O presidente Jair Bolsonaro, mais uma vez, tenta fugir da realidade e atribuir a terceiros a responsabilidade pela devastação da Amazônia, sem apresentar provas. Depois de culpar as organizações não governamentais (ONGs) por queimadas na região, o mais novo alvo são os governos estrangeiros. Com isso, ao tentar imputar a culpa do desmatamento a seus desafetos políticos, Bolsonaro criou mais um vexame internacional.
Quem compra e revende madeira no mercado internacional são empresas e não governos. Além disso, os governos só poderão cobrar as ações ilegais de empresas se o país de origem, que fornece os produtos objeto de fraude, atestar essa ilegalidade.
Não é o que acontece.
A floresta derrubada ilegalmente fornece ao mercado ipê, mogno, cedro, jatobá e maçaranduba. A ilegalidade não é pequena. Segundo fontes conservadoras, trata-se de valor aproximado a 70% de toda a madeira extraída da região amazônica.
A subjetividade é enorme e a lacuna de dados governamentais é patente. Mais de 90% do desmatamento não tem registros de autorização no Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais (Sinaflor), mantido pelo Ibama. Seja decorrente da ilegalidade ou da falta de dados que deveriam ser aportados pelos estados, o cenário obscuro continua a favorecer a criminalidade.
O mercado interno absorve 90% de toda a extração florestal, sendo apenas 10% deste volume destinado à exportação. Quem exporta madeira ilegal usa créditos falsos de manejos florestais legais, ou mascara a identificação das espécies. Com base nos indicadores da ilegalidade, de forma conservadora (70% da produção total), a pirataria vigente para exportação apresentaria um índice de aproximadamente 7% da extração nacional ilegal, enquanto 63% seriam destinados ao mercado brasileiro.
A responsabilidade pela fraude da legalização da madeira, que deixa o Brasil para atender o mercado internacional, é das autoridades brasileiras. O nível de ilegalidade é de tal proporção que qualquer blitz possibilitaria, em tese, detectar que mais de metade das cargas embarcadas contém material “maquiado”. Vale o mesmo para o massivo volume (63% da extração nacional) absorvido pelo mercado interno brasileiro.
Assim, com essa lógica escapista, a quem o governo Bolsonaro pretende iludir? Qual a intenção de tal pensamento ilógico que pretende apunhalar institucionalmente parceiros comerciais do Brasil, que notadamente exigem documentos comprobatórios do país exportador em seus processos de importação? De onde partiu essa orientação ao governo Bolsonaro? Essa postura teria o aval e orientação do Ministério de Relações Exteriores?
Não é o zelo contra o desmatamento ilegal a prática recorrente do governo Bolsonaro. Em março de 2020 o Ibama suspendeu as inspeções nos portos, facilitando a exportação ao deixar de exigir autorização específica, contrariando parecer do próprio Instituto, que fazia distinção, em instrução normativa, entre a autorização para transporte e a licença para exportação. A iniciativa angariou uma sensibilizada nota de agradecimento de setores madeireiros, mas a polêmica gerada apontou o fato como um descalabro, uma vez que a ilegalidade das fraudes para exportação é evidente e pode chegar a 90% do volume total.
Enquanto o governo Bolsonaro flexibiliza normas, o Parlamento Europeu aprovou uma nova resolução pressionando a Comissão Europeia em defesa de uma due diligence para importadores, visando coibir a compra de produtos provenientes de desmatamentos ilegais.
Haja verniz para, nesse cenário, tamanha cara de pau do governo brasileiro, considerando o volume das fraudes e do comércio de madeira ilegal. Os valores monetários globais envolvidos nestes crimes contra a natureza são astronômicos. A Interpol aponta, em média, um comércio global de madeira ilegal de US$ 100 bilhões por ano.
Se o Brasil quisesse, de fato, enfrentar este processo de fraude em seu território, teria condições de fazê-lo, e ao mesmo tempo estimularia as boas práticas do manejo florestal certificado. Seria necessário atacar com firmeza a ilegalidade, alimentar adequadamente o Sinaflor e eliminar a concorrência de mercado desleal, ilegal e predadora, que assola nada menos que a metade dos produtos comercializados.
Uma política para a proteção da região amazônica não pode prescindir dessa averiguação sobre a regularidade dos produtos de origem florestal e isso cabe, de forma exclusiva, aos órgãos responsáveis pelo controle, fiscalização e licenciamento dos manejos florestais.
Há ainda de se estimular a certificação, que só atinge 1% do total comercializado. De caráter voluntário, mecanismos de certificação são mecanismos terceirizados e auxiliares para o controle, que hoje apresentam baixa eficiência. Assim, os países produtores e importadores não podem prescindir de normativas e políticas públicas vigorosas de combate à extração ilegal.
O cenário internacional é cada vez mais adverso para os produtos brasileiros e o governo de plantão, estranhamente, além de trabalhar na contramão do controle florestal, como demonstram amplamente as notícias de simplificações e perdas de critérios no tramite portuário, culmina por piorar as relações internacionais ao deixar de sinalizar meios de cooperação eficiente para um efetivo controle do desmatamento por meio de ações focadas no mercado.
O combate ao desmatamento no Brasil certamente deve atentar para o mercado consumidor e sua regularidade. Mas as atitudes do governo, aparentemente na tentativa de acobertar a própria responsabilidade, estão se resumindo ao denuncismo inconsequente. O Brasil não pode admitir a continuidade de bravatarias, partindo imediatamente para uma regulação interna eficiente com efetivas políticas públicas de combate ao desmatamento ilegal.
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O post “A pirataria na exportação de madeira e o vexame do governo Bolsonaro” foi publicado em 19th November 2020 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte ((o))eco