Quem frequenta as praias mais famosas do Rio de Janeiro, Ipanema e Copacabana, não imagina a riqueza que se esconde nas águas oceânicas que banham a metrópole carioca. Boa parte dessa rica biodiversidade pode ser vista nas páginas do recém-lançado “Guia de Biodiversidade Marinha e Mergulho das Ilhas do Rio ”. A publicação é resultado do trabalho de quase uma década do Projeto Ilhas do Rio e traz um inventário com 302 espécies marinhas que ocorrem em 12 ilhas do litoral carioca, com destaque para o arquipélago das Ilhas Cagarras.
Quando virou unidade de conservação, em 2010, o conjunto de 6 ilhas (Palmas, Comprida, Cagarra e Redonda, Filhote da Cagarra e Filhote da Redonda) que compõem o Monumento Natural das Ilhas Cagarras (RJ) , pouco se sabia sobre as espécies que ocorriam por ali. Em parceria com o Ilhas do Rio , que teve início no ano seguinte à criação (2011), começou o esforço de levantamento da fauna e flora da zona costeira carioca. O guia de 360 páginas, ricamente ilustrado com fotos e mapas, é a materialização desse esforço e um passo adiante na missão de, através do conhecimento, reforçar a importância da proteção desses ambientes.
“O Projeto Ilhas do Rio nasceu quase junto com o Monumento Natural (MoNa ) das Ilhas Cagarras e construiu uma parceria muito forte com o ICMBio, órgão gestor da unidade. Toda essa sinergia se reflete no conhecimento científico, na educação ambiental e na conservação da biodiversidade e dos ambientes. O arquipélago das Cagarras é um símbolo para o Rio de Janeiro, emoldura o horizonte da praia e é a primeira unidade de conservação de proteção integral marinha da cidade – isso é muito significativo. Essas ilhas fazem parte do cotidiano do carioca e saber que nelas existem mais de 600 espécies de animais e plantas marinhas e terrestres só faz agregar valor e despertar no cidadão o amor e a vontade de conservar aquilo”, conta o pesquisador do Ilhas do Rio, Fernando Moraes, que também é um dos 19 autores do livro.
“Essa é a mensagem do livro e do projeto para sociedade: vamos conhecer, vamos apoiar a ciência, a educação, as unidades de conservação, porque é um bem difuso, é um bem comum, isso é de todos nós”, completa o biólogo. Além do arquipélago de Cagarras, o livro retrata a biodiversidade encontrada em outras 6 ilhas cariocas: as Ilhas Rasa e Cotunduba e os arquipélagos das Tijucas e Maricás.
O livro conta com centenas de fotografias submarinas, uma fina seleção das mais de 20 mil que se acumularam no banco de imagem do projeto ao longo dos seus quase 10 anos de atuação. Ao todo, o guia traz 302 espécies: são 17 algas, 158 invertebrados, 116 peixes, 5 aves e 6 cetáceos; entre espécies comuns, raras, ameaçadas de extinção e até mesmo endêmicas . Uma das ilustres presenças no guia é a esponja-carioca (Latrunculia janeirensis), que ocorre nas Ilhas Redonda e Rasa, e é reconhecida como vulnerável no Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção, publicado em 2018 pelo ICMBio . Difícil de ser visualizada pela sua coloração marrom-esverdeada, a esponja não leva o carioca no nome à toa, pois só é encontrada no Rio de Janeiro.
Entre as descobertas surpreendentes feitas pelos pesquisadores está a Ralpharia sanctisebastiani, espécie que não era encontrada na natureza desde a década de 1980. “É um hidrozoário, um primo dos corais, para falar de forma bem genérica, que era conhecido apenas para região de São Sebastião, em São Paulo. Além dessa distribuição geográfica bem restrita, ele não era visto na natureza há 20 anos, e nós encontramos ele aqui, na ilha de Cotunduba, na entrada da Baía de Guanabara! É muito gratificante ver que mesmo nesse ambiente que sofre tantas pressões a gente encontra raridades como essa”, conta Fernando.
