Hoje é um belo dia de sol em que o Brasil inteiro irá às ruas (de máscara) exigir Fora Bolsonaro.
Haverá protestos em mais de 400 cidades (o dobro dos municípios dos atos de 29 de maio) contra o genocida que já matou quase meio milhão de pessoas. É sempre bom levar: não é acidente, não é incompetência, é projeto! Um projeto que está dando muito certo. Mas que um dia fará o pior presidente da história ser condenado por crimes contra a humanidade, tenho fé.
E hoje também é aniversário de Chico Buarque de Hollanda! O grande cantor, compositor, poeta, escritor faz 77 anos, sempre coerente, sempre de esquerda. Tem muita gente que eu gosto, admiro e respeito, mas idolatrar mesmo, são poucos. O Chico é certamente uma dessas pessoas. Ele faz parte da minha história, da minha conscientização política. Lembro quando eu tinha uns dez ou doze anos e minha mãe me fez sentar para escutar “Construção ” e “Deus lhe pague “. Fiquei fascinada. E chorei.
Antes disso, na infância, cresci ouvindo e cantando Saltimbancos e suas canções revolucionárias e não tão sutis, como “Nós gatos já nascemos pobres / Porém, já nascemos livres / Senhor, senhora, senhorio / Felino, não reconhecerás!” Difícil votar na direita depois disso (e do privilégio de ter pais progressistas).
Eu tive aula de violão quando adolescente só pra poder cantarolar algumas músicas do Chico. Não sei por quanto tempo tive as lições. Até descobrir que eu não levava o menor jeito pra coisa, talvez. Mas eu reunia meus amigos, colocava um disco na vitrola, e cantávamos juntos.
Bom, eu já contei essa história antes, mas é a primeira vez que apresento provas. Era 25 de janeiro de 1990, aniversário de São Paulo (e do Tom), uns oito meses antes de eu conhecer o Silvio num torneio de xadrez e a gente se apaixonar.
Uns amigos me chamaram pra ver um show comemorativo no Ibirapuera, um show com Tom Jobim (bêbado, simpático), Milton Nascimento e Chico, três gênios.
O show em si não foi grande coisa. A acústica no Ibirapuera não era das melhores e havia muitos gritos de fãs exaltadas toda vez que Chico pegava no microfone. Eu berrei também, não vou negar. Depois do show, eu e meus amigos fomos jantar numa pizzaria. E, lá pelas tantas, um deles me cutucou, apontou pra uma mesa próxima da nossa, e perguntou: “Ei, aquele lá não é o Chico Buarque?”
Gente, era! Ele estava conversando com amigos antes de comer. Eu não podia perder a oportunidade de chegar mais perto de Deus. Pedi correndo um papel qualquer pros meus amigos e fui lá na mesa em que Chico estava. Comovida, eu disse um monte de bobagem — mas tudo verdade! Coisas como “Tudo que sou hoje eu devo a você”, sabe?
Também conversei com ele porque, poucos meses atrás, em 1989, eu o tinha visto bastante em vários comícios do Lula. Fiz muita campanha pró-Lula, contra o Collor, nessa época. Lembro de um comício em que um carinha perto de mim gritou pro Chico, “Canta Construção!” e eu ri, porque tinha lido que Deus não guardava tanto suas letras. Na ocasião, ele cantou “Gota d’Água”. Na mesa, perguntei pra ele se era verdade que ele não decorava as letras, e ele, rindo, disse que sim.
Ele, sempre sorridente e prestativo, falou mais um pouquinho, me fez algumas perguntas, e eu, que não sou tão simancol assim como posso parecer, notei que estava interrompendo. Pedi pra ele autografar o cartãozinho (isso foi umas duas décadas antes das selfies). Ele perguntou meu nome e escreveu, nem vi o quê. Agradeci e me despedi. Só quando voltei a minha mesa vi o que ele havia escrito (todo mundo queria ver também, lógico): “Lola, eu te amo. Chico Buarque”.
Ahhhhhhhhhhhhhhhh!
Mas vocês nunca viram esse autógrafo, que é bem vergonhoso, na verdade, porque na frente do cartão (ele assinou o verso, felizmente sem ver a frente) está escrito “Filhos da Revolução”, que é, ou era (não encontrei nada na internet) alguma entidade militar saudosista do golpe de 1964. Ou seja, milicos que talvez estejam hoje no desgoverno Bolso, loucos o suficiente pra chamar Golpe de Estado de revolução. Um dos meus amigos na mesa era filho de um dentista militar, tadinho.
Durante anos, eu tive uma cópia-xerox da declaração do Chico no meu mural de cortiça, em Joinville. Mas não sabia onde estava o original. Só agora em março, com a morte da minha mãe, fui fuçar um monte de fotos e cartões postais e encontrei o autógrafo. E agora posso compartilhá-lo com vocês.
Décadas depois, em 2012, fui com o maridão e umas amigas ver um show do Chico em Fortaleza. Um show completamente lotado em que todo mundo cantou junto (até as músicas novas). Fiquei feliz ao ver que minhas amigas, no mínimo vinte anos mais jovens que eu, eram tão fãs do Chico quanto eu. A maioria do público era composta de gente jovem. Os reaças que odeiam o Chico e que acham que ele estancou em algum lugar da década de 70 não sabem nada.
Um dia, quem sabe, eu renove esse autógrafo. Meu primo, o guitarrista Victor Biglione (ex-Cor do Som), já tocou com Chico inúmeras vezes. Ou talvez algum ato político nos coloque no mesmo recinto novamente. Mas como é bom saber que seguimos do mesmo lado . Feliz aniversário, Chico!
O post “AMO O CHICO, SOU CORRESPONDIDA E POSSO PROVAR” foi publicado em 19th June 2021 e pode ser visto originalmente na fonte Escreva Lola Escreva