Aproveitando a pandemia pra “passar a boiada”, como disse o sinistro contra o meio ambiente, esta semana há uma chance do Senado votar um projeto tenebroso.
O PL 5434 , do senador pelo Ceará Eduardo Girão, do Podemos (um dos partidos de sustentação do genocida), “dispõe sobre a proteção da gestante e põe a salvo a vida da criança por nascer desde a concepção. Cria auxílio para o filho de mulher vítima de estupro”. O que o projeto quer mesmo é proibir o aborto em todos os casos, inclusive naqueles únicos três em que o aborto não é criminalizado no país (quando a gravidez é decorrente de um estupro, quando há risco de vida para a gestante, e quando o feto é anencéfalo).
A gente já vem avisando isso faz tempo: um dos maiores desejos do governo na pauta dos costumes é criminalizar o aborto em todos os casos. E o Congresso não tem mais nada pra fazer numa pandemia, né? É cúmplice do genocida!
O projeto ainda institui um “bolsa estupro”, ou seja, o “genitor” (em outras palavras, o estuprador) teria que pagar um salário mínimo de pensão à criança (o fruto do estupro) até os 18 anos. Se ele não puder ou não for identificado, cabe ao Estado pagar a bolsa. É uma chantagem para que as vítimas de estupro tenham os filhos. Porque é essa a família ideal imaginada pelos cidadãos de bem: uma família em que vítima e estuprador convivam numa boa, tudo em nome do feto! Votem NÃO na enquete do Senado !
O artigo 10 do PL ainda diz que o genitor “possui direito à informação e cuidado quando da concepção com vistas ao exercício da paternidade, sendo vedado à gestante, negar ou omitir tal informação ao genitor, sob pena de responsabilidade”. A vítima seria obrigada a manter seu estuprador bem informado sobre o bebê!
Vejam como o PL5434 é nefasto: segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 64% dos estupros no Brasil são contra crianças menores de 14 anos ou vulneráveis. Querem forçar meninas estupradas a serem mães! A menina terá o estuprador como pai de seu filho. O estuprador passa a ter direitos de pai, direitos de visita, até direito de custódia e guarda compartilhada (isso é possível nos EUA ). De repente votam uma lei que se o estuprador genitor casar com a vítima, ele deixa de ser acusado de estupro. Parece exagero? Pois saibam que essa possibilidade de anular a punição ao se casar com a vítima existiu no Brasil até 2005!
A revolta tomou as redes sociais. Duas tags, #bolsaestupro e #GravidezForçada ÉTortura, foram levantadas e chegaram aos TTs. E continuaram hoje.
O PL é um (não) “vale a pena ver de novo” do Estatuto do Nascituro. O próprio senador Girão apresentou em 2019 o PL 3406, que tinha como intenção declarada “inviabilizar toda e qualquer forma de aborto no Brasil”. É um sonho antigo dos conservadores, que veem no bolsonarismo a chance de aprovar todas as suas maldades contra as mulheres, meros úteros com pernas.
A relatora Simone Tebet (MDB-MS) assegura que o projeto não irá à votação no plenário agora, que o texto ainda será modificado, e que não tratará de aborto. Precisamos ficar atentas, sempre!
Não deixem de ler a nota da Frente Nacional contra a Criminalização das Mulheres e pela Legalização do Aborto (FNPLA), que aponta que “Os governos misóginos, fundamentalistas e genocidas têm-se dedicado a desmontar sistematicamente todas as Políticas Públicas tanto da área social como da saúde em particular. Criam novos projetos que propõem políticas já existentes, como esse PL, que na verdade tem o intuito de criminalizar nossas vidas”. A FNPLA lembra que 77% das mortes de gestantes por covid-19 no mundo ocorreram no Brasil. Uma mostra do descaso que o pior governo de todos os tempos têm com as mulheres.