Além do guia sobre fauna e flora, o livro destaca 10 pontos de mergulho nas ilhas e traz informações sobre a profundidade, formação do fundo, visibilidade da água; além de dicas sobre as espécies mais comuns de serem avistadas na área. A seção sobre mergulho é uma forma de ressaltar as potencialidades da atividade nas águas do litoral carioca, muitas vezes preteridas por mergulhadores que subestimam a riqueza dos ambientes marinhos de ambientes tão próximos à metrópole. Há inclusive dois naufrágios que podem ser explorados: um vapor alemão naufragado em 1890, que pode ser visitado por mergulhadores experientes na Ilha Rasa; e um navio francês que pode ser visitado até por iniciantes nas Ilhas Maricás.
A visitação no Monumento Natural das Ilhas Cagarras, com atividades como mergulho e turismo embarcado, já ocorre, apesar de ainda não ter sido regulamentada – algo que deve ocorrer ainda em 2020, através do Plano de Uso Público da unidade.
“As ilhas estão tão próximas do Rio de Janeiro, mas poucas pessoas sabem que ali existem pontos onde é possível mergulhar praticamente o ano todo, onde se pode visualizar peixes diversos como marimbás, sargentinhos, peixes-borboleta, peixes-cirurgião, bodiões, donzelas, e também cavalos-marinhos, moreias, raias, tubarões, tartarugas, além de diversos invertebrados marinhos, como esponjas, corais, moluscos, anêmonas, estrelas e ouriços-do-mar”, escreve no prefácio do guia a gestora do MoNa do Arquipélago das Ilhas Cagarras, Tatiana Ribeiro.
Dentre os animais que ocorrem na região costeira carioca estão também espécies de alto valor econômico para pesca, como o polvo-comum (Octopus vulgaris). A atividade pesqueira, apesar de não ser permitida dentro dos limites da área protegida de Cagarras, ocorre no entorno e os próprios pescadores se tornaram aliados do projeto. “Essa parceria com o Projeto Ilhas do Rio só somou porque eles também deram condições ao pescador, como curso de inglês, e o pescador ganhou conhecimento, não só sobre o mar, que é o nosso trabalho, mas também sobre aves, plantas e sobre as ilhas”, conta a presidente da Colônia de Pescadores Z13, Katia Janine.
“A gente não trouxe o pescador para trabalhar conosco, nós estamos trabalhando junto com o pescador, é uma troca”, pontua Fernando. A parceria rendeu inclusive um centro de visitantes, com informações sobre o Projeto e as ilhas, que fica na própria Colônia dos Pescadores, no Posto 6, na praia de Copacabana. “Tudo isso ajuda a valorizar a arte da pesca e mostrar ao pescador a importância das ilhas e de respeitar os limites da conservação da área protegida porque aquela zona é um berçário essencial para sustentabilidade da pesca no entorno”, conclui o biólogo.
A ideia é que o “Guia de Biodiversidade Marinha e Mergulho das Ilhas do Rio” funcione como uma fonte de consulta prática para mergulhadores, pesquisadores, pescadores, estudantes e qualquer um interessado. As fotografias trazem identificação taxonômica e o nome popular das 302 espécies, além de detalhes como fases de vida e colorações distintas entre machos e fêmeas – para facilitar a identificação correta.
“Essa é uma publicação robusta, em forma de guia, bem didática, acessível à população, do pesquisador ao aluno, ao pescador e ao curioso; e vem pela Série Livros, do Museu Nacional, o que dá um lastro científico ao projeto”, acrescenta Fernando. O livro é bilíngue e está disponível em pdf no site do projeto . Além disso, através da parceria com o Museu, o livro será enviado à diversas instituições de pesquisa do Brasil e do mundo.
Projeto Ilhas do Rio
O Guia de Biodiversidade é a terceira publicação do Projeto Ilhas do Rio sobre o Monumento Natural (MoNa) das Ilhas Cagarras, as Ilhas Rasa e Cotunduba e os arquipélagos das Tijucas e Maricás – onde atua o projeto. O projeto foi criado em 2011 pela ONG Instituto Mar Adentro e conta com o patrocínio da Petrobras por meio do Programa Petrobras Socioambiental e parcerias com ICMBio, Colônia de Pescadores Z-13, Museu Nacional/UFRJ, Instituto de Pesquisa do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, entre outros.
Saiba Mais
Guia de Biodiversidade Marinha e Mergulho das Ilhas do Rio
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O post “Guia retrata a rica biodiversidade das águas e ilhas cariocas” foi publicado em 7th January 2020 e pode ser visto originalmente na fonte ((o))eco