Quando você abrir esta newsletter, faltarão 30 dias para a COP30, e menos do que isso para a Cúpula de Líderes, em 6 de novembro. E o que três anos atrás parecia a promessa de um momento de virada na luta global contra a crise do clima hoje ganhou ares de um tremendo anticlímax.
Quando o recém-eleito Luiz Inácio Lula da Silva discursou no Egito em novembro de 2022 oferecendo o país como sede da COP, o Brasil e o mundo eram outros. Acabávamos de sair de um regime ecocida e parecia que finalmente a ficha da economia verde havia caído para o governo federal. De lá para cá, porém, tivemos uma tentativa de golpe de Estado, um Congresso sequestrado pelo agro e pela extrema-direita e sequestrando por sua vez o Orçamento público, um Palácio do Planalto com fixação petroleira, um recuo generalizado dos países em relação à eliminação gradual dos combustíveis fósseis, Gaza e Trump. Mesmo com os dois anos mais quentes da história seguidos, o clima desceu a ladeira das prioridades da agenda global. A lambança que o Brasil fez com a logística de Belém completou o quadro: caminhamos para uma COP esvaziada, cara, com delegações reduzidas, com acordos importantes bloqueados entre os países e que muita gente preferiria pular.
O problema é que não dá para pular Belém. O mundo não pode perder mais um ano de ação climática, sob pena de mais mortes e prejuízos por eventos extremos. Mesmo sem hotel, a COP30 precisa entregar uma série de resultados fundamentais, de um pacote de adaptação a um mecanismo de transição justa, de uma resposta a metas insuficientes a um mapa do caminho para o fim do petróleo. As circunstâncias não ajudam, mas até por isso Belém ainda pode fazer história.
Boa leitura.
Crescem pedidos por “decisão de capa” em Belém
Brasil se opõe (pero no mucho) a ideia de documento político para tratar temas difíceis
A um mês da COP30, ninguém sabe ainda como tratar um pequeno detalhe que não está na agenda oficial da conferência: o que fazer para pôr em prática a determinação de atacar as causas do aquecimento global, os combustíveis fósseis e o desmatamento. Um clamor ganha força entre a sociedade civil e alguns países: eles acham que Belém precisa de uma decisão de capa.
Decisões de capa são documentos políticos que “recobrem” o pacote de textos negociados numa COP. Eles resumem os principais resultados da conferência, mas também introduzem temas novos que a presidência ache importante tratar. Em Glasgow, em 2021, por exemplo, uma decisão de capa propôs a redução gradual do uso de carvão (originalmente a ideia era falar da eliminação gradual de todos os combustíveis fósseis, mas EUA, Índia e China se opuseram).
Observadores da sociedade civil e países como os da União Europeia acham que Belém precisa de uma decisão de capa para dar conta de temas que estão “órfãos” na negociação formal. O principal deles é a resposta política à insuficiência das NDCs: embora elas ainda não tenham sido entregues, já está claro que no agregado as metas dos países para 2035 ficarão muito, muito longe de manter o aquecimento global em 1,5ºC, como dita o Acordo de Paris. Mas, como as NDCs são de responsabilidade de cada país, não existe nenhum lugar para tocar no assunto (ou sugerir aos países maneiras de revisitar as próprias metas e aumentar sua ambição) na agenda da COP.
O estabelecimento de um calendário e de critérios para a saída gradual dos fósseis é outro assunto candente implorando por uma decisão de capa. Em 2023, em Dubai, o mundo jurou de dedinho que iria fazer uma transição energética “justa, ordenada e equitativa”, mas nunca detalhou como nem em que prazo. Espera-se que Belém possa começar a dar tratos a essa bola, mas não há lugar para isso na negociação.
O Brasil, presidente da COP30, é um conhecido opositor de decisões de capa. O Itamaraty considera que elas são menos legítimas que decisões formais negociadas e tem dito que Belém não terá uma; afinal, se o tema é assim tão importante, por que não colocá-lo formalmente na agenda?
Essa oposição já foi maior, porém. Em setembro, o presidente da COP, André Corrêa do Lago, enviou aos países sua sexta carta detalhando suas visões para a conferência – e abordou exatamente os temas órfãos, que estão sendo objeto de consultas entre os países. Há quem enxergue nas consultas um sinal de que o Brasil está mais maleável ao tema. Nesta segunda-feira, ministros e chefes de delegação de mais de três dezenas de países estarão em Brasília para a ministerial pré-COP, e certamente o assunto da decisão de capa (que alguns fofoqueiros qualificados vêm chamando também de “decisão-ônibus”, por sua abrangência) virá à baila.
Transição
Brasil pode expandir biocombustíveis sem desmatar
Estudo lançado na última quinta-feira (9/10) pelo Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema) com apoio do GT Clima e Energia do Observatório do Clima mostrou que o Brasil pode mais do que dobrar a produção e o consumo de biocombustíveis até 2050 com salvaguardas socioambientais e recuperação de áreas naturais, sem que isso resulte em novos desmatamentos. “Biocombustíveis no Brasil: alinhando transição energética e uso da terra para um país carbono negativo” apontou que o cultivo agrícola adicional para biocombustíveis pode utilizar entre 20 e 35 milhões de hectares (Mha), dentro dos 56 Mha de pastos degradados disponíveis para expansão da agricultura de uma forma geral. Esse montante seria compatível com uma política que visa eliminar o desmatamento e recuperar áreas naturais, além de expandir a agricultura de alimentos e de outras matérias-primas. Mais aqui .
