Ontem fiquei sabendo de um julgamento terrivelmente injusto para um caso hediondo.
Stefhani Brito, 22 anos, foi assassinada em Fortaleza no dia 1 de janeiro de 2018, quase quatro anos atrás. Um caso bastante típico de feminicídio: o ex-companheiro não aceitou o fim do relacionamento de cinco anos e a matou. Mas o que mais chamou a atenção, além da data (primeiro dia do ano), foi que ele andou de moto com o cadáver da vítima antes de largá-lo ao lado de um lagoa e fugir.
Stefhani tinha 17 anos quando começou a namorar Francisco Alberto Nobre Calixto Filho. Sonhava em ser comissária de bordo, mas largou a escola no terceiro ano do ensino médio no início do namoro com Alberto, que era possessivo e mal permitia que ela saísse de casa. Sua história foi contada aqui e aqui .
Um familiar relatou que Alberto costumava torturá-la com pontas de cigarro e colher quente. E também a espancava. “Todos viam as marcas”. Sua mãe revelou a uma reportagem: “Eu percebia no olhar da minha filha que ela não era feliz, mas ela dizia: – mãe, deixe”. A pedido da filha, Dona Rose não denunciou Francisco, e se arrepende disso: “Se eu tivesse denunciado antes ela não estaria morta. Ele poderia estar pagando, mas eu não denunciei porque ela pediu. Por mais que sua filha peça, não deixe. Denuncie, porque essa pessoa pode vir a fazer a mesma coisa que esse indivíduo, que matou minha filha”.
Seis meses antes de ser assassinada, Stefhani tentou fugir. Foi morar com a avó no interior do Ceará. Uma familiar contou à imprensa na época: “Eles estavam separados e ele vivia atrás dela. Ela falava que não o queria mais. E ele sempre ficava insistindo”. Alberto estava namorando outra, mas não parava de perseguir Stefhani. Pediu para vê-la uma última vez. E foi a última vez que Stefhani foi vista viva.
Seu corpo foi encontrado próximo à Lagoa da Libânia, no Mondubim, com as duas pernas quebradas, hematomas, lesões provocadas por um objeto contundente. Depois de matá-la, o feminicida enviou mensagens por WhatsApp para a família: “Eu fiz uma tragédia, acabei com a minha vida. Matei sua irmã”.
Percebam que ele achava que acabou com a vida dele, não a de Stefhani.
Alberto abandonou o corpo e fugiu. Estava entre os homens mais procurados do Ceará. Só foi preso um ano depois, no Pará. Foi então que confessou o assassinato, “por ciúmes”.
Na sentença do julgamento que aconteceu anteontem, foram reconhecidas as qualificadoras de motivo torpe, meio cruel, uso de recurso que dificultou ou impossibilitou a defesa da vítima, feminicídio e ocultação de cadáver. Ainda assim, depois de dez horas de julgamento, Alberto pegou a pena mínima: apenas 15 anos. Vai ficar preso quanto tempo? Dois anos e meio?!
A defesa alegou que o réu foi motivado por “violenta emoção”. Alberto ainda tentou culpar a vítima, dizendo que matou Stefhani por causa de uma traição (que nunca existiu).
O Ministério Público do Ceará, que havia pedido a pena máxima de 30 anos, vai recorrer .
Zuleide Queiroz, integrante do Movimento Frente de Mulheres e uma das manifestantes que protestava em frente ao fórum, estava indignada. Pedia justiça para Stefhani, justiça para as 320 mulheres mortas por feminicídio só no ano passado no Ceará. A mim, Zuleide disse que estava preocupada que uma condenação tão branda pudesse se repetir em outros julgamentos de feminicídio.
A professora e ativista Anna Karina, que recebeu 300 mil votos quando se candidatou à senadora pelo Psol, havia sido professora de Stefhani. Ela comentou no Twitter :
“Ouvi a audiência, do caso Stefhani, o cara é um perigo pra todas as mulheres, frio, responsabilizou Stefhani pela própria morte…. ele tirou ela da escola, da família… manteve ela em cárcere ameaçando matar parentes dela caso ela saísse da relação. Foram 5 ANOS de tortura! A leitura do laudo sobre as torturas sofridas, foi de embrulhar o estômago, não tem como não nos atingir como mulher. O assassino ainda teve a cara de pau de dizer que fez o que qualquer um faria se ‘perdesse a cabeça’. Se afirmou como ‘homem de bem’ trabalhador, honesto. Mas ouvindo testemunhas, as torturas eram cotidianas, perversas. Stefhani tentou sair da relação por diversas vezes, era queimada, surrada, amarrada. Depois de matá-la, ele a descartou como um saco de lixo”.
Mais tarde Karina me disse: “Stefhani foi minha aluna em 2013, antes de abandonar a escola pra viver com o que seria seu assassino, imagino que a relação abusiva a obrigou a deixar os estudos, acontece com frequência…. O Núcleo de Estudos de Gênero que temos na escola foi batizado em 2018 com o nome dela, após sua morte. É pesado, a pena mínima de feminicidio é 12 anos (tem uma luta no senado pra aumentar pra 15 anos), bom, pegou 12 anos mais os agravantes, somando, deu 15 anos e 10 dias.
“A mãe dela, eu e outras esperávamos muito mais…. dificilmente ele passará sequer 10 anos e logo estará fazendo mais vítimas. Assisti um pouco da audiência no modo remoto, bem precário… E é revoltante a postura dele de acusar Stefhani. Durante os 5 anos em que conviveram juntos, os vizinhos ouviam gritos, choros e pancadas e chamavam a polícia, mas a polícia nunca compareceu. Ele tirou ela da escola, afastou da família e a descartou 5 meses depois que ela conseguiu se libertar dele. Impressionante o judiciário brasileiro, o quanto é misógino”.
O post “ASSASSINO DE STEFHANI BRITO PEGA APENAS 15 ANOS” foi publicado em 9th December 2021 e pode ser visto originalmente na fonte Escreva Lola Escreva