John Muir, herói ambiental escocês-americano, é famoso por seu ativismo para preservar as sequoias do oeste norte americano. Entretanto, em 1911, aos 73 anos, ele viajou para o outro extremo das Américas em busca de uma espécie de árvore diferente, um gigante das florestas que ele só tinha visto em fotos: a araucária.
Nas montanhas nubladas do Sul do Brasil, Muir caminhou entre as coníferas de copa plana por uma semana e escreveu em seu diário : “Manhã chuvosa. Araucárias por centenas e milhares. Paisagem maravilhosa”. Ele havia visitado a Amazônia recentemente, mas as araucárias eram as árvores que ele queria ver antes de morrer.
Foi, como escreveu, a floresta mais interessante que ele já havia visto em sua vida.
As araucárias do Brasil pertencem à família ancestral das Araucariaceae , as quais encontradas em todo o mundo durante os períodos Jurássico e Cretáceo (entre 200 e 65 milhões de anos atrás). Algumas pesquisas sugerem que, devido as suas folhas ricas em energia e com baixa fermentação, elas eram um alimento essencial para os dinossauros saurópodes.
Atualmente, os três gêneros sobreviventes dessa família estão limitados ao hemisfério sul. E, como os dinossauros que antes vagavam entre eles, essas árvores de aparência peculiar agora estão em risco de extinção.
Dentro da família Araucariaceae, existem 20 espécies no gênero Araucária, incluindo o Araucaria araucana ou Monkey-Puzzle do Chile, o Hoop Pine da Austrália e Papua-Nova Guiné e o Norfolk Island Pine da ilha Norfolk. Outras 22 espécies pertencem ao gênero Agathis, encontrado no Pacífico Sul e no Sudeste Asiático, dos quais o mais famoso é a árvore colossal Kauri, da Nova Zelândia. E o gênero Wollemia, da Austrália, contém apenas uma espécie, um “fóssil vivo” espetacular tão somente descoberto em 1994, dentro de sua última fortaleza em um cânion escondido localizado próximo a Sydney.
Um estudo de 2018 classificou as espécies de gimnospermas (plantas sem flores) no mundo segundo sua história evolutiva e risco de extinção. Das quatro espécies identificadas como tendo a maior prioridade de conservação, três foram Araucariaceae: o pinheiro Wollemi, a araucária brasileira e a Kauri.
A ilha dos tesouros
Apesar da distribuição geográfica dessa família ancestral, quase metade das espécies vivas – 19 de 45 – se encontra somente em um pequeno arquipélago do Pacífico, Nova Caledônia, cerca de 1.000 quilômetros da Austrália.
Essas ilhas tropicais montanhosas abrigam cinco espécies de Agathis e quatorze de Araucária. “Essas plantas são maravilhosas, são diferentes de qualquer outra”, diz Robert Nasi, diretor geral do Centro de Pesquisa Florestal Internacional (CIFOR ). Como parte de sua pesquisa para obter seu título de mestrado, Nasi mapeou a distribuição das diferentes espécies de Araucariaceae nas ilhas.
Algumas crescem apenas na atitude das montanhas chuvosas e nubladas da Nova Caledônia, algumas entre florestas de folhas largas e outras em recifes rochosos elevados, próximos à costa. “Então você tem todas essas esquisitices que parecem esconder um dinossauro por trás”, diz Nasi. “Você olha para ver que tipo de monstro antediluviano vai pular do outro lado.”
A Nova Caledônia está isolada de outras massas terrestres há pelo menos 45 milhões de anos, sua geologia é complexa e possui uma ampla variedade de ecossistemas em uma superfície de apenas 18.275 quilômetros quadrados – metade do tamanho da Suíça. O resultado é uma biodiversidade exuberante, não apenas em Araucariaceae, mas também em plantas em geral: o arquipélago possui 3.261 espécies nativas – quase tantas quanto toda a Europa continental – o que a torna o menor hotspot de biodiversidade do mundo.
Entretanto, com cada uma adaptada a um ambiente específico, as Araucariaceae da Nova Caledônia são vulneráveis. Uma espécie, Araucaria scopulorum, é conhecida apenas em alguns locais onde há mineração de níquel, uma das indústrias mais importantes do país. Contudo, esta não é a única ameaça, as mudanças climáticas também representam um risco para muitas dessas espécies.
