DO OC – O aquecimento global, caso atinja os 2ºC acima dos níveis pré-industriais, tornará uma área maior que o Brasil insegura para a vida humana, com eventos de calor extremo ameaçando até mesmo a saúde de adultos jovens. As conclusões são de um estudo publicado no periódico Nature Reviews Earth and Environment no início deste mês. A pesquisa foi liderada por cientistas do King’s College London e teve a participação de pesquisadores das universidades da Califórnia, Stanford, Columbia, Boston e do Instituto Goddard de Estudos Espaciais da Nasa.
O estudo aponta que um aquecimento de 2ºC acima das temperaturas pré-industriais (1850-1900) colocará 6,7% da área continental do planeta (cerca de 10 milhões de km2) em condições insalubres para o corpo de jovens adultos. Para comparação, a área do Brasil é de 8,51 milhões de km2. A área projetada – que atinge principalmente o norte da África, o sul asiático e o Oriente Médio – é o triplo do percentual observado nos últimos 30 anos (de cerca de 2,2% da área terrestre nas mesmas condições entre 1994 e 2023). Para os idosos, mais suscetíveis ao calor, 35% da área continental pode ser tornar insalubre com o mesmo aquecimento de 2ºC (contra uma área de 20% identificada entre 1994 e 2023).
Segundo o IPCC , o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU, o limite dos 2ºC de aquecimento deve ser ultrapassado em algum momento entre o meio e o final deste século, caso as emissões de gases de efeito estufa não sejam drasticamente reduzidas. O objetivo do Acordo de Paris é justamente controlar o aumento da temperatura e mantê-lo “bem abaixo” dos 2ºC, preferencialmente em 1,5ºC. Há cientistas , no entanto, apontando que o aquecimento da Terra está acelerado e que os 2ºC podem ser atingidos já nas próximas duas décadas, até 2045.
A pesquisa publicada na Nature uniu ciência climática e indicadores de mortalidade por calor extremo, cruzando dados sobre os chamados limiares incompensáveis (em tradução livre para o termo uncompensable thresholds) e insuportáveis, ou letais (do original unsurvivable thresholds), de temperatura. Os indicadores levam em conta a combinação entre altas temperaturas e elevada umidade, que impede o corpo humano de dissipar o excesso de calor através da transpiração. Quando o corpo não consegue mais se resfriar, ocorre o chamado “estresse térmico”, que pode ser fatal.
Por isso, para determinar riscos à saúde, os cientistas analisam a chamada temperatura de bulbo úmido (WBGT), cálculo que combina a temperatura da superfície do ar, a umidade e a velocidade do vento. Os limiares incompensáveis são aqueles além dos quais a temperatura do corpo humano aumenta descontroladamente, sem que o organismo consiga amenizá-las pelo seus próprios mecanismos de resfriamento; já o cruzamento dos limiares letais/insuportáveis ocorre quando a temperatura central do corpo humano atinge os 42ºC em até seis horas de exposição a altas temperaturas de bulbo úmido (em geral, acima de 34ºC).
O estudo mostrou que a intensificação do aquecimento global leva a um aumento na frequência e intensidade de ultrapassagem desses limiares, agravando a mortalidade por calor mesmo entre indivíduos jovens, saudáveis, hidratados e não expostos diretamente ao sol.
O cenário, que se agrava a partir dos 2ºC de aquecimento, piora exponencialmente a cada décimo de grau adicionado. Com níveis de aquecimento entre 4ºC e 5ºC, por exemplo, 60% da área continental da Terra será insalubre para idosos (além dos limiares incompensáveis). Nessas temperaturas, jovens também estariam ameaçados – sobretudo no Saara e sul asiático – pelo cruzamento dos limiares letais.
“Os limiares de calor insustentáveis, que até agora só foram brevemente ultrapassados para adultos mais velhos nas regiões mais quentes do planeta, provavelmente começarão a afetar até mesmo adultos jovens. Nessas condições, a exposição prolongada ao ar livre – mesmo para aqueles que estiverem à sombra, sob uma brisa forte e bem hidratados – levaria ao golpe de calor fatal. Isso representa uma mudança drástica no risco de mortalidade por calor”, afirmou Tom Matthews, do King’s College London, autor principal da pesquisa. (LEILA SALIM)
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