O Instituto Terra, Trabalho e Cidadania vem trabalhando com mulheres migrantes há mais de 15 anos. Desde então, faz parte da rotina do ITTC a realização de atendimentos que se baseiam no acolhimento de depoimentos pessoais, assistência jurídica e intermediação com órgãos públicos e privados de assistência social. São procedimentos que visam a proteção de direitos das mulheres migrantes, quando estas estão distantes de suas redes pessoais de apoio, desprovidas de condições de renda mínimas para seu sustento e desconhecem a língua local.
As mulheres que buscam o auxílio do ITTC se encontram em situações de conflito com a lei. Quando egressas do sistema prisional, contudo, os desafios postos às migrantes não cessam. E, dentre os obstáculos à retomada de suas vidas, figura a dificuldade em encontrar moradias acessíveis. O abrigamento social nos equipamentos da rede municipal se torna uma opção, por vezes a única viável, para evitar que tenham que dormir na rua. Sabendo, portanto, da importância que esse serviço possui, o ITTC se coloca na função de mediador institucional para garantir que essas mulheres sejam acolhidas na rede municipal.
Conversamos com Isadora Vieira, integrante do Projeto Mulheres Migrantes (PMM), que explica como funciona a solicitação de abrigo para as mulheres migrantes e quais têm sido os impactos colocados pela pandemia do coronavírus na oferta deste serviço. Confira.
Como funciona a solicitação de abrigamento para as mulheres migrantes e como o ITTC atua nesse processo? Qual o número médio de atendimentos por semana?
Isadora: O encaminhamento para os abrigos municipais acontece através do fluxo estabelecido pela Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS), que envolve a passagem pelos CREASs (Centro de Referência Especializado de Assistência Social) e Centros Pop (Centro de Referência Especializado para Pessoas em Situação de Rua). Após passar pela triagem destes centros especializados as pessoas são encaminhadas para abrigos de acordo com suas necessidades, disponibilidade de vagas e território onde se encontram. Caso no momento das solicitações não haja vagas disponíveis em abrigos de longa estadia, as pessoas são encaminhadas para vagas de pernoite em CTAs (Centros Temporários de Acolhimento), ou seja, elas são acolhidas por apenas por uma noite e no dia seguinte devem voltar a procurar vagas mais perenes.
A atuação do ITTC, neste contexto, consiste em facilitar o acesso aos serviços públicos às mulheres migrantes egressas. Tendo em vista que são pessoas que acabaram de sair do sistema prisional e podem não conhecer o território e nem possuir uma rede de contatos que as possa receber. Ademais, nem todas possuem conhecimento suficiente da língua portuguesa, o que dificulta o conhecimento e acesso aos serviços especializados de assistência social.
Entre abril 2019 e março de 2020, fizemos 33 atendimentos relacionados à moradia (este número representa apenas 3,4% dos atendimentos), uma média de quase 3 atendimentos por mês. Mesmo que em alguns meses chegamos ao número de 8 casos. Normalmente quem precisa de tais serviços são aquelas que acabam de sair das penitenciárias.
Em que tipo de situações de vulnerabilidade se inserem as mulheres que procuram o ITTC para solicitar o abrigo?
A primeira se dá no momento da saída do cárcere. Uma vez que parte delas não possui uma rede de contatos na cidade que poderia fazer essa primeira acolhida. Ademais, a falta de dinheiro e conhecimento da cidade impedem que, de pronto, elas consigam alugar uma habitação.
Posteriormente, as mulheres podem voltar a solicitar vagas em decorrência da vulnerabilidade econômica. Vagas de trabalho para mulheres migrantes egressas do sistema prisional continua sendo uma grande dificuldade. Não possuindo uma fonte de renda estável ou o apoio de familiares as mulheres têm que recorrer aos serviços municipais de acolhida por não conseguir pagar o aluguel. Ademais, podemos identificar uma outra situação de vulnerabilidade que já motivou a busca por abrigos: a violência doméstica. Quando o ambiente familiar se demonstra inseguro para essas mulheres, uma das primeiras medidas é o afastamento da mulher do(a) agressor(a) por meio do acolhimento em abrigos.
Existem em São Paulo equipamentos sociais específicos para o recebimento das mulheres migrantes? Qual é a estrutura que a cidade oferece para realizar esse suporte?
Sim. A grande referência na cidade de São Paulo é o Centro de Acolhida para Mulheres Imigrantes (CAEMI) na região da Penha, zona leste. O abrigo, administrado pelas Irmãs Palotinas, iniciou suas atividades acolhendo mulheres migrantes egressas do sistema prisional e refugiadas com recursos próprios. Posteriormente, as Palotinas se conveniaram a Prefeitura e passaram a integrar o fluxo de abrigamento da SMADS, exemplificado na primeira pergunta.
