Texto: Lúcio Lambranho
Edição: Maurício Angelo
Revisão jurídica: Bruno Teixeira Peixoto
A mineradora Vale tem executado uma série de ações como parte da campanha para tentar limpar a imagem negativa associada a danos ambientais, desrespeito aos direitos humanos e às comunidades tradicionais na COP 30, que começa oficialmente hoje.
Mais do que isso: com incentivos fiscais diretos do governo do Pará, a Vale bancou integralmente a construção da área onde será sediada a própria COP 30 e ainda gerenciou a obra. A maior convenção do clima do planeta, portanto, ocorre em território com gestão da Vale, viabilizada por uma generosa parceria público-privada.
Na corrida para utilizar o evento em Belém como vitrine da “mineração sustentável” que é um “pilar da economia da Amazônia” em suposta harmonia com o meio ambiente, porém, há uma discrepância significativa entre as ações “verdes” da empresa, incluindo a área cultural, e o recorde de lucro acumulado desde Mariana.
A mineradora teve, entre 2015, ano do desastre de Mariana, e o 2º trimestre de 2025, um acumulado de cerca de R$ 335 bilhões de lucro líquido. O valor é mais de 330 vezes maior que o R$ 1 bilhão “em ações socioambientais, pesquisa e desenvolvimento e incentivo à cultura” que a empresa diz ter investido na região amazônica na última década.
É preciso pesar ainda o tamanho da dívida multibilionária da empresa com a União (R$ 48,9 bilhões) e com o próprio governo do Pará, assim como as ações judiciais que enfrenta e os incentivos e benefícios fiscais recebidos pela Vale dentro e fora da Amazônia (R$ 29,8 bilhões).
Além disso, a mineradora, junto com a Samarco, foi multada recentemente pelo CARF em R$ 1,9 bilhão por tentar reembolsar valores dispendidos na reparação do rompimento de Mariana , manobra denunciada pelo Observatório da Mineração em 2020.
É fácil se perder no emaranhado de dezenas de bilhões que a Vale movimenta, lucra e recebe em incentivos públicos – este último dinheiro da sociedade, portanto.
As principais ações na área socioambiental da mineradora estão concentradas no Fundo Vale, que utiliza publicações patrocinadas para tentar se autoafirmar como líder em “mineração sustentável”. O Fundo informa ter investido R$ 430 milhões em negócios de impacto socioambiental, iniciativas de organizações da sociedade civil e diversas outras iniciativas no que classifica como “um legado que alia conservação e restauração ambiental a negócios de impacto”.
A atuação da Vale revela um discurso associado ao greenwashing, segundo a avaliação de especialistas na prática.
Os valores investidos pelo braço socioambiental da mineradora também são menores do que o impacto financeiro somado das principais ações na Justiça listadas pela empresa. Essas ações podem chegar a R$ 28,2 bilhões, dos quais mais de R$ 24 bilhões decorrem de duas causas abertas ainda em 1996 pela Prefeitura de Itabira, em MG, berço da Vale.
A Vale, no entanto, apesar de classificar os dois casos como de “impacto relevante”, só admite como “possível” o pagamento de valores que somam R$ 2,8 bilhões. O valor apenas destas causas também fica acima do investimento da empresa na Amazônia.
Há ainda diversos casos que somam outras dezenas de bilhões de reais em que a atuação da empresa determinou danos coletivos à sociedade, ainda sem julgamento definitivo da Justiça.
Enquanto isso, as ações da mineradora que envolvem o contexto da COP 30 incluem desde um álbum de figurinhas de educação ambiental para as crianças de Belém , passa pelo patrocínio da cobertura das maiores empresas de mídia do Brasil e do treinamento para jornalistas até o show da cantora Mariah Carey, feito em palco flutuante no meio do rio Guamá.
Lavagem verde da Vale é tema de pesquisas
Além do confronto destes valores, a distorção no discurso da mineradora tem sido tema de estudos que apontam para a lavagem verde da empresa.
