Sou uma grande fã de Friends, considerada por muitos a melhor série de TV de todos os tempos (minha preferida ainda é A Sete Palmos, mas pra rir tem pouca coisa melhor que Friends e o The Office americano). A cada cinco anos, mais ou menos, o maridão e eu revemos a série inteira, sem nos lembrarmos de quase nada. E rimos muito, sempre.
Eu não esperava que o reencontro especial que chegou/está chegadno fosse maravilhoso (nunca é). No entanto, são seis atores notáveis, com grande timing cômico, todos eles, interpretando personagens simpáticos (até o Ross! Eu gosto do Ross, apesar d’ele ser um babaca em vários momentos. E o Joey é bobo demais pra ser um predador). Portanto, foi bacana revê-los. Eu acredito que o grupo realmente se dava bem. E que bom que cada um ficou US$ 2,5 milhões mais rico!
Foi interessante também ver como o reencontro se esquivou de todos os temas e chistes de Friends que hoje são considerados polêmicos e, sinceramente, desprezíveis. Por exemplo: a série é abertamente gordofóbica . Todos os flashbacks da Monica adolescente gordinha (ou a Courteney Cox num fat suit) são horríveis, um insulto aos gordos, um reforço dos piores estereótipos que, se você, mulher, é gorda, vai ficar sozinha. As piadas repetidas (e sem graça) com o ugly naked guy (homem nu feio) também demonstram como a série despreza quem está fora do padrão.
A série hoje é extremamente criticada pela falta de diversidade entre os seis amigos. São todos brancos e héteros. Há pouquíssimos atores negros. Os criadores da série admitem que, se fizessem Friends hoje, dificilmente os protagonistas seriam todos brancos. E que não foi essa a intenção ao escolher o elenco. Apenas dois atores negros e quatro atrizes negras apareceram na série. De 236 episódios, somente 16 tinham algum ator negro. Mesmo assim, Aisha Tyler, a única atriz negra a ter um papel recorrente, só surgiu na nona temporada — e ficou de fora do reencontro.
Outra crítica recorrente e merecida é que a série é lesbofóbica e transfóbica. Sobre a primeira acusação, baseada na ex-esposa de Ross, Carol, que o abandona para ficar com Susan, eu particularmente sempre gostei das duas personagens e sempre achei que Ross parece um bobalhão perto delas. Mas sim, elas só existem em relação a Ross, não têm vida própria sozinhas.
Quanto à acusação de transfobia, não há o que discutir. O “pai homossexual” de Chandler está tão mal escrito que não sabemos se é uma drag queen ou um uma mulher trans. Kathleen Turner, a grande atriz que o interpretou, reconhece que a subtrama que a envolve “não envelheceu bem”. De fato, há vários pontos da série que não envelheceram bem. Seria fascinante se fizessem um reencontro especial que, em vez de varrer esses temas pra baixo do tapete, mostrasse o que mudou nesses últimos 17 anos para que piadas antes vistas como inofensivas e divertidas façam tantos de nós torcer o nariz hoje (escrevi sobre isso há quase 2 anos, quando a série completou 25 anos).
Reproduzo aqui um artigo de Eva Guimil publicado no El País. Não é sobre o que levantei acima, mas sobre como é difícil para atrizes envelhecerem. Eu discordo de algumas coisas (por exemplo, o público reage mal e pergunta “o que aconteceu?” não só a respeito de Kelly McGillis, mas também de Val Kilmer, seu colega em Top Gun ). No entanto, não resta dúvida que espera-se que as mulheres nunca fiquem velhas. Eis o artigo de Eva:
Em 1994, seis atores semidesconhecidos se juntaram a um novo projeto da NBC em troca de 24.500 dólares (128.000 reais) por episódio, cada um.
Vinte e sete anos depois, cada um desses seis atores, agora celebridades mundiais, embolsou cerca de dois milhões e meio de dólares (13 milhões de reais) por um especial de pouco mais de uma hora e meia. Um montante proporcional ao interesse excessivo gerado por tudo o que se relaciona com Friends, a série que definiu as linhas a serem seguidas pelas sitcoms que vieram depois. Um legado brilhante na criação, mas que deixa sombras no debate sobre idades, corpos e sexos.
