A forte associação de sua imagem à figura do marido e à Operação Lava Jato levaram Rosângela Wolff Moro (União Brasil), natural de Curitiba, a obter 217 mil votos em sua primeira campanha para deputada federal em São Paulo.
Com a eleição de Sérgio Moro (União Brasil) ao Senado pelo Paraná, o casal formará uma “bancada lavajatista” no Congresso, junto a outro expoente da Lava Jato, o ex-procurador da força-tarefa no MPF, Deltan Dallagnol (Podemos), também eleito deputado federal pelo Paraná.
Durante a campanha, Rosângela se descreveu em suas redes como uma combatente da corrupção e defensora do “empoderamento da mulher”. Como “conja (SIC) do Sérgio Moro e lavajatista”, ela também prometeu lutar “pelos PCDs [pessoas com deficiência] e raros”. Rosângela declarou para a justiça eleitoral ter 1,3 milhão de reais em bens.
Mas a campanha da advogada de 48 anos e agora deputada federal não foi notícia apenas por sua expressiva eleição ou pela divulgação de um vídeo em que aparece comendo pastel enquanto uma mulher não identificada revira o lixo atrás dela — situação na qual Rosângela pediu desculpas públicas.
Durante a sua corrida a uma vaga na câmara dos deputados a Agência Pública descobriu um almoço sem registro oficial com empresários e potenciais eleitores numa churrascaria, atrasos de pagamento de fornecedores de gráfica e marketing, indignação da equipe de panfletagem nas ruas e a contratação da Social QI para a campanha, a mesma empresa de monitoramento de redes sociais denunciada no escândalo da propaganda oculta do iFood , situação que está sendo investigada pelo MPF e pelo MPT.
2,8 milhões em receitas
A campanha de Rosângela recebeu 2,863 milhões de reais de receitas, grande parte desse montante recursos do fundo partidário do União Brasil — parcela menor, R$ 50 mil reais, foi doação do empresário José Salim Mattar Junior, ex-secretário de Desestatização do Governo Bolsonaro e presidente da Localiza.
Mas na semana em que foi eleita, veio à tona que a campanha de Rosângela Moro devia milhares de reais em materiais de campanha e serviços a fornecedores, segundo noticiou o UOL e Metrópoles.
A Pública confirmou que somente ontem, 10 de outubro, o pagamento da gráfica havia sido realizado. “Ainda não recebi e o pessoal da campanha nem atende minhas ligações”, disse Roberto Monzani no último dia 5 de outubro, o responsável pela gráfica ALK, uma das maiores despesas de campanha de Rosângela, no valor de R$500 mil reais. Segundo Monzani, a campanha acertou a parcela que faltava de 250 mil reais pelos materiais produzidos, panfletos, camisetas, adesivos, bandeiras e outros itens. Segundo o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), o prazo final estipulado para o pagamento de fornecedores seria o dia 30 de setembro.
Um membro da campanha que chamaremos de José*, que pediu para não ser identificado, também relatou que a equipe de panfletagem de Rosângela nas ruas “segurou muitos rojões”. Ele conta que Rosângela “só gostava de ir em lugares em que era bem aceita”.
Foram fechados contratos de trabalho com nove equipes em São Paulo e duas em Itapecerica da Serra com o combinado de pagamentos a cada 15 dias trabalhados. O tempo total estabelecido em contrato foi de 45 dias. Cada equipe seria composta por três panfleteiros, um líder de equipe e um motorista. Cada panfleteiro receberia R$1800 reais pelo trabalho no período — uma média de 40 reais por dia. Já a líder de equipe receberia R$ 3000 e o motorista R$3750, sem incluir a gasolina, que também seria paga pela campanha, que fechou parcerias com alguns postos de gasolina.
A campanha foi iniciada oficialmente nas ruas no dia 16 de agosto, quando o TSE permitiu a todos os concorrentes o envio de equipes para o corpo a corpo com eleitores. Mas 15 dias após iniciado os trabalhos, as equipes não teriam sido pagas. “Não receberam. Comecei a cobrar o pagamento das equipes, seriam três parcelas a cada 15 dias. E foi uma enrolação. O pessoal da equipe de rua começou a pressionar e a xingar a gente”, conta José.
Ele diz que uma das líderes de equipe chegou a ser ameaçada pelos atrasos. “Tivemos que conversar com o pessoal e explicar a situação, mostrar que da nossa parte estávamos tentando conseguir o pagamento com quem estava no comando”.
Outra fonte da campanha, Breno*, que também não será identificada, diz que as equipes iam sem água e sem lanche trabalhar nas ruas. Situação similar teria ocorrido no Paraná, na campanha de Sérgio Moro, onde um cabo eleitoral diz ter sido demitido por pedir água, segundo o Metrópoles. O assistente jurídico diz ter desistido de votar em Moro para o Senado após o episódio.