“Eu não acho que elas desaparecerão durante o nosso tempo de vida, mas também não acho que elas irão durar muito”, diz Nasi. “Uma espécie restrita a uma faixa de 200 metros de altitude em uma montanha em uma ilha do Pacífico provavelmente não tem um futuro esperançoso sob as mudanças climáticas”.
Deveria haver mais esforço para propagar os tesouros botânicos da Nova Caledônia e cultivá-los em coleções vivas, mesmo fora do país, afirma Nasi – e os últimos bastiões das espécies mais ameaçadas devem ser totalmente protegidos da mineração e de outros distúrbios.
Combatendo incêndios e pragas na Nova Zelândia e na Austrália
Um dos membros icônicos da família Araucariaceae na Nova Zelândia, Agathis australis, está enfrentando outras ameaças. As árvores kauris podem viver por mais de 2.000 anos e crescer até 50 metros. Eles são considerados uma taonga, ou uma posse preciosa, pelos povos indígenas maoris.
Uma grande floresta de kauris já atingiu o norte do país, mas a demanda por madeira e terras agrícolas após a chegada dos europeus levou à destruição de 99,5% da mesma floresta no início do século XX.
Alguns fragmentos ainda permanecem em áreas protegidas e em terras particulares, mas os kauris estão atualmente enfrentando um novo inimigo – um patógeno do solo chamado Phytophthora agathidicida, também conhecido como ‘assassino dos kauris’.
Não há cura, mas os cientistas e os maoris estão trabalhando juntos, tentando combinar microbiologia e conhecimento antigo em um esforço para salvar as árvores .
O pinheiro Wollemi da Austrália, Wollemia nobilis, é ainda mais raro e poderia ter desaparecido completamente em estado selvagem no final de 2019, se não fosse por uma missão de resgate ousada e secreta. Até a década de 1990, árvores como Wollemi eram conhecidas apenas de registros antigos de pólen, segundo Cris Brack, cientista florestal da Universidade Nacional da Austrália em Canberra. “Sabíamos que algo como esta árvore havia existido em todo o continente, e depois desapareceu”.
Acreditava-se que eles estavam extintos há milhões de anos. Então, em 1994, um guarda florestal, David Noble, fez rapel em um desfiladeiro no Parque Nacional Wollemi, nas Montanhas Azuis, a noroeste de Sydney, e encontrou uma árvore imponente que ele não reconheceu. Tinha folhas e cascas de samambaia cobertas de bolhas cor de chocolate.
“Foi realmente como encontrar um dinossauro vivo”, disse Brack.
Desde então, foram encontrados cerca de 100 pinheiros Wollemi em quatro bosques no mesmo sistema de cânions, cuja localização é mantida em segredo para protegê-los de vandalismo ou introdução acidental de phytophthora.
A análise genética revelou que a população tem uma diversidade genética extremamente baixa , tornando-a menos resistente a ameaças.
Em um esforço para preservar os pinheiros Wollemi para as gerações futuras, os horticultores do Jardim Botânico Australiano no Monte Annan desenvolveram um método de clonagem de árvores. Desde 2006 elas estão sendo plantadas em jardins familiares e botânicos na Austrália e em todo o mundo.
O Royal Botanic Garden de Sydney lançou recentemente um projeto de ciência cidadã, “I Spy a Wollemi Pine ”, para tentar rastrear os diferentes ambientes nos quais as espécies podem crescer.
No final de 2019, enquanto a Austrália queimava , um incêndio florestal sem precedentes começou no Parque Nacional Wollemi, que acabou com mais de 444.000 hectares e se tornou o maior incêndio florestal com ponto único de ignição na história australiana.
Brack acompanhou sua evolução e temeu que fosse a sentença de morte para os pinheiros Wollemi na natureza. “Eu pensei, não há como eles sobreviverem a esse incêndio.” Mas em janeiro, o governo de New South Wales anunciou que havia salvado as árvores em uma missão secreta de resgate.
Aviões jogaram bombas de água e retardantes de fogo em um anel ao redor da floresta. Alguns bombeiros foram levados de helicóptero para o desfiladeiro para instalar e operar um sistema de irrigação e manter o solo úmido.
Poucas árvores saíram chamuscadas e outras duas foram incendiadas, mas o fogo terminou e o resto da população não foi afetada.