Por exemplo, vamos falar sobre o sarcasmo com que foi recebida a óbvia mudança física de seus protagonistas. Uma transformação que se tornou um dos aspectos mais comentados do programa e que fez com que —como era previsível— as redes sociais, esse campo minado virtual, transbordassem de comentários maliciosos em que a palavra “botox” aparece quase o mesmo número de vezes que “nostalgia”.
As mudanças na aparência dos protagonistas são tão lógicas como evidentes, mas nos causam estupor porque em nossa memória Monica, Ross, Rachel, Joey, Phoebe e Chandler não envelheceram nem um dia desde que fecharam a porta de seu icônico apartamento no Village. Talvez porque aquele apartamento tenha permanecido perene nas reprises contínuas e, agora, nas plataformas de streaming (em troca de cifras milionárias). Mas Jennifer Aniston, Courteney Cox, Lisa Kudrow, David Schwimmer, Matt LeBlanc e Matthew Perry envelheceram, sim. Dezessete anos, especificamente. E, para muitos, foi um choque descobrir que os jovens na faixa dos 20 anos na televisão se transformaram em pessoas na casa dos 50.
Surpreendeu, em especial, a mudança em LeBlanc e Perry. Por quê? Porque puderam envelhecer, algo muito raro em Hollywood. Enquanto isso, elas —com maior ou menor sucesso cirúrgico— permaneceram como o que se espera de uma estrela: alheias à passagem do tempo. O guarda-roupa das personagens provavelmente ainda sirva às três, Aniston pode até mesmo ser capaz de vestir o mesmo vestido de noiva com o qual entrou pela primeira vez no Central Perk ao escapar de seu casamento com Barry, o dentista.
Aniston, Cox e Kudrow não podem se permitir envelhecer, pois correm o risco de que os telefones de seus agentes parem de tocar. Chegaram para o evento em plena forma porque sempre têm que estar assim, é sua obrigação como estrelas femininas. Se o reencontro tivesse ocorrido há 10 anos, assim estariam, e também há cinco anos ou no ano passado, e se um comando da gravação as tivesse acordado no meio desta madrugada para levá-las a um set às três da manhã, é provável que as teria encontrado com os cabelos perfeitamente hidratados e uma manicure perfeita. Elas não podem se dar ao luxo de baixar a guarda.
O duplo padrão com que a indústria cinematográfica —reflexo do mundo— julga a passagem do tempo em homens e mulheres não é uma surpresa. A beleza feminina sempre seguiu as mesmas regras, com a maior variação sendo a preferência pelo tamanho de sutiã A ou C. E é por isso que em qualquer época, seja nos anos setenta, nos oitenta, ou na semana passada, são feitos especiais em que a estrela do momento imita Marilyn Monroe, Rita Hayworth ou Ava Gardner. A aparência da personagem masculina era adaptada de acordo com sua própria conveniência porque quem ditava seus cânones eram os próprios homens. E é por isso que nos anos setenta eles conseguiram convencer o mundo do conceito de feio atraente em que transitaram de Dustin Hoffman a Woody Allen, físicos totalmente distantes do galã clássico, permanentemente desastrados e nem mesmo muito simpáticos.
Qual foi o equivalente feminino? Nenhum. Ninguém questiona o cabelo branco de Matt LeBlanc. Na verdade, fomos criados com a ideia de que as têmporas prateadas são elegantes. As masculinas, é claro. As femininas são um símbolo de desleixo. Como os pelos do corpo, que nos homens implica virilidade e nas mulheres, novamente, desleixo. Tudo o que é natural se transforma em desleixo quando brota do corpo da mulher. Mas se essa fosse a cor do cabelo de Courteney Cox, teria ofuscado até mesmo a presença no reencontro dos superadorados BTS. E se Cox, Aniston ou Kudrow estivessem com o mesmo físico de Perry, alguém que parece passar mais tempo no sofá do que na academia —o que é bastante normal quando você é um bilionário com a vida resolvida— teria monopolizado a conversa sobre o reencontro, se é que esse reencontro chegasse a acontecer.
Se as três protagonistas não mantivessem o mesmo físico de quase duas décadas atrás, temos a garantia de que a HBO lhes teria pago aqueles dois milhões e meio para aparecerem na tela? Para responder a essa pergunta, vamos falar sobre outro reencontro. Neste ano os cinemas viverão outro muito especial, o de Maverick e sua Kawasaki na segunda parte de Top Gun (35 anos depois da primeira). Mas desta vez quem irá abraçada à cintura de Tom Cruise será Jennifer Conelly e não uma Kelly McGillis que cometeu o erro de envelhecer alheia à superficialidade de Hollywood. Seu primeiro passo foi remover os implantes mamários. “Meus agentes me telefonavam e me avisavam que eu estava ferrando a minha vida, mas eu só queria ser uma atriz e nos Estados Unidos não há ninguém que pareça ter 50 anos”, declarou. McGillis decidiu ser uma mulher que aparenta sua idade. O telefone parou de tocar.