Em São Paulo, o pagamento da primeira parcela dos cabos eleitorais só teria ocorrido entre os dias 14 e 15 de setembro, segundo José. “Pagaram um mês depois, fora do prazo combinado”. Áudios obtidos pela reportagem mostram indignação das equipes e até de familiares dos cabos eleitorais da campanha, “pessoas de baixa renda e que moram nas periferias da cidade”, explica José.
“Tá parecendo mais que a gente levou um golpe na cara de pau”, diz uma cabo eleitoral. A mãe de uma delas, reclama: “Resolva essa situação o mais rápido possível, porque elas não podem ficar sem trabalhar. Aqui é comunidade, se trabalhar come, se não trabalhar não come”.
A Pública apurou com fontes da campanha que tanto Rosângela quanto Sérgio Moro teriam sido informados sobre a situação da falta de pagamento de fornecedores. Moro teria dito que todos seriam pagos e que os atrasos seriam apenas “gestão de fluxo na reta final” de campanha.
Procurada pela reportagem, Rosângela Moro não quis comentar.
Postagem apagada e almoço não esclarecido
Outra situação que chama atenção ocorreu num evento de campanha de Rosângela na semana que antecedeu o primeiro turno. Um almoço em uma churrascaria no Brás, bairro de São Paulo, não teria sido informado à justiça eleitoral até o momento.
No perfil oficial da candidata no Instagram, um “convite especial para os amigos do Brás”, trazia um chamado que foi apagado posteriormente: “participe deste encontro especial e conheça as propostas de Rosangela Moro para o Estado de São Paulo”. A mensagem nas redes, como demonstra o print original obtido pela Pública, diz: “É amanhã! Conto com a sua presença, às 12h30, no Brás!. Almoçaremos na Churrascaria Nova Grill e conversaremos sobre propostas e soluções para SP”.
A mensagem também teria sido enviada em alguns grupos de WhatsApp pela campanha da candidata. Mas seu conteúdo não deixa claro uma exigência da legislação eleitoral, a de que o almoço não poderia ser pago pela campanha. A preocupação fica clara em outro print, esse de um grupo privado de WhatsApp intitulado ‘Núcleo Rosângela Moro’, onde parte da equipe de campanha comenta a situação na quarta-feira, 28 de setembro, véspera do evento.
Na troca de mensagens, alguém informa: “Pessoal Boa Tarde! Já fui questionado por diversas pessoas se será a campanha que irá pagar o almoço já que está convidando. Só lembrando que seria crime eleitoral a campanha pagar o almoço e é muito simples alguém entrar lá e falar que almoçou é alguém da campanha que pagou. Acredito que deve-se arrumar o texto informando que a candidata irá almoçar lá e não convidando as pessoas para um almoço. E não foi 1 ou 2 pessoas que me questionaram. Foram várias”.
A resposta ao questionamento veio em tom lacônico: “Arquivei o convite” — o que explicaria a postagem ter sumido do Instagram no mesmo dia 28 de setembro. Quem fez o alerta reitera: “Acredito ser bom fazer uma tratativa do convite e encaminhar pois várias pessoas repassaram”.
Nas redes sociais de Rosângela essa correção não foi realizada. A Pública esteve no local e confirmou a realização do almoço mas não foi possível entrar no espaço reservado ao fundo do salão principal da churrascaria.
No mesmo dia 29 de setembro, à noite, um vídeo do evento foi postado no Instagram da candidata. Assim como o convite postado e apagado no dia 28 de setembro, o vídeo também foi retirado do ar no dia 30 de setembro. A Pública, no entanto, registrou a postagem e fez o download do conteúdo.
No texto da mensagem onde o vídeo é divulgado, a candidata diz: “Hoje, tivemos um almoço muito especial, em uma churrascaria no Brás. Conversamos sobre os impactos no setor do comércio e pude entender mais sobre as necessidades da categoria. Quero lutar pelo Brasil e pelos comerciantes, como deputada federal por SP. Vem Comigo! Vote 4400”.
No vídeo, enquanto o jingle de campanha toca, imagens da candidata são exibidas confraternizando durante o almoço. Estão presentes, aproximadamente, 30 pessoas. É possível identificar, a certa altura do vídeo, a colagem de adesivo de campanha em um dos presentes.
Procurada pela reportagem, Rosângela Moro não quis comentar.
