PRESS RELEASE – Nota técnica do Observatório do Clima (OC) encaminhada ao governo federal nesta quarta-feira (23/7) defende o veto integral do Projeto de Lei 2159/21, o “PL da Devastação”, que desmonta o licenciamento ambiental no país, aprovado pelo Congresso na última semana .
A proposta legislativa é “incompatível com o interesse público e inconstitucional, uma vez que desmonta fundamentos técnicos e jurídicos essenciais à operacionalização do licenciamento”, aponta o documento, de 95 páginas .
De acordo com a análise, a eventual sanção das novas regras criará um “caos regulatório” que ameaça a proteção ambiental, a saúde pública, os povos e comunidades tradicionais, o patrimônio histórico-cultural e os sítios arqueológicos.
“Em vez de estabelecer um marco legal sólido, como uma lei de diretrizes gerais capaz de uniformizar e direcionar a forma como se realiza o licenciamento em todo o país, o texto proposto cria um cenário de caos regulatório, fragilizando a avaliação de impactos ambientais, a análise de riscos, a participação pública e o controle ambiental”, diz a nota.
Dos 66 artigos da proposta aprovada, o OC identificou retrocessos graves em pelo menos 42 deles. Os outros, segundo a nota técnica, têm caráter acessório ou limitam-se a repetir resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA).
“O Observatório do Clima, junto às entidades que compõem a sua rede, recomenda o veto integral ao PL 2.159/2021. Reunindo-se os dispositivos da proposta que contrariam o interesse público e os que conflitam com a Constituição Federal, tem-se a essência da lei aprovada pelos parlamentares”, conclui o documento.
Um desses pontos críticos é o novo e ampliado formato da LAC (Licença por Adesão e Compromisso), que se destinava apenas a empreendimentos de pequeno impacto e baixo risco ambiental, segundo jurisprudência já firmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
“A extensa aplicação da LAC consolidada no texto aprovado implica a transformação da maioria das licenças ambientais do país em atos administrativos gerados automaticamente, emitidos com base apenas na autodeclaração do responsável pelo empreendimento, sem estudo ambiental e sem análise prévia pela autoridade.”
Pelo novo texto, empreendimentos como a barragem B1 da Mina Córrego do Feijão, pivô da tragédia de Brumadinho (MG) em 2019, seriam passíveis de licenciamento por meio de um processo livre de qualquer controle.
“Atos administrativos gerados automaticamente, emitidos com base apenas na autodeclaração do responsável pelo empreendimento, sem estudo ambiental e sem análise prévia pela autoridade”, resume o levantamento.
Outra mudança sem fundamento técnico e jurídico é a que criou a Licença Ambiental Especial (LAE), modalidade que o OC define na nota como “licença por pressão política”, que poderá abranger até mesmo empreendimentos de grande porte, que necessitam de Estudo de Impacto Ambiental (EIA).
Por esse instrumento, os deputados estabeleceram o critério subjetivo do “interesse estratégico”, por meio do qual será possível submeter qualquer obra que se encaixe nesta categoria a um processo simplificado e prioritário de licenciamento.
“A LAE irá desestruturar todo o processo de licenciamento ambiental por submeter a sistemática de análise a interesses políticos, inclusive com prejuízo aos empreendedores que entraram com pedido de licenciamento antes. É uma medida contrária aos princípios da administração pública, como os da impessoalidade, da moralidade e da eficiência, e nefasta para a Política Nacional do Meio Ambiente”, avalia a nota.
A análise do OC foi entregue à Presidência da República e a 16 ministérios (Casa Civil, MMA, SRI, Transportes, MAPA, MDH, Saúde, MDA, Fazenda, MDIC, MPI, Cultura, MME, MGI, Justiça e MIR).
Leia a Nota Técnica completa aqui .
Declarações de representantes do OC e de organizações da rede:
“Em plena crise climática e no ano da COP 30, não há sequer uma menção ao clima no texto aprovado. A análise dos impactos climáticos causados pelos empreendimentos deveria ser um dos temas centrais de uma lei que busca uniformizar as regras do licenciamento ambiental no país. Da forma como está, o texto não cumpre esse papel e ainda promove inúmeros retrocessos em relação às regras atuais, além de gerar uma preocupante insegurança jurídica para a sociedade, os empreendedores e o Poder Público. O único caminho sensato é o veto integral.” Suely Araújo, coordenadora de Políticas Públicas do OC.
“A proposta aprovada pelo Congresso Nacional, agora em fase de sanção ou veto presidencial, representa um dos maiores ataques socioambientais dos últimos 40 anos. O texto enfraquece a proteção aos direitos de povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais, institucionalizando o racismo ambiental como instrumento de Estado. Além disso, compromete a saúde pública ao flexibilizar exigências para empreendimentos de médio impacto, enfraquece os mecanismos de proteção ambiental e abre caminho para uma guerra fiscal ambiental entre estados e municípios, ao descentralizar de forma irresponsável decisões que deveriam estar amparadas por diretrizes nacionais uniformes. O projeto falha justamente em seu objetivo declarado: estabelecer um marco legal coerente e equilibrado para o licenciamento ambiental no Brasil. Em vez disso, cria um sistema fragmentado, frágil e permissivo, que contraria os princípios constitucionais da precaução e da prevenção. Diante da magnitude dos riscos que impõe ao meio ambiente, à saúde da população e aos direitos de comunidades vulnerabilizadas, o projeto merece o veto integral.” Alice Dandara de Assis Correia, advogada do Instituto Socioambiental (ISA).
