DO OC – Em 1988, o americano James Hansen foi o primeiro cientista a afirmar que o aquecimento global já era uma realidade. Agora, o pesquisador aposentado da Nasa sustenta que mesmo a meta menos ambiciosa do Acordo de Paris, de limitar o aquecimento do planeta a até 2ºC acima dos níveis pré-industriais, já seria um caso perdido. Em novo estudo , publicado na última segunda-feira (3/2) no periódico científico Environment: Science and Policy for Sustainable Development, Hansen e colegas afirmam que a ciência subestimou o ritmo do aquecimento – e que veremos seus efeitos mais deletérios ainda antes do que a ciência esperava.
“A meta de 2º está morta”, afirmou Hansen , em entrevista coletiva após o lançamento da pesquisa. Segundo o artigo, o limite de 2ºC pode ser ultrapassado já em 2045. Além disso, sistemas de correntes oceânicas fundamentais para a regulação do clima – como a Célula de Revolvimento Meridional do Atlântico (AMOC) – podem colapsar em 20 ou 30 anos, levando a um aumento do nível do mar em “vários metros” e o sistema climático global a um ponto de não retorno.
A nova pesquisa reforça uma linha de investigação seguida por Hansen nos últimos anos. Uma das principais vozes da chamada corrente “aceleracionista” da ciência do clima, o cientista sustenta que, desde 2010, a velocidade do aquecimento global cresceu vertiginosamente, como resultado da intensificação do desequilíbrio energético do planeta. Na origem da aceleração estaria a redução da poluição por aerossóis – partículas que, quando concentradas na atmosfera, ajudam a resfriar o planeta.
A hipótese de que o aquecimento global teria acelerado nos últimos anos é apoiada por pesquisadores de destaque no campo, mas está longe de ser um consenso: também formado por pesquisadores renomados, o chamado grupo “tradicionalista” argumenta que, apesar de os impactos estarem excedendo o previsto, não há evidências de uma aceleração recente no aquecimento global – que estaria seguindo a tendência das últimas décadas.
Aquecimento desmascarado
Na nova pesquisa, Hansen e colegas afirmam que o efeito de resfriamento operado pelos aerossóis teria sido subestimado pelos cientistas (inclusive do IPCC, o órgão científico da ONU para o clima), mascarando o verdadeiro ritmo das mudanças climáticas. Aprofundando conclusões de artigo anterior , a equipe de cientistas liderada por Hansen aponta que o acúmulo de gases-estufa na atmosfera produz mais aquecimento e em menos tempo do que se sabia, o que só passou a ser perceptível quando a poluição por aerossóis foi controlada.
A ciência já reconhecia amplamente que a poluição por aerossóis – que traz graves complicações para a saúde humana – ajudava contraditoriamente a controlar o aquecimento do planeta, refletindo a radiação solar de volta para o espaço e diminuindo assim a incidência de calor. O que a nova pesquisa aponta é que o peso dessa compensação é muito maior do que o apontado pelo IPCC, e que a redução dessa poluição está na raiz do aprofundamento do desequilíbrio energético da Terra, sendo o principal motor da aceleração do aquecimento global.
“Neste artigo, concluímos que a estimativa do forçamento climático dos aerossóis pelo órgão consultivo científico das Nações Unidas, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), está subestimada”, diz o artigo.
A imagem mostra a intensificação da taxa de aquecimento do planeta: a linha roxa indica o ritmo da anomalia a partir de 2010 e a verde, o ritmo registrado de 1970 a 2010
“A subestimação do forçamento dos aerossóis resultou em uma subestimação da sensibilidade climática. Esse duplo impacto ajuda a explicar a aceleração do aquecimento global e altera as projeções do clima futuro, aumentando o risco de injustiça intergeracional”, completam os autores. A sensibilidade climática em equilíbrio (ECS, na sigla em inglês) é uma estimativa de quanto a temperatura na Terra aumentaria caso a concentração de CO2 na atmosfera duplicasse. Segundo a pesquisa, o clima do planeta é mais suscetível ao aumento das concentrações de gases-estufa do que o admitido pelo IPCC, o que se traduz em impactos mais severos.
