A COP com dois finais
Pelo menos em um aspecto já se pode dizer que a COP30 tem altíssima ambição: nesta segunda-feira (17), a presidência brasileira anunciou que planeja finalizar a primeira parte do “pacote político” de decisões de Belém na quarta-feira (19), com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na capital paraense. Num dia de anúncios confusos, o presidente André Corrêa do Lago convocou uma coletiva, depois escreveu uma carta, depois fez outra coletiva, para explicar que o Pacote de Belém 1 conterá a Decisão Mutirão, sobre os quatro itens que foram objeto de consultas, e mais de uma dezena de decisões sobre temas “correlatos” da negociação formal. Entre eles estão adaptação e transição justa. Outros tópicos cuja negociação está mais lenta, como o Plano de Ação de Gênero e o artigo sobre mercados de carbono, ficariam para o Pacote de Belém 2, na sexta-feira.
Eu tô te explicando pra te confundir
Ninguém entendeu a estratégia da presidência, nem a razão para tentar puxar o resultado politicamente mais sensível para quarta-feira, muito menos o critério para definir quais itens são “correlatos” com os tópicos da Decisão Mutirão (resposta às NDCs, medidas unilaterais de comércio, financiamento público e transparência). Ana Toni, diretora-executiva da COP, disse em uma das coletivas que eventualmente temas do pacote 2 podem ser trazidos para o 1 e vice-versa. Houve jornalistas levando a sério a piada de André Corrêa do Lago de que a próxima coletiva aconteceria às 3 da manhã de terça-feira. À noite houve países reclamando – dizendo que não confiavam na presidência.
Afinal, é uma decisão de capa?
No domingo à noite, a presidência apresentou um relatório de cinco páginas com o resumo das consultas sobre os quatro itens e uma proposta de como construir um texto de decisão a partir deles. A mágica do Itamaraty operou no processo: o texto era o rascunho de uma decisão de capa, construída com os países e não imposta pela presidência. Com isso, o Brasil neutralizou as críticas normalmente feitas a decisões de capa de que são textos impostos pela presidência e, portanto, sem legitimidade. Para tirar o carma ruim, os anfitriões batizaram-na de “Decisão Mutirão”.
Mapa do caminho dos fósseis sobe no telhado
A proposta do presidente Lula de sair de Belém com um mapa do caminho para implementar a decisão de 2023 de eliminar gradualmente os combustíveis fósseis dos sistemas energéticos ganhou momento ao longo da semana. No dia 6, na abertura da Cúpula de Líderes, só o Brasil a apoiava. No domingo 16, já eram 62 países, incluindo todo o bloco das ilhas (Aosis) e os países latino-americanos (Ailac). Só que não está claro para ninguém onde a presidência pretende “aterrissar” a proposta, ou seja, em que lugar da negociação ela será inserida. Sem uma definição clara, o mapa do caminho corre o risco de ser sacrificado no altar da negociação com os países petroleiros para aprovar os outros temas e fechar a COP sem solavancos. A presidência se fingiu de desentendida todas as vezes que foi perguntada sobre o assunto por jornalistas e observadores.
Torta de climão
Na coletiva de 13h, na segunda-feira, o desconforto da presidência com o tema dos fósseis ficou evidente quando uma pergunta da jornalista Giovana Girardi, da Agência Pública, causou um climão entre o embaixador Maurício Lyrio, secretário de Clima do Itamaraty, e a ministra Marina Silva, chefe da delegação brasileira. Lyrio minimizou a importância e a urgência da aprovação do “roadmap” nesta COP: “A graça da negociação é que ela tem lógica própria e, quando há necessidade de fazer um acordo entre 198 partes, é sempre um processo complexo, não dá para antecipar o resultado. Mas o mais importante é o chamado que o presidente fez, que é apontar para uma direção futura, mas o ritmo dessa negociação e posteriormente implementação, é o ritmo que será ditado também pela vontade dos países. Então é muito importante, e nisso o presidente Lula tem sido muito enfático, é favorecer o multilateralismo, que pressupõe a convivência e a acomodação de interesses distintos.” Marina retrucou do jeito dela: disse que a ideia de um mapa do caminho para os fósseis é “potente” e lembrou que foi uma determinação do Presidente da República que o Brasil trabalhasse por ela. “Quando se trata da razão pela qual o planeta está aquecendo, eu diria que agora, depois de 30 anos, aparece algo para que possamos juntos, dialogando com todos, porque é um processo multilateral, e talvez seja a chance de fortalecimento, de revitalização do multilateralismo, em torna dessa ideia potente que o presidente Lula, pela quarta vez, mencionou aqui”.
Arroto de ovelhas dá Fóssil do Dia à Nova Zelândia
A Nova Zelândia ganhou nesta segunda-feira o antiprêmio Fóssil do Dia, concedido pela rede de ONGs Climate Action Network aos países que mais atrapalham as negociações. O país da Oceania, dono de um imenso rebanho de ovelhas, cortou sua meta de redução de metano de 24% a 47% para 14% a 24% – “tão baixo que o ministro do Clima da Nova Zelândia admitiu que o limite de 14% não está alinhado com 1,5oC”, disse a CAN em comunicado.
O post Belenenses: notas sobre a COP30 (dia 8) apareceu primeiro em Observatório do Clima .
O post “Belenenses: notas sobre a COP30 (dia 8)” foi publicado em 20/11/2025 e pode ser visto originalmente na fonte Observatório do Clima
