Donald Trump renomeou uma montanha do Alasca. Isso mesmo. A notícia pode ter passado batida porque o presidente dos EUA assinou tantos decretos executivos em seu primeiro dia de mandato que se tornou difícil acompanhar o que ele fez.
A montanha no caso se chamava Denali, como era conhecida pelos povos indígenas da região, e agora se chama Monte McKinley, nome do ex-presidente dos EUA assassinado em 1901. Durante seu mandato, o presidente William McKinley (1897-1901) supervisionou a intervenção do governo dos EUA na guerra de independência de Cuba contra a Espanha e as anexações de Porto Rico, Filipinas, Guam, Havaí e Samoa Americana aos Estados Unidos. McKinley aderiu entusiasticamente à corrida europeia do final do século XIX para expandir o número de colônias ultramarinas para seus impérios globais.
A ordem de Trump reflete sua admiração pelos esforços de McKinley para aumentar a influência internacional dos EUA e implementar uma série de tarifas destinadas a aumentar a produção industrial do país. É um modelo que Trump busca imitar. Seus apelos para tornar o Canadá o 51º estado do país, anexar a Groenlândia, invadir o Panamá e transformar a Faixa de Gaza em um resort de praia fazem parte do desejo de Trump de ver o mapa territorial de seu país aumentar de tamanho. Ao mesmo tempo, muitas das iniciativas políticas de Trump parecem querer transformar os Estados Unidos em uma autarquia autossustentável que evita o papel do país como um ator de liderança na política global.
Trump é um isolacionista que busca diminuir a influência internacional de Washington? Ou será que ele é simplesmente mais um presidente com desígnios imperiais de “Tornar os EUA grande novamente”, impulsionando a produção nacional por meio de uma guerra comercial internacional e exercendo poder e influência sobre países que Trump acredita ter o direito de reivindicar para os Estados Unidos? Terá ele perturbado a ordem internacional estabelecida no final da Segunda Guerra Mundial e consolidada durante a Guerra Fria, que opôs os Estados Unidos e seus aliados tanto ao bloco soviético quanto à China? Ou estará ele simplesmente exercendo o poder americano de maneiras diferentes? Até o momento, é difícil discernir uma “Doutrina Trump” coerente por trás da forma caótica como ele conduz a política externa americana.
Em vez de construir relações mais fortes com aliados tradicionais dos EUA, como México, Canadá, Grã-Bretanha e a União Europeia, a insidiosa guerra tarifária de Trump isolou os Estados Unidos, potencialmente criando danos de longo prazo às relações com países que historicamente apoiaram amplamente a política externa americana. A constante mudança dos termos de quaisquer acordos sobre tarifas causou enormes flutuações na bolsa de valores dos EUA, que afetam diretamente os investimentos de milhões de pessoas poupando para a aposentadoria. Quase todos os economistas preveem que suas políticas econômicas alimentarão a inflação e irão minar a base de apoio de Trump entre aqueles que priorizaram a recuperação da economia como principal razão para votarem nele em 2024.
Com base em sua recente visita ao Oriente Médio, Trump parece mais interessado em fechar negócios do que acordos de paz, enquanto seus filhos correm pelo mundo fazendo acordos imobiliários com aliados e inimigos dos EUA. Os interesses financeiros pessoais da família Trump claramente prevalecem. Entre os muitos elementos perversos em seu apelo para transformar Gaza em um Club Med estava a sensação de que ele via o território devastado pela guerra como um enorme terreno baldio à beira-mar, pronto para uma torre Trump, um hotel ou um campo de golfe.
Igualmente chocante foi a forma como ele manobrou para que a família real do Catar lhe presenteasse com um luxuoso Boeing 747 , avaliado em US$ 300 milhões, para seu avião presidencial (e sua posse permanente após deixar o cargo), embora especialistas estimem que possa custar até um bilhão de dólares para reformar a aeronave e eliminar quaisquer dispositivos de escuta que possam estar escondidos no avião. A Constituição dos EUA proíbe explicitamente a transação, afirmando: “nenhuma pessoa que ocupe qualquer cargo com fins lucrativos ou de confiança poderá, sem o consentimento do Congresso, aceitar qualquer presente, emolumento, cargo ou título, de qualquer espécie, de qualquer rei, príncipe ou Estado estrangeiro.” No entanto, até o momento, embora o Departamento de Defesa tenha anunciado que receberá a aeronave, não há indícios de que o governo Trump seguirá a Constituição e solicitará autorização ao Congresso.
