É muito importante registrar a fala histórica que o senador Fabiano Contarato (Rede-ES) fez ontem durante a CPI da Covid.
O empresário bolsonarista Otávio Fakhoury foi chamado para depor porque é acusado de patrocinar bolsominions para espalhar conteúdo negacionista sobre a pandemia, além de discurso de ódio e atos antidemocráticos. Contarato chamou a atenção de Fakhoury porque, em maio, o senador errou a grafia num tuíte, escrevendo “estado fragrancial”, em vez de “flagrancial”, e o empresário, homofóbico como todo bolsonarista, aproveitou para tuitar: “O delegado [Contarato foi delegado da Polícia Civil antes de ser eleito senador], homossexual assumido, talvez estivesse pensando no perfume de alguma pessoa ali daquele plenário… Quem seria o ‘perfumado’ que lhe cativou?”
Contarato, além de pedir à Polícia Legislativa que investigue Fakhoury por homofobia (que é crime), disse, emocionado:
Muitas pessoas, quando eu tomei posse como senador da República, me perguntaram se essa Casa me respeitava, se meus colegas me respeitavam.
E eu nunca titubiei. Eu sempre falei: todos têm um respeito, um carinho, admiração e deferência por mim, como deve ter por qualquer pessoa. Mas eu queria falar pro depoente, eu não posso perder essa oportunidade, porque sr. Otávio, o dinheiro não compra a dignidade. O dinheiro não compra caráter. Cursos não compram humildade, compaixão, caridade. Eu sempre pergunto, qual o tipo de imagem que eu vou deixar pros meus filhos? Eu amo a Mariana, que Deus me deu na pandemia — Deus nos deu, a mim e ao meu esposo, com muito orgulho, e não pense que pra mim é fácil falar isso aqui, me expor, não é fácil. Hoje eu sei muito bem o que é local de fala. […]
O senhor pegou um tuíte meu e por um erro de grafia de rede social, o senhor fala isso. E é aí que mais me admira. Porque o senhor não é um adolescente. O senhor é casado, tem filhos. A sua família não é melhor do que a minha [o senador, o único homossexual assumido no Senado, é casado com um homem e tem dois filhos, um menino e uma menina].
Eu não consigo entender o que leva um ser humano, que tem maioridade, e a maioridade é de 18 anos. O que leva o senhor [a isso]? O senhor tem filhos… Qual imagem enquanto pai, enquanto esposo, enquanto cidadão, o senhor vai passar pros seus filhos? Isso é o seu princípio da legalidade?
Porque o Supremo Tribunal Federal, tardiamente, o mesmo Supremo que o senhor defende extinguir, criminalizou a homofobia equiparando ao crime de racismo. Aliás, um dos poucos crimes que são considerados inafiançáveis e imprescritíveis. O senhor está obedecendo o princípio da moralidade? Qual o conceito de moralidade do senhor? Qual o conceito de legalidade? Qual imagem que você vai deixar para os seus filhos?
O senhor pode ter todo o dinheiro do mundo. Eu tenho minha vida modesta e com muito orgulho, cuidando da minha família, um orgulho com o meu esposo e com os meus dois filhos, Gabriel, de 7 anos, e Mariana, que fez 2. E eu quero que eles tenham a certeza de que eu lutei e vou continuar lutando para reduzir essa desigualdade que há no Brasil.
Porque se o senhor obedecesse o princípio da legalidade, o senhor saberia que no artigo 3o, inciso 4 da Constituição Federal, está expresso que um dos princípios, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil é promover o bem-estar de todos e abolir toda e qualquer forma de discriminação. O senhor não é um adolescente, então eu não poderia deixar de me pronunciar.
Eu aprendi que a orientação sexual não define o caráter, que a cor da pele não define o caráter, que o poder aquisitivo não define o caráter. Eu aprendi isso. E eu fico muito triste, sabe por quê? Porque eu fico me colocando no lugar dos seus filhos. Isso vai ficar aqui registrado no Senado Federal ad infinito. E o senhor não sabe como é difícil pra mim expor a mim e a minha família, os meus filhos, num momento tão delicado como esse. Mas é necessário isso, para que outros não sofram o que eu estou sofrendo. Porque se o senhor faz isso comigo, como Senador da República, imagine num Brasil que mais mata a população LGBTQIA+? Então o mínimo que o senhor deveria fazer é pedir desculpa não só a mim, a toda a população LGBTQIA+, a toda a população.
Assim como Martin Luther King teve um sonho, eu também tenho um sonho. Eu sonho um dia em que eu não vou ser julgado pela minha orientação sexual. Eu sonho um dia em que não vou ser julgado pela minha orientação sexual. Eu sonho um dia em que meus filhos não serão julgados por serem negros. Eu sonho um dia em que minha irmã não vai ser julgada por ser mulher. E que meu pai não será julgado por ser idoso.
Esse dia ainda não chegou porque o senhor é o tipo da pessoa que retrata muito bem esse presidente da República, que fala na família, na família tradicional. Mas a minha família não é pior do que a sua porque a mesma certidão de casamento que o senhor tem eu também tenho; que fala na Pátria, que fala na legalidade, que fala na moralidade, mas o senhor é o principal violador dessa legalidade e moralidade; que fala em Deus acima de todos. Deus está no meio de nós.
Então eu não poderia deixar de fazer esse registro e de requerer, à presidência [da CPI], que seja remetido cópia dessas postagens à Polícia Legislativa para que apure o crime de homofobia praticado por esse depoente aqui, na certeza de que nada — não vai ser a responsabilidade penal, não vai ser a responsabilidade civil, não vai ser nenhuma responsabilidade administrativa que vai tirar a dor que o senhor me causa, que o senhor me ocasionou. O senhor nunca me viu, o senhor nunca conheceu minha família, o senhor não conhece meus filhos, mas nada te dá direito de fazer o que o senhor fez, porque essa dor é incomensurável. Não tem dinheiro que pague isso. Mas eu espero, eu estou expondo mais uma vez a minha família, meus filhos, meu esposo, pra que outros não passem pelo que eu passei. Muito obrigado, senhor presidente [da CPI].
Vejam a fala toda aqui . Ao empresário só lhe restou dizer que foi uma “brincadeira de mau gosto” e pedir desculpas.
Em seguida o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), sempre atacado por bolsonaristas, que o chamam de “gazela”, mostrou um tuíte de Fakhoury em que ele legenda “Saltando sem parar” sobre uma foto de Randolfe. O vice-presidente da CPI também pediu que o tuíte fosse enviado à Polícia Legislativa.
A cereja do bolo é que o favorito para ocupar a vaga no Senado pelo Espírito Santo era o impastor Magno Malta. O povo preferiu eleger Contarato.