Colapso
Entre os principais impactos climáticos, com consequências que podem inviabilizar o futuro das novas gerações, estão a implosão definitiva da meta do Acordo de Paris e o colapso de uma das principais correntes oceânicas responsáveis pela regulação global do clima.
Os pesquisadores destacam que o aumento de 0,4ºC na temperatura global durante o El-Niño de 2023-2024 representa um aquecimento muito maior do que o observado em versões mais potentes do fenômeno atmosférico-oceânico. Isso quer dizer que o ritmo já conhecido do aquecimento global e o El-Niño, sozinhos, não explicam a magnitude do aquecimento observado, o que reforça a hipótese de aceleração.
“Descobrimos que grande parte desse aquecimento adicional foi causado pela redução das emissões de aerossóis pelos navios, uma medida aplicada em 2020 pela Organização Marítima Internacional para combater os efeitos dos poluentes atmosféricos na saúde humana”, explicam os autores.
Por isso, mesmo com a chegada da La Niña – fenômeno que, ao contrário do El-Niño, tende a resfriar o planeta –, a tendência é que as temperaturas continuem próximas ao recordes alcançados em 2024, o que foi comprovado pelos dados de temperatura de janeiro de 2025 . “Esperamos que a temperatura global não caia muito abaixo do nível de 1,5°C de aquecimento, oscilando em torno ou acima desse valor nos próximos anos, o que ajudará a confirmar nossa interpretação do súbito aquecimento global”, diz o artigo.
As projeções são de que as temperaturas elevadas na superfície do mar e o aumento de “pontos quentes” nos oceanos continuem, estendendo o branqueamento de corais e os impactos a outras formas de vida marinha. Além disso, o aumento da temperatura da superfície do mar e a atmosfera mais quente impulsionarão tempestades tropicais mais poderosas, tornados e tempestades intensas – e, consequentemente, enchentes mais extremas. O aumento da temperatura global também intensificará as ondas de calor e secas mais intensas, inclusive as chamadas “secas-relâmpago”, que se desenvolvem rapidamente mesmo em regiões com médias normais de precipitação.
O maior impacto de longo prazo para a humanidade virá, no entanto, das mudanças nas regiões polares. Hansen e colegas sugerem que o derretimento do gelo polar e a injeção de água doce no Oceano Atlântico Norte são mais intensos do que indicavam as estimativas anteriores. Isso pode resultar no colapso da AMOC, corrente oceânica que transporta água quente dos trópicos para o Atlântico Norte e tem forte influência sobre o clima, em 20 ou 30 anos.
“O colapso da AMOC desencadeará problemas irreversíveis, incluindo a elevação do nível do mar em vários metros – por isso, descrevemos o colapso da AMOC como o ‘ponto de não-retorno’ para o clima”, afirmam os cientistas, que defendem a necessidade de mais esforços para investigar as consequências da falha na corrente oceânica. Em 2023, uma outra pesquisa apontou que esse colapso traria consequências irreversíveis também na segurança alimentar, causando a perda de metade da área global para a cultura de trigo e milho.
O estudo projeta que o planeta deve observar um aquecimento de 0,2ºC a 0,3ºC por década nos próximos 20 anos, o levaria a uma temperatura global 2ºC acima dos níveis pré-industriais já em 2045, enterrando a meta do Acordo de Paris.
“A taxa projetada de aquecimento poderia desacelerar se a taxa de crescimento dos gases de efeito estufa diminuísse, mas não há evidências de que isso esteja acontecendo. O principal fator que impulsiona a contínua mudança climática é o aumento das concentrações de gases de efeito estufa, principalmente CO₂, mas também CH₄ (metano) e N₂O (óxido nitroso). O forçamento climático causado pelo aumento desses gases é um indicador essencial, demonstrando que não houve progresso na redução da taxa de crescimento do forçamento dos gases de efeito estufa”, aponta o artigo.
Com a demanda por energia de fontes fósseis aumentando, os pesquisadores consideram “implausível” a contenção do aquecimento a 2ºC. Por isso, propõem no artigo a adoção de “ações deliberadas de resfriamento”. Ou seja: as tão famosas quanto polêmicas medidas de geogenharia, que têm efeitos imprevisíveis e encontram resistência de grande parte dos cientistas climáticos justamente pelo desconhecimento de seus efeitos colaterais. (LEILA SALIM)
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