O esforço valeu a pena, afirma Brack. Graças a produção de mudas em viveiros, o pinheiro Wollemi não corre o risco de desaparecer. Mas muitos mistérios sobre a genética e a biologia das espécies permanecem, como por que quase foi extinto e como esse pequeno grupo sobreviveu por milênios.
Essas respostas só podem vir da população silvestre e das interações das árvores com o solo, o clima e o ecossistema circundante.
“Poucas coisas vivem isoladas, (na verdade) elas vivem em comunidade”, afirma Brack.
A floresta perdida do Brasil
Sabe-se mais sobre as espécies de araucária que Muir tanto admirava, a Araucária angustifolia do Brasil. Elas são as espécies dominantes em um tipo de floresta que já se estendeu por 200.000 quilômetros quadrados nos três estados do sul do Brasil – Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná – além de fazer parte da província argentina de Misiones.
Como parte do bioma da Mata Atlântica, outro hotspot da biodiversidade global, a araucária abrigava uma variedade de palmeiras endêmicas, arbustos e árvores frutíferas, incluindo Ilex paraguariensis, cujas folhas são usadas no sul da América do Sul para produzir a popular bebida quente conhecida como mate (espanhol) ou chimarrão (português).
As árvores eram uma fonte crucial de alimento para pássaros, mamíferos e os primeiros habitantes nativos da região, que os arqueólogos chamam de proto-Jê do Sul. No outono, eles coletavam das árvores cones gigantes cheios de sementes nutritivas e ricas em amido, chamadas pinhão. A araucária ainda faz parte da cultura ritual dos sobreviventes do sul do Jês, dos povos indígenas Kaingang e Xokleng-Laklãnõ.
Evidências arqueológicas recentes indicam que há quase 1.000 anos, os Jês do Sul ajudaram as florestas de araucária a se expandirem de sua distribuição natural limitada para cobrir quase todo o platô, mas não se sabe ainda como ou por quê.
Após a colonização do Brasil, os seres humanos começaram a causar o efeito oposto na floresta, derrubando-a para obter madeira e abrir caminho para a agricultura.
Na época da visita de Muir, no início do século XX, as serrarias já estavam em operação. Na década de 1940, a madeira de araucária brasileira foi um dos principais insumos usados para reconstruir a Europa após a Segunda Guerra Mundial, e cerca de 100 milhões de árvores foram derrubadas entre 1930 e 1990. Atualmente, apenas entre 3 e 5% da extensão original da floresta permanece.
A exploração de araucárias hoje em dia é ilegal, mas uma pesquisa realizada em 2019 descobriu que as mudanças climáticas provavelmente levarão as espécies ainda mais perto da extinção.
Oliver Wilson, da Universidade de Reading , e seus colegas usaram simulações para combinar informações climáticas com mapas de vegetação e topografia de alta resolução. Eles previram que até 2070, apenas 3,5% das florestas restantes serão adequadas para araucária e identificaram micro refúgios – áreas frias e úmidas onde as árvores poderiam sobreviver – mas descobriram que mais de um terço dessas áreas já havia sido desmatado.
As araucárias já haviam sobrevivido a grandes mudanças climáticas (afinal, elas têm estado presentes há quase 100 milhões de anos). Entretanto, embora no passado as florestas pudessem mudar para cima e para baixo no continente sul-americano à medida em que o clima flutuava, agora estão essencialmente presas, revela Wilson.
“Elas existem no extremo sul das terras altas do sul do Brasil. Elas não podem subir muito mais. Estão presas a oeste pelo desmatamento, ao sul por elevações baixas e ao norte pela mudança de clima. É como se o clima e as ações humanas juntas estivessem se aproximando. Elas não têm mais para onde ir.”
Ainda assim, algumas intervenções direcionadas podem garantir sua sobrevivência na natureza, revela Wilson. Isso poderia incluir maior proteção nos pontos climáticos mais adequados, reflorestamento e adaptação das regulamentações para incentivar os proprietários de terras a conservar e restaurar a araucária em regiões de pastagem.
Também podemos descobrir mais sobre como o Jê do Sul manejava a floresta, declara Wilson.
“Se, há 1000 anos, eles aumentaram essas florestas diante de um clima que não os ajudava, talvez possamos aprender lições para ajudar a floresta a persistir”.
*Esta história faz parte da série Landscape News Forgotten Forests
**Tradução de Márcio Lázaro.
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