Jaci Dantas de Oliveira está enviando para as editoras seu livro de contos intitulado As Buarqueanas, em que seleciona cinco canções do Chico e escreve contos a partir delas (uma delas é “Com Açúcar , com Afeto”). Os contos mostram a vingança das mulheres como sobrevivência.
Nas canções buarqueanas, vemos a presença da galeria daqueles que estão à margem. A voz das mulheres encontra em Chico seu maior intérprete – aquele que põe voz na canção e que traduz o universo feminino. Ele busca essas mulheres em universos vários e faz com que elas inaugurem o mundo. A mulher cria uma ordem outra. Traz a mulher que não se enquadra na ordem pré-estabelecida dos que têm poder, dinheiro, lei. O mundo dos homens. E, por isso, ela transgride. Chico se faz voz das mulheres sem voz, tornando-as maiores que aqueles que detêm o poder. Porque o começo de tudo é o poder falar. Nessas canções por nós escolhidas, a voz é a da mulher. Aqui, o homem é que está à margem…
São mulheres que vingam, que sobrevivem, e, por isso, tornam-se vingadoras. Dão um soco na cara do homem opressor, do homem que vai embora, do homem que trai. Mulheres que se vingam, que colocam o homem no lugar em que elas sempre estiveram. Assim, a mulher se mostra em uma posição de igualdade em relação ao homem.
Em “Com açúcar, com afeto”, a vingança se dá quando o homem volta. É ela, no ambiente doméstico, quem dá as ordens. Como que cerceadora da liberdade daquele homem, no fim, é ela quem permanece. É ela quem vinga. Manipuladora, quer prendê-lo pelo visgo do açúcar de seu doce. Sob a camada do afeto, quer, por meio de artimanhas, segurar o homem que busca, na rua, sua mais significativa forma de andar e de ser feliz. Aceitá-lo de volta, perdoá-lo, confere-lhe uma aura de poder. É superior a ele quando lhe dá seu perdão. O conto “Com açúcar, com afeto, ou a mulher do fim do mundo” traz Belatrix, que se cansa de esquentar o prato do homem e de esperar. Ela se veste e depois se despe e sai pelo mundo a se vingar. E vai andar pelos cantos pelos quais seu homem andara durante o dia, e vai festejar como ele festejara.
Na canção “Atrás da porta”, fica ainda mais evidente o poder de vingança da mulher: “ … e me vingar a qualquer preço…”. Quando passa a “maldizer o lar”, com o intuito de humilhá-lo, e se vingar, ela se iguala ao homem que lhe causou tanta dor. E por superar aquela situação de chão (rebaixada), de estar atrás da porta (escondida), ela agora age. De pé, torna-se maior que ele. “Atrás da porta, ou a mulher do fim de cena” traz Barbarela, uma avó que, ao contar estórias a seu neto, recorda-se de um amor que se foi e a deixou no chão. E que a fez reconstruir sua vida em uma casa sem portas.
A canção “Olhos nos olhos” já traz no título o cerne da superação. Estar olhos nos olhos a coloca no mesmo nível do homem. Está de pé. Sua vingança é mostrar que, sem ele, ela passa “bem demais”. Torna-se superior porque até lhe oferece ajuda, superou tudo, se surpreende cantando, e tantos homens a amaram “bem mais e melhor” que ele. O conto “Olhos nos olhos, ou a mulher do fim do tempo” mostra como a destruição dos calendários e dos relógios é necessária para que essa mulher possa existir depois do adeus.
“Folhetim” mostra a mulher que vive outro universo, e é superior ao homem desde o início da canção. Na manhã seguinte, seu grito de libertação e vingança: “Te afasta de mim”. Ao se tornar dona do tempo e do vento, a mulher do conto “Folhetim, ou a mulher do fim da página”, torna-se guerreira, e, ao ter o Tempo sentado sobre o telhado de sua casa, e o Vento como guardião de seu portão, aceita agora só o que quer, e toma as armas do homem.
A mulher de “Sob medida” é cheia de poder, do começo ao fim. Dona de uma fina ironia quando diz que é perfeita porque é igual a ele, imperfeito. É igual a ele porque não presta. Um discurso irônico que mostra que, para ser igual ao homem, a mulher tem que ser menos. E o conto “Sob medida, ou a mulher do fim da ordem” traz Amaralinda, um ser angelical, que desce à terra para encontrar o homem por quem se apaixonara, e assim perde seu castelo e se torna mulher. Depois de muitas lutas, encontra seu destino, que é o de ser concha na areia da praia.
Mulheres que se refazem. Se reconstroem. E permanecem.
O post “AS BUARQUEANAS: MULHERES QUE SOBREVIVEM E SE VINGAM” foi publicado em 4th April 2022 e pode ser visto originalmente na fonte Escreva Lola Escreva