As venezuelanas indígenas warao Marcelina e Hermínia tiveram em novembro uma semana repleta de novidades. Abrigadas em Roraima, elas fizeram sua primeira viagem de avião e chegaram a São Paulo, onde expuseram o artesanato que produzem a partir da palha do buriti .
“Nunca imaginei que estaria em São Paulo, mostrando nossa arte e cultura. Estamos muito felizes de estar aqui”, disse Hermínia, durante a abertura da exposição “Odiju – Árvore da Vida Warao”, no museu A CASA do Objeto Brasileiro.
Matéria-prima para produção de moradia, alimentos, medicamentos e madeira para as canoas, o buriti é transformado em arte pelas mãos de artesãs warao que saíram da Venezuela e vivem atualmente nos abrigos Janokoida e Pintolândia, em Roraima.
A exposição, que ficou em cartaz até 20 de dezembro, faz parte do projeto de artesanato realizado pelas mulheres do grupo Nona Anonamo, composto por indígenas warao refugiadas no Brasil e abrigadas em Roraima. Além de estabelecer uma cadeia de valor justa para as artesãs, o projeto busca abrir mercados para seus produtos fora de Roraima.
Por meio do artesanato, as mulheres warao têm preservado sua cultura milenar, compartilhando com outras gerações as técnicas de produção de cestos, vasos, chapéus, bolsas, bandejas e outras peças com a palha do buriti.
“Ojidu é buriti em Warao. Significa avó, está ligado à fonte da vida”, revela Marcelina, ressaltando a relação do seu povo com esta árvore — abundante na Amazônia brasileira e venezuelana.
Fonte de renda
Com apoio da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), da ONG Fraternidade — Federação Humanitária Internacional (FFHI) e da União Europeia, o artesanato com palha de buriti tem se tornado uma fonte de renda para essa população.
As peças que compõem a exposição viajaram cerca de 4 mil quilômetros em aviões da Força Aérea Brasileira, em coordenação com a Operação Acolhida — resposta humanitária do governo federal aos refugiados e migrantes venezuelanos que chegam ao Brasil apoiada por agências da ONU e entidades da sociedade civil. Muitas foram vendidas no dia da abertura da mostra, e novos lotes estão a caminho.
A diretora do museu, Renata Mellão, entrou em contato com o artesanato warao a partir de reuniões com a equipe do ACNUR em São Paulo. Ela se impressionou com a beleza e qualidade dos objetos e se encantou com a história de vida de mulheres como Marcelina e Hermínia.
“Já queríamos trabalhar com a população refugiada e reconhecer suas contribuições culturais para nosso país. Foi quando o ACNUR sugeriu que o projeto focasse na população indígena e nessa belíssima produção. Viajamos para Roraima e, de imediato, nos apaixonamos”, afirma a diretora.
“Existe um trabalho de proteção muito profundo neste projeto, que é o de conciliar a preservação de uma cultura milenar com a proteção e auto sustentabilidade de uma população tão vulnerável quanto a dos warao venezuelanos”, afirma o representante do ACNUR no Brasil, Jose Egas. “Estamos muito orgulhosos e animados para que o projeto ganhe força e beneficie essa população”, completa Egas.
Além de apreciar o artesanato warao, os visitantes da exposição podem comprar as peças expostas e contribuir para que seja desenvolvida uma cadeia de produção do artesanato com geração de renda para as artesãs e suas famílias.
“Minha conta deu 900 reais”, afirma a empresária Flávia Moré, que levou para casa uma rede e diversos cestos. “As peças são maravilhosas, e o mais incrível é o impacto artístico que elas têm”, afirma a empresária.
Um longo caminho
Além dos milhares de quilômetros percorridos desde a Venezuela até o Brasil em busca de proteção, segurança, alimento e saúde, o mais longo caminho percorrido por Marcelina, Hermínia e outros cerca de 50 mil indígenas warao que existem hoje no mundo é o de sua trajetória ancestral, cujos primeiros registros são datados há 8 mil anos.
O deslocamento dos warao para o Brasil se iniciou em 2016, sendo notado inicialmente na cidade de Pacaraima, na fronteira do Brasil com a Venezuela e principal ponto de entrada dos mais de 200 mil venezuelanos que se encontram atualmente no país.
No abrigo Pintolândia, gerenciado pela FFHI em parceria com o ACNUR, os gestores buscam a inserção econômica dessa população. “Começamos um trabalho de resgate, pois as mulheres estavam nas ruas mendigando dinheiro para sobreviver”, afirma a coordenadora da FFHI, Clara. “Verificamos que as mulheres eram especializadas em trabalhos manuais. Então montamos o projeto de artesanato e o batizamos como Nona Anonamo, que significa ‘Mulheres que Tecem’”, explica a missionária.
As artesãs começaram a produzir a partir de tecidos de roupas doadas, única matéria-prima disponível àquela época. Blusas, calças e vestidos eram desmanchados e se tornavam lindas saias e batolas (vestidos) que encantavam quem passava pelo abrigo. Ao longo do tempo, o projeto começou a comprar a palha do Maranhão e a produção ganhou força e notoriedade em Roraima.
Ao longo do tempo, a produção ganhou força, com mulheres como Marcelina e Hermínia transmitindo seus conhecimentos principalmente para as mais jovens. “Tem mulheres que na Venezuela já tinham largado o costume, e aqui retomaram. Vemos cada vez mais filhas que se aproximaram de suas mães por conta disso. Elas querem aprender, estão encontrando um enorme valor na produção do artesanato”, comentou Júlia Capdeville, antropóloga da FFHI.
Vivendo longe dos seus locais de origem a tanto tempo, Marcelina e Hermínia se emocionaram ao ao provar tradicionais arepas venezuelanas servidas no evento. Enquanto comiam, antes do início da exposição, aproveitaram cada mordida para lembrar da sua terra natal. “Essas arepas têm gosto de verdade. Estão uma delícia. Faz quatro anos que não sentia o gosto de casa”, afirmou Marcelina, aprovando a comida preparada por uma família venezuelana refugiada em São Paulo.
Durante sua estadia em São Paulo, Hermínia e Marcelina conduziram uma oficina para 20 mulheres aprenderem sobre o trabalho das artesãs Warao e o manejo da palha do buriti. A experiência também abriu caminhos para sonharem com novas possibilidades. Durante o tempo livre que tiveram, foram conhecer a Avenida Paulista e o Museu de Arte de São Paulo, o MASP. “Vimos muita arte bonita. Agora estamos sonhando em expor lá também, quem sabe”, disse Marcelina com um sorriso no rosto.
Proteção e resiliência – O apoio da União Europeia à exposição “Odiju” se dá por meio de um projeto implementado com ACNUR e UNFPA, que investe no fortalecimento da resposta aos venezuelanos na região norte do Brasil e na promoção da proteção de populações em maior situação de vulnerabilidade, como é o caso dos indígenas Warao.
De acordo com a Polícia Federal, cerca de 212 mil venezuelanos encontram-se no país, sendo 115 mil solicitantes de refúgio e 97 mil residentes temporários. Segundo estimativas das Nações Unidas, quase 4,5 milhões de venezuelanos já deixaram seu país.
Criada em fevereiro de 2018 pelo Governo Federal, a Operação Acolhida tem o apoio de agências da ONU (inclusive ACNUR e UNFPA) e organizações da sociedade civil (como a FFHI). A iniciativa operacionaliza a assistência emergencial para o acolhimento de pessoas refugiadas e migrantes da Venezuela em situação de maior vulnerabilidade. A resposta é dividida em três eixos principais: ordenamento de fronteira, abrigamento e interiorização.
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