Dia 29 de novembro foi comemorado, pela segunda vez, o Dia Nacional da Onça-Pintada, criado em 2018 pela Portaria MMA N°8, de 16 de outubro de 2018, que também reconhece a onça-pintada como Símbolo Brasileiro da Conservação da Biodiversidade. Essa data foi acolhida internacionalmente, e agora é também o Dia Internacional da Onça-Pintada.
Aqui na fronteira entre Brasil e Argentina a comemoração foi dupla: além da data, também foi anunciado o resultado do Censo 2018 do Corredor Verde em Misiones e no Brasil. O Corredor Verde é o maior núcleo remanescente das sub-populações de onças-pintadas na Mata Atlântica em nível mundial (Paviolo et al. 2016 ).
O Proyecto Yaguareté (Argentina) e o Projeto Onças do Iguaçu (e antes o antigo Projeto Carnívoros do Iguaçu) monitoram a população da espécie na região do Corredor Verde, através de censos realizados a cada dois anos desde 2003. Esse é o maior esforço mundial para acompanhamento da espécie, tanto em área quanto em período de amostragem.
Entre 90 e 95 o pesquisador Peter Crawshaw estimou que a região abrigada entre 400 e 800 onças-pintadas, mas no final dessa década essa população apresentou um declínio alarmante, e a estimativa em 2005 era de que em toda a área do Corredor Verde (Brasil e Argentina) houvesse apenas cerca de 40 onças-pintadas, um cenário desanimador e preocupante.
No Parque Nacional do Iguaçu, em 2009 restavam entre 9 a 11 onças-pintadas, e a espécie estava perto da extinção local.
A principais causas do declínio foram a caça e o abate de onças-pintadas por retaliação, devido à predação de gado. A caça reduz ainda a disponibilidade de presas para as onças-pintadas. No Brasil, no Parque Nacional do Iguaçu e cercanias, o queixada, principal item alimentar da onça-pintada, esteve extinto nos últimos 20 anos, e só a partir de 2016 começou a retornar à região.
Nos últimos dez anos essa população vem crescendo, graças a ações de conservação e proteção nos dois países.
Também ajudou a mudança no uso do solo: muitas propriedades que criavam gado agora se dedicam ao plantio de soja e milho, o que reduziu um pouco os conflitos.
Os dois projetos trabalham ativamente ações de engajamento e coexistência entre populações humanas e grandes felinos. Mudar a percepção que a população tem das onças é fundamental, pois ela divide opiniões. Uma pesquisa sobre a percepção que as pessoas têm das onças no entorno do Parque Nacional do Iguaçu, em parceria com o Dr. Sílvio Marchini (Lemac – ESALQ/USP, Chester Zoo/WildCru) mostrou que as onças-pintadas tanto encabeçam o ranking das espécies mais “queridas” (atrás de tucanos, veados e papagaios), quanto o das mais temidas (perdendo apenas para as cobras).
Cuidar das onças, mas também das pessoas que dividem essa terra com elas. Esse é o desafio. Uma das ações que tem sido realizada é identificar talentos locais que possam ser usados para a geração alternativa de renda, e que com isso agreguem valor à manutenção das onças vivas. Um exemplo disso é o “queijo da onça”, produzido pelo Marcos, morador do entorno do Parque Nacional que teve bezerros predados por um puma. O Projeto Onças do Iguaçu ajuda o Marcos a comercializar os queijos, gerando uma renda que ele não tinha antes (aliás, ele já está produzindo Vinagre da Onça, mel, pão e cuca!). Também são orientadas e implementadas ações de manejo dos animais domésticos que reduzam o risco de predação.
O último censo foi realizado em 2018, e a apresentação dos resultados fez parte das comemorações do Dia Nacional da Onça-Pintada em 2019.
Foram 217 pontos de amostragem, 600 mil hectares amostrados e mais de 10 mil Km percorridos pelas equipes dos dois países. Como resultado, mais de 500.000 fotos obtidas, sendo 1619 de onças-pintadas. De carro, a pé, de barco e helicóptero, armadilhas fotográficas foram instaladas para que a densidade das onças-pintadas pudesse ser amostrada.
O número de onças-pintadas no Corredor Verde passou de 90 em 2016 para 105 em 2018 (intervalo de confiança de 95% entre 85 e 125 animais). Estes resultados indicam que essa é a única população de onças-pintadas da Mata Atlântica que está comprovadamente crescendo.
No Parque Nacional do Iguaçu, passamos de 22 animais em 2016 para 28 em 2018! Um resultado animador e uma grande alegria!.
O trabalho conjunto feito pelos projetos Onças do Iguaçu e Yaguareté é um exemplo bacaninha de união de esforços e integração de estratégias entre dois países e projetos irmãos para a conservação desse grande gato. Atualmente, são identificadas pelo menos três onças-pintadas que se deslocam entre Argentina e Brasil, que são o símbolo dessa integração. Em junho os dois projetos realizaram uma campanha binacional de captura, com resultados produtivos .
Lindeza de resultado, muito animador, mas isso não significa que as onças na região estão salvas. Claro que os resultados obtidos ao longo dos anos indicam que estamos aos poucos nos afastando da possibilidade da extinção local da espécie, mas o caminho ainda é longo.
A estimativa é que a capacidade de suporte da região seja de 250 onças-pintadas, e é com esse horizonte que trabalhamos.
A caça é uma ameaça grave para a espécie, e ultimamente parece que no Brasil estamos um uma “festa de mexerica”, com propostas de Projetos de Lei que liberam a caça pipocando.
Somam-se a isso propostas de abertura de estrada que corta o Parque Nacional e a crise econômica, que deve aumentar a pressão de caça, e temos um cenário bem preocupante para as nossas onças.
Em 2020 o censo binacional será repetido, e esperamos que essa tendência de crescimento populacional se mantenha, e que possamos continuar a dizer que tem onças-pintadas por aqui sim, senhor, e tem cada vez mais. É.
Afinal, Se Tem Onça, Tem Vida
Si Hay Yaguareté Hay Vida.
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O post “Ao infinito e além?” foi publicado em 4th December 2019 e pode ser visto originalmente na fonte ((o))eco