Troféu cara de pau
Agro quer recompensa por cumprir a lei
A recusa do agronegócio em assumir sua parcela de responsabilidade nas emissões de gases-estufa do Brasil foi tema de reportagens de Claudia Antunes, em Sumaúma , e Paula Ferreira, no Estadão . Desde o final de julho, quando o governo brasileiro abriu consulta pública sobre o Plano Clima Mitigação, o setor tem tentando minar a política pública, que identifica poluidores climáticos para desenhar a rota de redução das emissões brasileiras. “Os documentos do Plano Clima Mitigação deixaram explícito o que todos os especialistas em clima já sabiam: a agropecuária responde por quase 70% das emissões brasileiras. (…) No entanto, as associações e empresas do setor e seus representantes no Congresso não gostaram de se ver nesse retrato. Entre outros argumentos, alegam que o plano prejudica a imagem do ‘agro’, o expõe à crítica de concorrentes externos e pode afetar suas exportações”, explica Sumaúma.
O setor rejeita o que deve ser sua maior contribuição para o Plano Clima – reduzir o desmatamento. Na prática, tenta barganhar uma espécie de “recompensa” por não cometer um crime, ao reivindicar que áreas que já é obrigado por lei a não desmatar sejam incluídas na conta de remoção de emissões. Como destacou o Estadão, e como já contamos nesta newsletter, as organizações da rede do Observatório do Clima defendem que a contagem de remoções do agro considere a preservação só nos casos em que se preserve mais do que é exigido pelo Código Florestal, reduzindo o desmate legal e respeitando o princípio da “adicionalidade” (consagrado internacionalmente para avaliar emissões e remoções de CO2).
Novo anormal
Setembro de 2025 foi o terceiro mais quente da história, diz Copernicus
A média da temperatura global em setembro de 2025 foi a terceira mais alta já registrada para o mês, segundo dados divulgados na quinta-feira (9/10) pelo serviço Copernicus, o observatório climático da União Europeia. O levantamento aponta que a temperatura média do ar de superfície ficou em 16,11°C, 0,66°C acima da média de setembro de 1991-2020 e apenas 0,07°C mais frio do que setembro de 2024. O mês de setembro mais quente da história segue sendo o de 2023, no qual foi registrada uma média de 16,38º C, mas a diferença de 0,27°C foi avaliada como insuficiente para conter a emergência atual. Leia mais .
Central da COP
Resultados do jogo
Edital da Central da COP selecionou 28 de 277 inscritos
Os 28 projetos selecionados pelo Edital Público de Seleção de Propostas Culturais da Central da COP, lançado em agosto, irão compor a programação da Central, paralela à COP30. O Instituto de Ciências da Arte (ICA/UFPA) e o Teatro Waldemar Henrique, espaços da Central da COP em Belém, serão palco de oito peças teatrais, seis performances artísticas, cinco espetáculos musicais, cinco oficinas, três exibições de filmes e uma exposição artística. Confira o resultado completo aqui .
Sócio-torcedor
O investimento dos bancos nos combustíveis fósseis
Um novo relatório da Arayara revela uma lista de bancos que financiam a expansão dos combustíveis fósseis na América Latina e no Caribe. Entre 2022 e 2024, 297 instituições financeiras concederam empréstimos que totalizam US$138,5 bilhões para projetos com petróleo e gás – 92% desse valor veio dos países Estados Unidos, Canadá, Europa, China e Japão. No Brasil, como destaca a reportagem de Luz Dorneles , a Petrobras aparece como a empresa que mais capta recursos de bancos para petróleo e gás. A estatal recebeu cerca de US$8,02 bilhões.
Camisa 6.4
O debate sobre o mercado de carbono em Bonn
Entre 6 e 10 de outubro, o Órgão Supervisor da COP se reuniu em Bonn, na Alemanha, para definir o “padrão de permanência” do mecanismo de crédito de carbono previsto no Artigo 6.4 do Acordo de Paris. Esse padrão define por quanto tempo o carbono deve permanecer armazenado para que os créditos sejam válidos e a redução das emissões de gases de efeito estufa seja eficiente. Matéria de Florence Laloë explica que a reunião de Bonn é uma etapa inicial e que as decisões sobre o tema podem ser feitas na COP30, em Belém.
Na playlist
Está no ar uma temporada expressa do Tempo Quente, podcast da Rádio Novelo sobre a crise do clima com coprodução da Agência Pública e do OC. O Esquenta para a COP30 traz seis episódios com entrevistas que ajudam a esclarecer os principais temas em discussão na conferência.
Gostou? Assine!
O post Na newsletter: 30 dias para a COP, a cara de pau do agro e um alento para os biocombustíveis apareceu primeiro em Observatório do Clima .
O post “Na newsletter: 30 dias para a COP, a cara de pau do agro e um alento para os biocombustíveis” foi publicado em 14/10/2025 e pode ser visto originalmente na fonte Observatório do Clima