Até o momento, apenas alguns republicanos se manifestaram contra a transação. Quando os democratas no Senado tentaram aprovar uma resolução se opondo à aquisição da aeronave, os legisladores republicanos se opuseram à proposta, que não obteve os votos necessários. Mais uma vez, como em centenas de processos judiciais, a oposição terá que levar o assunto aos tribunais, sem garantia de que Trump obedecerá à ordem de algum juiz para obter a aprovação do Congresso para o presente.
Até agora, Trump tem ignorado a Suprema Corte ao não implementar uma decisão que exija que o atual governo facilite o retorno de Kilmar Abrego Garcia, um residente de Maryland que foi deportado erroneamente para El Salvador, apesar de uma ordem judicial proibindo-o de ser enviado ao seu país de origem. Resta saber se ele desencadeará ou não uma crise institucional com sua recusa em obedecer à mais alta corte do país.
A hostilidade de Trump à China e as preocupações com sua crescente influência internacional, refletidas nas formas agressivas com que impôs tarifas excessivamente altas ao país, não são um elemento novo da política externa dos EUA. Quando o presidente Richard Nixon (1969-1974) iniciou a diplomacia com a República Popular da China em 1972, ele buscou aliviar as tensões entre os dois países e abrir a China ao investimento americano. A iniciativa também fazia parte de um esforço para isolar a União Soviética e o bloco do Leste Europeu sob seu controle. Além disso, empreendedores americanos que buscavam maneiras de reduzir os custos de produção encontraram na China um parceiro perfeito, capaz de fornecer mão de obra barata para a produção de itens de consumo de baixo custo, visando os mercados americano e europeu.
De fato, Trump está punindo a China ameaçando impor tarifas mais altas para supostamente trazer a indústria de volta aos Estados Unidos, quando tanto o governo democrata quanto o republicano apoiaram entusiasticamente esse papel da China por várias décadas. O governo chinês parece disposto a esperar para ver quando os indicadores econômicos internacionais obrigarão Trump a fazer concessões ao seu rival global.
A relação de Trump com a Rússia é talvez o elemento mais desconcertante de sua política externa. A investigação oficial de Robert Muller sobre o envolvimento russo nas eleições presidenciais de 2016 concluiu que a inteligência russa invadiu os computadores da campanha de Hillary Clinton e do Partido Democrata para divulgar informações que favorecessem seu oponente republicano, embora o relatório não tenha encontrado conluio direto entre a campanha de Trump e o governo russo. Ao longo de seu primeiro mandato na Casa Branca, Trump nunca criticou o regime de Putin e demonstrou forte afinidade com seu líder.
Embora Trump tenha prometido resolver a Guerra Russo-Ucraniana em seu primeiro dia de mandato, ele aprendeu que encerrar o conflito não é tarefa fácil. Trump basicamente se aliou à Rússia desde o início da invasão e recentemente declarou a Ucrânia responsável pela guerra. As ameaças do Secretário de Estado Marco Rubio e de Trump de se retirarem do conflito significam o fim do apoio militar dos EUA aos ucranianos.
Qual pode ser a razão para a obsessão de Trump por Putin? Analistas de relações exteriores não conseguiram explicar de forma convincente porque ele parece tão comprometido em apoiar os objetivos estratégicos de Putin de reincorporar a Ucrânia à esfera de interesses da Rússia, com possíveis consequências negativas também para a independência dos estados bálticos. Descartando a possibilidade de o presidente russo estar chantageando Trump com uma gravação em vídeo de uma noite erótica em Moscou, a afinidade de Trump com o regime deriva simplesmente do fato de oligarcas russos terem comprado seus apartamentos em Nova York e outras propriedades de Trump com dinheiro lavado? Ou ele sonha com novas oportunidades de negócios quando a Rússia se reintegrar à comunidade internacional após o fim da guerra?
Claramente, Trump ainda quer construir uma torre de luxo em Moscou, e há muitas outras grandes cidades na Federação Russa que também podem ser oportunidades perfeitas para investimentos imobiliários. Como não parece haver uma razão geopolítica lógica aparente para seus laços estreitos com a Rússia, só se pode especular sobre os motivos de Trump. Após seis falências, o slogan da família tornou-se “Tornar Trump rico novamente”.
Em suma, embora Trump prometa à sua base suas intenções de restaurar a preeminência imperial por meio de uma estratégia “América primeiro”, ao mesmo tempo ele abandonou os aliados tradicionais dos Estados Unidos e alinhou sua política externa com oponentes históricos. Se ele continuar nesse caminho, não será para tornar a América “grande” ou “primeira”, mas para tornar a América “sozinha”.
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O post “A política externa de Trump é caótica, pode isolar os EUA e torná-lo ainda mais rico” foi publicado em 27/05/2025 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte Agência Pública