Após o depoimento do diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Luiz Fernando Corrêa, à Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência (CCAI) nesta quarta-feira (25) , para explicar o uso do programa espião First Mile, parlamentares não se comprometeram a pedir explicações a outros órgãos públicos que contrataram este e outros produtos similares da empresa israelense Cognyte nos últimos anos.
A companhia somou mais de R$57 milhões em contratos firmados com o poder público brasileiro após fechar negócio com a Abin, em dezembro de 2017, vendendo produtos para a Aeronáutica , o Exército , a Polícia Rodoviária Federal (PRF) e pelo menos outros nove estados. O fato foi revelado pela Agência Pública na última sexta-feira (20) , dia da operação Última Milha, da Polícia Federal (PF).
Antes e depois da reunião da CCAI , a Pública questionou membros da comissão se haveria apuração sobre os outros contratos da Cognyte junto a órgãos federais, como aqueles com as Forças Armadas. Porém, nenhum dos membros previu medidas concretas, como por exemplo protocolar requerimentos de informação aos órgãos que usam produtos da Cognyte ou a convocar servidores responsáveis por fiscalizar o uso das ferramentas do grupo israelense.
“Aprovamos requerimento a outros órgãos envolvidos, como a CGU [Controladoria-Geral da União] e o Supremo [Tribunal Federal] para termos acesso a todas as informações relacionadas à contratação e utilização deste programa [First Mile], para que num segundo momento possamos ouvir outras autoridades”, disse o presidente da CCAI, deputado federal Paulo Alexandre Barbosa (PSDB-SP), em entrevista coletiva após a reunião.
Em agosto, a Pública já havia revelado, com exclusividade , que a Comissão do Exército Brasileiro em Washington (EUA) gastou mais de R$ 4 milhões no fim do governo Bolsonaro para a “renovação de licenças de interesse” dos militares junto à Cognyte, uma compra que foi publicada no Diário Oficial da União somente em janeiro deste ano, já no governo Lula.
Depois da 1ª fase da Operação Última Milha , o jornal Folha de S. Paulo revelou que militares do Gabinete de Intervenção Militar no Rio de Janeiro tinham comprado produtos espiões da Cognyte, ainda em 2018 . Mesmo com tais fatos públicos, não houve qualquer sinal de mobilização dos parlamentares da CCAI, para esclarecer o uso destas ferramentas pelo Exército.
“É importante dizer que o encontro de hoje foi motivado pelos fatos revelados na sexta [após a operação da PF], e nem isso foi devidamente esclarecido”, disse o vice-presidente da CCAI, senador Renan Calheiros (MDB-AL), após o término da reunião.
No encontro, estava o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), membro da comissão e ex-diretor-geral da Abin no período atualmente investigado pela PF. O parlamentar evitou a imprensa ao chegar para a reunião e, ao término, saiu por uma das salas anexas ao local do encontro, sem falar com os repórteres.
“O Ramagem, por bem dizer, deveria pedir para sair [da CCAI], né? Essa seria a posição mais correta, por mais que não haja nada que o impeça de continuar na comissão… mas é constrangedor”, disse aos repórteres o deputado federal Carlos Zarattini (PT-SP), outro membro da CCAI, antes do início dos trabalhos.
Ramagem tem se eximido de responsabilidade sobre o suposto uso ilegal do First Mile durante sua gestão na Abin. Em sua conta na rede social X (antigo Twitter) , o deputado afirmou que “o setor de operações da Abin possuía exclusividade e discricionariedade sobre o uso da ferramenta” e que “só o setor de operações possuía senha e gestão do sistema”, referindo-se ao programa da Cognyte.
À Pública, Ramagem já havia afirmado que sua gestão promoveu “uma auditoria formal de todos os contratos” da Abin, o que incluía o First Mile – programa adquirido em dezembro de 2017, quando a agência estava subordinada ao Gabinete de Segurança Institucional do general da reserva do Exército Sérgio Etchegoyen.
Fonte
O post “Abin: Parlamentares poupam órgãos que compraram programa espião da Cognyte alvo da PF” foi publicado em 26/10/2023 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte Agência Pública