O mais recente deles, que inclui todo o setor mineral brasileiro, é do Laboratório de Estudos de Internet e Redes Sociais (NetLab) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), no relatório intitulado “Greenwashing na Transição Energética: Como anúncios no LinkedIn distorcem o debate climático e legitimam práticas insustentáveis”.
Dos 2.800 anúncios analisados pela UFRJ, 1.476 (52,7%) apresentavam indícios de greenwashing. O setor de mineração é o que apresenta o maior percentual de anúncios com greenwashing, com 88,6% (78 de 88). A empresa destaca-se na amostragem.
“A mineradora Vale, uma das maiores mineradoras do mundo e uma das principais anunciantes com indícios de greenwashing da amostra, promove o mito da ‘mineração sustentável’ em seus anúncios ao utilizar o pretexto de apoiar a transição energética por meio da extração da matéria-prima utilizada em parques eólicos e solares”, destaca o levantamento.
No artigo “Relações entre greenwashing e desinformação: o caso da mineradora Vale S.A.” , a autora Samora N’zinga Soares Cardoso, que pesquisou as publicações da empresa durante seu mestrado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), investigou o uso da comunicação para confundir os impactos causados pela atividade mineradora.
A pesquisadora analisou todos os conteúdos disponíveis na grade do perfil com maior alcance da empresa, o @valenobrasil, publicados entre 1º de janeiro de 2021 e 16 de junho de 2023, totalizando 236 publicações de 1.067 disponíveis.
“Não é por acaso que a ‘Sustentabilidade Ambiental’ seja o tema mais abordado nas redes sociais da Vale S.A. De acordo com os critérios da agência certificadora norte americana Green Business Bureau levantados por Courtnell (2021), a prática publicitária da Vale poderia ser deflagrada como greenwashing por conter, de forma direta e indireta: 1) camuflagem: ressalta pontos ambientalmente positivos e omite os negativos 2) irrelevância: parte significativa das publicações da instituição não dizem respeito à sua operação econômica e 3) falácia do ‘menos pior’: a Vale se posiciona como empresa modelo e trata o impacto socioambiental como algo efetivamente controlado, uma externalidade necessária para o desenvolvimento socioeconômico do país“, afirma a pesquisadora da UFMG.
Outro exemplo de pesquisa, mas na área contábil e financeira, é o “Relatório corporativo socioambiental e greenwashing: análise de uma empresa mineradora brasileira ” de 2022, que aponta que os relatórios da mineradora melhoram suas informações em relação aos itens de segurança de barragens e indenizações decorrentes dos desastres de Mariana e Brumadinho, mas ressalta nas suas conclusões que “permanecem pouco claras as informações sobre os efeitos da poluição decorrentes das tragédias”.
Analisando o relatório de 2024, o último publicado pela Vale, a empresa continua sem quantificar os prejuízos ambientais dos dois eventos e insiste na narrativa de que a qualidade da água do rio Paraopeba está igual ou melhor ao registrado antes do rompimento.
Empresa e associadas já foram condenadas por tentar “controlar a narrativa”
Práticas desse tipo no âmbito do desastre de Mariana já determinaram a condenação da Vale e de suas associadas na justiça. Em agosto de 2024, Samarco, Vale, BHP e a Fundação Renova foram condenadas por “narrativa fantasiosa”.
Juntas, as empresas foram condenadas a pagar R$ 56 milhões por danos materiais e morais. A ação civil pública ajuizada em 2021, informa o Ministério Público Federal (MPF), demonstrou que a Renova estava veiculando material publicitário que, “propositadamente, continha informações imprecisas, dúbias, incompletas ou equivocadas a respeito de assuntos fundamentais para a população, como toxicidade dos rejeitos, qualidade do ambiente aquático, recuperação de nascentes e bioengenharia, recuperação econômica, indenização e reassentamento”.
“É evidente o desvio de finalidade da fundação, que se prestou a uma campanha publicitária e de marketing para a criação de uma narrativa fantasiosa a favor da própria fundação. A situação, além de demonstrar o desrespeito da Renova ao seu próprio estatuto, evidencia claramente uma falta de respeito em relação às vítimas e à sociedade brasileira”, registra a decisão assinada pelo juiz Vinícius Cobucci.