No entanto, haverá a personagem Iceman, interpretada por Val Kilmer. Porque o físico atual de Val Kilmer —um dos homens mais desejáveis do mundo nos anos oitenta é hoje o de um homem de cabelos grisalhos que aparenta os 61 anos que tem— e ninguém se importa. É um homem e tem duas opções: pode se dar ao luxo de envelhecer ou pode agarrar-se à juventude como Tom Cruise fez. Tem o privilégio de escolher sofá ou academia.
De vez em quando, as revistas de tendências nos lembram daquela diferença pouco sutil com termos irritantes como o dad bod, ou seja, corpo de pai, cunhado por MacKenzie Pearson, uma estudante da Universidade de Clemson, que definia um homem que faltasse a uma aula de crossfit para ir beber e cuja a contrapartida feminina eram as “gorduchinhas”, porque no caso das mulheres não importava que estivessem saudáveis, apenas gostosas. O detalhe que não podemos ignorar é que enquanto um exemplo de dad bod era um Leonardo Di Caprio de maiô deitado em uma espreguiçadeira ou um Ben Affleck em um agasalho comprando no supermercado, os delas eram Christina Hendricks ou Monica Bellucci, maquiadas e vestidos como se fossem presidir um baile de gala. E, claro, sem um grama de pneuzinhos no corpo.
Esse escrutínio constante do corpo das mulheres levou Jennifer Aniston a explodir em 2017, farta de que toda vez que não pulasse o jantar a imprensa lhe atribuísse uma gravidez. Em uma carta aberta ao The Huffington Post, ela declarou: “A objetificação e o escrutínio a que submetemos as mulheres são absurdos e perturbadores. Usamos as notícias das celebridades para perpetuar essa visão desumanizadora da mulher, centrada apenas na aparência física, que os tabloides transformam em evento esportivo de especulação. Me incomoda que me façam sentir menos que porque meu corpo está mudando ou comi um hambúrguer no almoço e me fotografaram de um ângulo estranho e, portanto, me consideraram uma de duas coisas: grávida ou gorda”.
Quem sofre esse escárnio é uma mulher que vive diante das câmeras desde os 19 anos, sempre liderando a lista das mais desejadas, que deu nome a um corte de cabelo, e deixando em nossas retinas cenas como esta .
A gravidez pelo consumo de fast food não é um fenômeno de Hollywood. “Sim, eu estava grávida. Um hambúrguer gourmet e algumas batatas fritas”, escreveu em seu stories a atriz Úrsula Corberó, de La casa de papel, em resposta a uma notícia que questionava se ela estava grávida. Cristina Pedroche, outra mulher cujo físico é sempre questionado —o físico de Cristina Pedroche é questionado, vamos prestar atenção nisso—, também comentou isso em suas redes sociais “Magra? Mulher gorda? A baleia de Vallecas? O que eu sou é … feliz“, escreveu em sua conta no Instagram.
Cristina Pedroche enfatiza outro drama feminino: uma mulher não pode ser gorda, mas tampouco magra demais. Outro estigma social, tanto da rainha Letizia como de Angelina Jolie ou Victoria Beckham. “Alarme por sua extrema magreza” e “preocupação com a sua condição física”, são as palavras que sempre acompanham suas fotos. O mundo moderno está dividido em treinadores e endocrinologistas.
Alguém está preocupado que Harry Styles esteja magro “demais”? Ou o galã oficial do Saturday Night Live, Pete Davidson? Alguém examinou o que está embaixo das roupas largas de Bad Bunny como fizeram com Billie Elish? Além do mais, alguém se preocupa com o corpo de Bad Bunny? Claro que não. É um homem. Eles podem se permitir ter o físico que desejam porque sabem que o telefone do agente nunca deixará de tocar.
O post “ALGUNS TEMAS DE FRIENDS ENVELHECERAM MAL. OU: QUEM PODE ENVELHECER?” foi publicado em 4th June 2021 e pode ser visto originalmente na fonte Escreva Lola Escreva