Há um acompanhamento por parte do ITTC após o momento que a mulher chega no abrigo?
É importante frisar que o acompanhamento a estas mulheres, posterior ao encarceramento, acontece independentemente do local onde se encontram. Muitas demandas surgem após o acolhimento inicial, por exemplo, regularização migratória, documentação brasileira (CPF, CPTS), informações processuais e sobre a execução da pena, processo de expulsão, acesso à saúde, integração local etc.
Portanto, mantemos contato com as egressas através de atendimentos no escritório e por via digital (Whatsapp, Facebook e e-mail).
Com a chegada do coronavírus, quais foram os impactos no acesso ao abrigamento por essas mulheres?
O fluxo de assistência da SMADS estabelece que a pessoa já deve estar em situação de rua para poder ter acesso a uma das vagas administradas pelo município. O que nem sempre é o caso da população egressa. Alguns(as) juízes(as) no momento da concessão de um habeas corpus, benefício de progressão de regime para o meio aberto ou penas alternativas, levam em consideração se a pessoa tem vínculos com o território, ou seja, se ela tem um lugar onde pode ficar dentro da comarca enquanto cumpre a pena ou aguarda julgamento. Portanto, não é incomum o ITTC receber pedidos de ajuda para encontrar um endereço para as mulheres migrantes, dos(as) advogados(as) de defesa e Defensorias.
Antes da crise conseguíamos assumir esse compromisso com relativa tranquilidade devido à disponibilidade de vagas nos abrigos. Portanto, enviávamos cartas aos juízos nos comprometendo a ajudar as mulheres com esta questão e encontrávamos vagas através do fluxo regular da Prefeitura, uma vez que as mulheres já estavam em liberdade. Porém,
Então estamos falando de um aumento da procura acompanhada de uma redução das vagas, pois alguns abrigos fecharam para cumprimento da quarentena, enquanto outros reduziram sua capacidade de acolhimento para respeitar as recomendações sanitárias e proteger as pessoas já acolhidas. Exemplo disso foram medidas como a redução do número de pessoas em um mesmo quarto o aumento da distância entre as camas, a separação dos quartos para quarentena de pessoas que ingressam nos serviços, e criação de áreas de isolamento para casos suspeitos e confirmados de Covid-19.
Portanto, com a escassez das vagas, o ITTC tem redobrado os esforços para articular vagas e mesmo assim não consegue assegurar sucesso antes que a mulher seja colocada em liberdade. Os pedidos de auxílio com o acolhimento por parte da defesa têm aumentado, tendo em vista as medidas desencarceradoras propostas na Resolução 62 do CNJ. Se antes o ITTC tratava em média 3 pedidos de abrigamento por mês, hoje, recebemos a mesma demanda em uma semana.
Defensorias e juízos estão demonstrando compromisso com as recomendações do CNJ, porém alguns(as) juízes(as) ainda insistem na apresentação de um endereço fixo. Argumentam que a pessoa estaria mais vulnerável na cidade sem um lugar para ser acolhida. Então voltamos para o problema da não reserva de vagas em abrigos através do fluxo da SMADS. O que significa que os serviços municipais não emitem cartas a juízes(as) se comprometendo a acolher estas pessoas. Portanto, as pessoas têm seus direitos violados por uma contradição:
E para o ITTC, como a pandemia e a realidade de distanciamento social tem alterado essa via de comunicação com as mulheres? Quais são as alternativas que o ITTC enxerga nesse cenário?
Com relação às egressas, tínhamos um contato mais próximo devido aos atendimentos presenciais no escritório ou em visitas externas. Agora todos os atendimentos se dão por meio virtual, o que antes da crise já ocorria como parte significativa, mas representava apenas uma parcela do nosso trabalho.
O maior impacto, porém, foi sobre as mulheres ainda em privação de liberdade. Há 20 anos o ITTC auxilia na manutenção dos laços familiares das mulheres migrantes presas na cidade de São Paulo, através da facilitação de troca de cartas entre as mulheres e seus familiares. Devido às medidas de isolamento, estamos impossibilitadas de realizar esta tarefa da maneira que tradicionalmente realizávamos, ou seja, entregando as cartas às mulheres durante as visitas à PFC ou ao CPP Butantã, ou postando as cartas por correio. Atualmente, trabalhamos para encontrar uma saída junto às instituições competentes para esta situação, que poderia envolver medidas como a autorização das mulheres realizarem ligações telefônicas, trocarem e-mails com seus familiares ou outros meios de comunicação digital.
*Crédito da imagem original de destaque: © Marcelo Camargo/Agência Pública.
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O post “Abrigamento Para Mulheres Migrantes: como é a ação do ITTC?” foi publicado em 28th April 2020 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte Instituto Terra, Trabalho e Cidadania – ITTC