Segundo a ação, entre 2018 e 2021, a fundação havia empregado R$ 28,1 milhões em publicidade, fato que o juiz classificou como “tentativa de controle da narrativa para criar uma campanha orquestrada de desinformação não é apenas imoral, como ilegal”.

Vale aposta na COP 30 como oportunidade de novos negócios e em “diálogos” sobre sustentabilidade
Não é de hoje que a Vale aposta em ações de marketing para melhorar a sua imagem. Mas a COP 30 levou a intensidade e frequência da propaganda a um novo momento.
Em matéria recente , com a repórter do Valor Econômico viajando a convite da empresa, a Vale mostra a imagem que quer transmitir na COP. A de que todo o setor mineral é sustentável, reforçando argumentos como o de que a preservação das unidades de conservação florestal do mosaico de Carajás, no Pará, é fruto de ação da Vale e não do poder público, como o ICMBio, por se tratar de área que é uma concessão federal.
Não por acaso a Vale também promoveu a conferência “Carajás Roundtable: Avançando na Transição Climática na COP30 e Além “. Segundo os organizadores, o foco foi a sustentabilidade e inovação na região de Carajás, alinhado aos investimentos do Programa Novo Carajás da Vale, que receberá R$ 70 bilhões. A solenidade contou com a presença do presidente Lula.
Fatos como a Vale representar, sozinha, cerca de 2% do consumo de energia elétrica do Brasil e que as metas de “neutralidade em carbono” anunciadas pela empresa em 2022 não incluíam 98% das emissões de CO2 da mineradora , o que a coloca entre as maiores emissoras privadas do planeta, não costumam aparecer na narrativa oficial.
A Vale também é classificada como um dos fornecedores “mais proeminentes” da Hyundai, que tem um padrão alarmante de violações de direitos humanos e desrespeito pelo clima, de acordo com relatório deste ano que cita as minas de minério de ferro em Minas Gerais e na região de Carajás, no Pará, onde a poluição ambiental, segundo o documento, “é desenfreada”.
Indígenas do povo Gavião, que tem a sua terra cortada literalmente pela ferrovia da Vale que sai de Carajás e atravessa boa parte do Maranhão até São Luís para alimentar a indústria siderúrgica global, contam que a mineradora tem, durante décadas, usado táticas de “dividir e conquistar”, além dos impactos cumulativos que causa, conforme matéria especial do Observatório da Mineração mostrou.
Porém, o “diálogo” sobre sustentabilidade também está presente em uma ação de marketing da empresa desde o final de 2024 . Com Gaby Amarantos e Bob Wolfenson, a Vale apresenta as “histórias da Amazônia”, série de minidocumentários na região, mais uma tentativa de mostrar suas ações socioambientais com a contratação de famosos e influenciadores.

Capital internacional tem impulsionado expansão da Vale
“Sem dúvidas, nas minhas pesquisas, a Vale se destaca entre as mineradoras que praticam o chamado “greenwashing”, pelo refinamento do discurso climático e pelo seu alcance em nível nacional, pelo grande investimento em projetos e programas de ‘descarbonização’ e pelo seu capital político na construção da agenda. Ao mesmo tempo, a empresa mantém as práticas predatórias e destrutivas inerentes à grande mineração, afetando direta e indiretamente territórios e comunidades tradicionais”, comenta Caroline Bolleta de Oliveira Aguiar – Doutoranda pelo CPDA/UFRRJ e integrante do coletivo de Pesquisa Desigualdade Ambiental, Economia e Política.
Parte significativa do capital internacional tem ajudado a turbinar as operações da Vale em todo o mundo e o recorde de lucro que a mineradora acumula na última década, mesmo sendo responsável por dois dos maiores e piores desastres da história da mineração mundial.