Do domicílio eleitoral à conta na churrascaria
A Pública apurou que a conta do almoço não teria sido paga individualmente por cada participante do evento como prevê a legislação eleitoral. O empresário Antoine Daher, foi citado por fontes consultadas pela reportagem como a pessoa responsável por pagar a conta. Daher aparece ao lado de Rosângela durante o almoço na churrascaria Nova Grill. Procurado, o empresário não confirmou a informação. Ele disse: “agradeço o contato mas não gosto de opinar em coisas políticas. Estive junto a pedido da Rosângela por ter amizade familiar”.
Conhecido como Toni, o empresário líbano-brasileiro fundou a Casa Hunter, que atende adultos e crianças com a condição MPS ou Síndrome de Hunter, provocada pela deficiência de uma enzima nos lisossomos — o tema é uma das bandeiras da campanha da agora deputada federal.
E foi também graças a Casa Hunter e ao empresário Antoine Daher que Rosângela provou ao TRE-SP seu domicílio eleitoral quando houve questionamento sobre o pedido para ser candidata por São Paulo. Assim como o marido, Rosângela transferiu seu domicílio eleitoral de Curitiba para a capital paulista. O pedido de domicílio eleitoral de Sérgio Moro foi rejeitado.
Já o pedido de Rosângela, foi aprovado pelo TRE-SP após dois pedidos de impugnação: uma do advogado Washington Rodrigues de Oliveira e outra do deputado federal Alexandre Padilha (PT), reeleito no dia 3 de outubro.
Os autores das impugnações alegavam que Rosângela não mantém vínculo residencial, afetivo, familiar, profissional, comunitário ou de qualquer outra natureza com o estado de São Paulo. Isso porque seu escritório se localiza em Curitiba e sua inscrição da OAB está vinculada ao Paraná.
O TRE entendeu que Rosângela comprovou vínculos profissionais com a cidade, pois presta serviços advocatícios há mais de cinco anos para uma entidade com sede em São Paulo — no caso, a entidade é a Casa Hunter de Antoine Daher.
Procurada pela reportagem, Rosângela Moro não quis comentar.
O que diz a lei?
Durante a realização das campanhas eleitorais, os candidatos em busca de votos devem seguir o previsto no Código Eleitoral. Os descuidos com a legislação por parte dos postulantes pode levar a penalidades, como pagamento de multa, cassação da candidatura e até prisão.
No caso de Rosângela, a situação foi descrita sem revelar o nome da candidata a dois especialistas em legislação eleitoral, que, por isso, pediram para não terem seus nomes divulgados. Uma das especialistas explica que a situação descrita na reportagem é irregular: “Se é um evento de arrecadação você precisa cobrar da pessoa individualmente. E não parece ser um evento de arrecadação. Portanto, se investigado e comprovado pode até ser configurado como compra de votos e abuso do poder econômico”, avalia.
O segundo especialista explica que “não é lícito de forma nenhuma que você tenha o pagamento de um almoço por quem quer que seja. Pela campanha, seja por empresário, seja por uma empresa. Sem dúvida é ilegal. O problema é tentar entender que ilegalidade é essa”, diz.
Segundo ele, se a pessoa que eventualmente pagou estava fazendo uma despesa em prol de uma campanha sem fazer a doação para campanha, a candidatura incorreu em uma realização irregular de despesas. “A candidatura deveria ter seguido o rito de registro do evento perante a Justiça Eleitoral e teria que explicar o que seria o evento, com data, formato etc e lançar a despesa em até 72h. Cada uma das pessoas teria que pagar o seu almoço para descaracterizar a possível compra de voto”, finaliza.
A SQi, a mesma do escândalo do iFood
A campanha de Rosângela nas redes sociais foi realizada pela Social Qi (SQi), uma agência focada no gerenciamento de crises, campanhas políticas e monitoramento de redes para entes públicos e privados, a mesma envolvida no escândalo da máquina oculta de propaganda do iFood , que veio à tona em reportagem da Pública em abril deste ano.
Apesar dos materiais internos da campanha obtidos pela reportagem estarem em nome da SQi, o CNPJ da empresa não aparece nas despesas da candidata apresentadas ao TSE. Oficialmente, o monitoramento digital registrado na Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais de Rosângela Moro está em nome de um sócio da SQi — contrato em nome de RS Aeron Soluções em Comunicação LTDA e outro contrato em nome de Rugde Comunicação Eireli. Os dois contratos para criação de conteúdos para redes sociais e monitoramento digital de redes com relatórios de performance somam mais de R$ 351 mil reais.
Atualmente, a SQi é investigada pelo MPF e MPT e já foi convocada a depor na CPI dos Aplicativos em São Paulo devido a denúncia da Pública.
Procurada, a SQi não deu retorno até a publicação. O espaço segue aberto para esclarecimentos.
Fonte
O post “A “conja” eleita” foi publicado em 11th October 2022 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte Agência Pública