Reproduzo aqui um texto que foi publicado no Esquerda Diário ontem:
O governo de Jair Bolsonaro está tentando colocar em votação no senado o projeto de lei 5435/2020, uma atualização do nefasto estatuto do nascituro, que tem como objetivo criminalizar o aborto nos poucos casos em que o procedimento é legal no Brasil: casos de estupro, risco de vida da gestante e nos casos de fetos anencefálicos. O atual projeto também retorna a macabra proposta de “auxílio” do governo para que as mulheres levem adiante as gestações.
Como já trabalhamos em diversos artigos no Esquerda Diário, o aborto é uma prática extensamente praticada no país. A ilegalidade não coíbe que abortos sigam sendo feitos, o único efeito concreto da ilegalidade é que coloca em risco um número muito grande de mulheres pobres, em sua grande maioria mulheres negras.
Somos as mulheres negras aquelas que menos acesso possuímos à educação sexual e menos ainda, à possibilidade de realizar o procedimento de forma segura em uma clínica e com acompanhamento médico especializado. Segundo a pesquisa Aborto no Brasil: o que dizem os dados oficiais? publicada em fevereiro de 2020 nos Cadernos de Saúde Pública – revista da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) –, são negras, indígenas e moradoras de regiões distantes dos grandes centros, além de adolescentes menores de 14 anos, as grandes vitimadas pelos abortos ilegais no Brasil. A pesquisa confirmou outros estudos que já apontavam que entre as mulheres de 20 a 34 anos que morreram por questões relacionadas ao aborto, 70,5% eram negras.
Isso falando do problema concreto da ilegalidade do aborto no Brasil, mas se paramos para analisar os dados referentes ao que atualmente é atendido pela legislação — caso de estupro, risco de vida da gestante e no caso de feto anencefálico — fica mais evidente a necessidade urgente de lutar pela legalização e acesso ao procedimento de forma segura e gratuita. Segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 63,8% dos estupros que ocorrem no país são de vulneráveis, ou seja, crianças menores de 14 anos ou pessoas com condições físicas ou mentais, que não têm a possibilidade de discernir ou opor resistência. Considerando este dado, só é possível concluir que Bolsonaro e Damares Alves, junto ao congresso e senado, buscam aumentar o contingente de meninas mortas, seja por terem tido que recorrer à insegurança da clandestinidade ou por terem tido que seguir com uma gestação que coloca sua vida em risco.
Por isso, quando colocamos que o que o governo quer concretamente com projetos de leis como o 5435, é criar um enorme contingente de mulheres e meninas tendo que conviver com o trauma de uma violência tão grande como um estupro para o resto de suas vidas. O auxílio que consta no projeto é literalmente um “bolsa-estupro”, e que vindo em um momento de tamanha miséria, desemprego e desamparo social de tantos setores, é uma verdadeira perversidade deste governo.
As mulheres precisam se colocar de pé para barrar essa nova tentativa de avançar sobre o já tão limitado acesso ao aborto em nosso país. Temos o exemplo das mulheres argentinas para nos apoiar, que tomaram as ruas, mulheres e meninas protagonizando a luta, mas também junto aos homens, e arrancaram a legalização do aborto. No mesmo sentido, as mulheres se colocaram em mobilização no Chile, na Polônia e na Tailândia. No Brasil de Bolsonaro, temos que nos colocar de pé e exigir nosso direito ao aborto legal e não permitir que se retroceda nenhum centímetro no direito das nossas meninas a acederem ao procedimento, um triste direito, mas necessário enquanto não destruirmos o machismo e patriarcado e o sistema econômico que os sustentam, o capitalismo.
É urgente que as centrais sindicais, CUT e CTB, dirigidas pelo PT e PCdoB, rompam com sua paralisia e coloquem essa pauta elementar como demanda da classe trabalhadora de conjunto, chamando a mobilizar junto com os movimentos sociais. Essa tentativa de avanço sobre nossas pautas só reforça o chamado a que não podemos esperar! A agenda golpista segue a todo vapor e temos que impor a nossa e agir já contra o governo Bolsonaro, contra Mourão e todo o regime do golpe.
O post “A AMEAÇA DE MAIS UM RETROCESSO CONTRA MULHERES E MENINAS” foi publicado em 23rd March 2021 e pode ser visto originalmente na fonte Escreva Lola Escreva