“O projeto aprovado pelo Congresso representa um retrocesso sem precedentes na política ambiental brasileira. Ele fragiliza o licenciamento, desobriga a avaliação de impactos relevantes e desrespeita decisões do STF e a própria Constituição. O texto não é passível de correções pontuais — por isso, o veto integral é a única saída juridicamente segura, socialmente justa e ambientalmente responsável. É uma decisão que precisa estar à altura dos compromissos climáticos do Brasil e da confiança internacional que o país busca reconquistar, especialmente às vésperas da COP30 em Belém.” Clarissa Presotti, especialista de Políticas Públicas do WWF-Brasil.
“Dentre as várias inconstitucionalidades que precisam ser vetadas, o jabuti que acaba com a Lei da Mata Atlântica para facilitar o desmatamento de florestas maduras – cerca de 12% dos remanescentes florestais – impedirá o Brasil de cumprir o Acordo do Clima e colocará em risco a segurança hídrica, climática e a saúde de mais de 70% da população brasileira, podendo fazer com que os índices de desmatamento no bioma voltem ao ritmo anterior à edição da Lei Especial da Mata Atlântica, sancionada em 2006, que era de 110 mil hectares por ano. Será uma devastação irreversível.” Malu Ribeiro, diretora de Políticas Públicas da SOS Mata Atlântica.
“O PL da Devastação representa a institucionalização do racismo ambiental no Brasil. Ao flexibilizar normas e abrir caminho para a implementação de empreendimentos sem a devida avaliação de impactos, o projeto condena territórios tradicionalmente ocupados por populações negras, indígenas e periféricas a uma nova onda de violência ambiental. É a negação do direito a um ambiente saudável e seguro, e, portanto, do próprio direito à vida digna. Essa proposta não é apenas tecnicamente irresponsável — ela é eticamente inaceitável. Se não for integralmente vetada, oficializa um modelo de desenvolvimento baseado na lógica de que alguns corpos podem ser sacrificados em nome do lucro.” Mariana Belmont, assessora de Clima e Racismo Ambiental de Geledés – Instituto da Mulher Negra.
“O licenciamento ambiental foi criado justamente a partir da experiência com os impactos que a degradação ambiental tem sobre a saúde pública e não pode ser entendido como um mero processo burocrático – particularmente quando estamos a caminho do ponto de não-retorno da Amazônia, que terá uma série de consequências em toda a América do Sul, como mudanças no regime de chuvas, disponibilidade e qualidade da água e na regulação de temperatura. Sob a desculpa da desburocratização, o PL da Devastação cria um caos regulatório, nos deixa mais vulneráveis a desastres ambientais e coloca em risco o futuro das pessoas e da economia brasileira.” Marcos Woortmann, diretor adjunto do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS).
“A decisão do Presidente Lula sobre vetar ou não o PL da Devastação é, acima de tudo, uma escolha entre a vida e a morte. O descontrole ambiental generalizado previsto na proposta representa um libera-geral para a explosão do desmatamento, a proliferação de desastres ambientais e a destruição da saúde da população por todas as formas de poluição.” Mauricio Guetta, diretor de Direito e Políticas Públicas da Avaaz.
“O PL da Devastação é uma ameaça aos modos de vida de povos e comunidades tradicionais, que desconsidera os direitos assegurados constitucionalmente a essas comunidades sobre seus territórios. Além disso, viola a Convenção nº 169 da OIT, que garante direito à consulta livre, prévia e informada, além de outros instrumentos internacionais, como a Declaração dos Camponeses e das Camponesas, que assegura a realização de avaliação de impacto social e ambiental quando a exploração afetar os recursos naturais mantidos e utilizados tradicionalmente. Caso esse projeto seja sancionado, mantendo o texto aprovado pelo Congresso Nacional, certamente teremos mais conflitos socioambientais e fundiários e aumento do desmatamento, considerando que essas populações são os verdadeiros guardiões dos recursos naturais.” Patrícia da Silva, do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN).
“Com a aprovação do PL 2159/21 pelo Congresso Nacional, os vetos presidenciais são fundamentais para impedir um retrocesso socioambiental sem precedentes. O projeto ataca direitos humanos e desmonta o licenciamento ambiental, principal instrumento de proteção ambiental, essencial para a saúde pública, a segurança, a justiça climática e a manutenção de ecossistemas saudáveis, ao ampliar isenções e autorizar o autolicenciamento sem qualquer estudo técnico eficaz. Ao omitir o termo ‘clima’ no ano da COP 30, contradiz o protagonismo climático que o Brasil pretende continuar a ter e institucionaliza o racismo ambiental, expondo povos indígenas, população negra, quilombolas e demais comunidades periféricas a níveis perigosos de poluição e contaminação tóxica, violando seu direito a um meio ambiente equilibrado.” Thales Machado, assessor de Defesa dos Direitos Socioambientais da Conectas Direitos Humanos.
“Esse parecer técnico confirma o que estamos dizendo nas ruas e nas redes: o PL da Devastação é um ataque direto ao direito de todas as pessoas a um meio ambiente equilibrado. É inconstitucional, é injusto e entrega nosso futuro nas mãos de quem só pensa em lucro a qualquer custo. Esse projeto ignora a ciência, apaga a participação social e ameaça vidas. O governo precisa escutar a sociedade, especialistas e territórios e vetar integralmente esse retrocesso.” Lucas Louback, gestor de Incidência Política e Campanhas do NOSSAS.
Sobre o Observatório do Clima – Fundado em 2002, é a principal rede da sociedade civil brasileira com atuação na agenda climática. Reúne 133 integrantes, entre organizações ambientalistas, institutos de pesquisa e movimentos sociais. Seu objetivo é ajudar a construir um Brasil descarbonizado, igualitário, próspero e sustentável. O OC publica desde 2013 o SEEG, estimativa anual das emissões de gases de efeito estufa no país.
Informações para imprensa
Rodrigo Vargas – Observatório do Clima
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