Entre 2016 e 2024, uma pesquisa da Florestas & Finanças identificou US$ 15,8 bilhões em crédito para as operações da Vale no Brasil, com 14 bancos fornecendo mais de meio bilhão de dólares cada. Quatro investidores detinham, em junho de 2025, mais de US$ 1 bilhão cada em títulos e ações das operações brasileiras da Vale. Eram eles: Caixa (US$ 3,1 bilhões), BlackRock (US$ 2,9 bilhões), Capital (US$ 2,8 bilhões) e Vanguard (US$ 1,5 bilhão).
Os cinco maiores credores da Vale foram o Bank of America, Mitsubishi UFJ Financial, Citigroup, Crédit Agricole e SMBC Group, que, juntos, somaram quase US$ 6 bilhões em créditos, com a maior parte direcionada ao ferro, em comparação com outros minerais de transição.
No entanto, nem todos os investidores estão dispostos a ignorar as más práticas da Vale, já que 48 fundos de pensão e investidores excluíram publicamente a Vale de seus portfólios, segundo o Financial Exclusion Tracker . A empresa também admite que está sendo processada por investidores estrangeiros em duas ações ainda sem julgamento definitivo no Tribunal Federal de Nova York.

Vale nega prática de greenwashing e enumera ações em todas as áreas
A mineradora afirmou, em resposta à reportagem do Observatório da Mineração, que não pratica greenwashing em suas ações e defendeu sua atuação nas COP’s.
“O ‘greenwashing’ caracteriza-se quando o discurso de uma empresa está totalmente desconectado de suas práticas. Esse não é o caso da Vale. Historicamente, a empresa participa das COPs porque entende que, para avançar na agenda climática, é necessário um esforço coletivo e consistente, que envolva diferentes setores da sociedade. A mineração desempenha um papel essencial na jornada global em direção a uma economia de baixo carbono”, alega a empresa.
Segundo o comunicado, a mineradora atua na Amazônia há 40 anos, “com o compromisso de manter a floresta em pé e promover formas sustentáveis de viver e conviver na região”. E diz que “ao longo desse período, construiu um histórico sólido e consistente de iniciativas socioambientais, o que a credencia a abordar o tema da sustentabilidade em suas comunicações e ações institucionais”.
Na resposta enviada a Vale também enumera suas ações na região, incluindo o valor já citado de R$ 430 milhões por meio do seu fundo socioambiental:
“A empresa ajuda a proteger cerca de 1,1 milhão de hectares de florestas, sendo 800 mil hectares na Amazônia, em parceria com o ICMBio, uma área cinco vezes maior que a da cidade de São Paulo. As operações da empresa ocupam cerca de 3% disso, enquanto 97% permanecem protegidas.
Na última década, a Vale investiu mais de R$ 1 bilhão em ações socioambientais, pesquisa e desenvolvimento e incentivo à cultura na região, dos quais R$ 910 milhões foram voluntários. Por meio do Fundo Vale, mobiliza uma rede de 90 parceiros, com aportes superiores a R$ 430 milhões, prioritariamente na Amazônia, apoiando 146 iniciativas que visam manter a floresta em pé e beneficiam cerca de 60 mil produtores rurais e extrativistas e suas famílias, além de promover a recuperação de mais de 18 mil hectares.
O Instituto Tecnológico Vale (ITV-DS) atua há 15 anos na Amazônia como centro de pesquisa e desenvolvimento, com investimentos de cerca de R$ 600 milhões em projetos científicos do bioma.
O Instituto Cultural Vale (ICV), criado em 2020, é hoje o maior investidor privado em cultura do Brasil, tendo aplicado R$ 1,228 bilhão em mais de mil projetos culturais entre 2020 e 2024.
Além disso, por meio da Lei de Incentivo ao Esporte, a Vale também é o maior investidor privado em esporte no país, com R$ 375 milhões aplicados entre 2021 e 2024 em projetos que beneficiaram mais de 275 mil pessoas em 117 municípios”, finalizou a empresa.
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Fonte
O post “Lucro da Vale é mais de 330 vezes maior do que investimentos da mineradora na área socioambiental na Amazônia” foi publicado em 10/11/2025 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte Observatório da Mineração
