército Brasileiro à Prefeitura do Rio – é o único fragmento bem preservado acima de 100 hectares de mata de terras baixas na cidade do Rio. Segundo o EIA-Rima, há quatro espécies da flora no local ameaçadas de extinção: Grápia, Jacarandá-da-Bahia, Braúna e Jequitibá. Quanto à fauna, são cinco espécies correndo riscos: jacaré-do-papo-amarelo, saíra-sapucaia, trinca-ferro, capivara e mão-pelada.
“Em 68% desses 160 hectares existem áreas florestais em bom estado. É uma área em regeneração, com indivíduos [espécies de vegetais] jovens. Se quiserem levar um autódromo para a região, que seja utilizada a área do parque radical onde foi a canoagem [nos Jogos de 2016]”, sugere o botânico Haroldo Cavalcante, pesquisador do Jardim Botânico e membro do movimento SOS Floresta do Camboatá.
É de Haroldo a conta da necessidade de supressão de 200 mil árvores:
“Por estimativa, é por aí mesmo”, diz, acrescentando que o Jardim Botânico do Rio foi provocado pelo Ministério Público em duas ocasiões, em 2012 e 2013, e manifestou que a área tem enorme importância ambiental.
O presidente do Conema, Maurício Couto, destacou que ainda não há deliberação nem análises definitivas sobre o empreendimento, e que o colegiado voltará a analisar a proposta após as audiências públicas. Já o Grupo de Apoio Técnico Especializado (Gate), do Ministério Público estadual, está finalizando uma análise qualitativa do EIA-Rima. O trabalho, conduzido pelo Grupo de Atuação Especializada em Meio Ambiente (Gaema), reúne um grupo multidisciplinar.
Em maio de 2019 a Rio Motopark venceu o certame para a construção do autódromo, que seria capaz de receber a Fórmula 1 a partir da temporada de 2021, após o término do atual contrato com São Paulo. Mas o imbróglio ganhou corpo quando o portal “G1” divulgou que o presidente da Rio Motorpark, José Antonio Soares Pereira Júnior, é sócio da Crown Assessoria, que ajudou a montar o edital. Ainda naquele mês, o presidente Jair Bolsonaro chegou a afirmar que a cidade tinha “99% de chances” de sediar as provas de velocidade. O projeto prevê 14 meses de obras e um traçado de 5 quilômetros para provas de automobilismo e motociclismo.
Uma das controvérsias ainda não esclarecidas diz respeito ao fato de o terreno não ter passado por uma varredura completa, possuindo “campos minados” ativos, já que as Forças Armadas utilizavam o espaço para treinamento desde a década de 1950. Acidentes com explosões já foram documentados, como mostrou reportagem da Agência Sportlight de dezembro.
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