Antes mesmo de a oposição ao governo derrubar a Medida Provisória (MP) 1303/2025, que elevaria impostos sobre setores da economia para aumentar a arrecadação a partir de 2026, as bets já tinham saído vencedoras.
No dia 7 de outubro, véspera da derrubada da apelidada “MP do IOF” no Congresso, o relator, deputado Carlos Zarattini (PT-SP), havia desistido de aumentar a taxação dos lucros de operadoras de apostas esportivas para gastos sociais de 12% para 18%, como inicialmente proposto pelo governo. O recuo do relator foi explorado pela oposição em discursos e entrevistas , e alvo de articulações nos bastidores .
A Agência Pública encontrou digitais da bancada ruralista e do Instituto Pensar Agro, que promove o lobby do agronegócio, em parte das 678 emendas apresentadas por parlamentares no bojo da MP do IOF.
Atual vice-líder da Frente Parlamentar Agropecuária, o deputado Arnaldo Jardim (Cidadania-SP) apresentou, em 17 de junho, uma emenda que propunha taxação de 16% dos lucros para gastos com “seguridade social”, em vez dos 18% propostos pelo governo. O texto começava assim: “a presente proposta foi elaborada a partir [de] debates com a Frente Parlamentar Agropecuária – FPA e o Instituto Pensar Agro”. Também conhecido pela sigla IPA, o instituto reúne as maiores multinacionais do agro e serve como ‘cérebro’ do lobby ruralista na capital federal.
Como mostra o portal do Congresso Nacional , na justificativa, Jardim usou o mesmo texto contido em outras oito emendas apresentadas naquela data por outros dois senadores e seis deputados – todos da bancada ruralista . São eles: os senadores Jorge Seif (PL-SC) e Soraya Thronicke (Podemos-MS) e os deputados Daniela Reinehr (PL-SC), Domingos Sávio (PL-MG), Luiz Fernando Vampiro (MDB-SC), Luiz Ovando (PP-MS), Rafael Simões (União–MG) e Silvia Waiãpi (PL-AP).
No caso da emenda do senador Jorge Seif , o parlamentar ressalta que as mudanças trariam benefícios “sem comprometer a competitividade das operadoras” de apostas.

Aumento zero?
Se alguns membros da bancada ruralista foram contidos ao pedirem a redução de apenas dois pontos percentuais do valor destinado à “seguridade social” na comparação com a proposta do governo para a MP do IOF, houve quem fosse mais ousado.
O deputado federal João Carlos Bacelar Batista (PV-BA) pediu, por meio de outra emenda , que fosse retirada do texto o aumento da taxação das casas de apostas por completo, mantendo a tributação nos atuais 12%. Bacelar é autor de outra proposta, de 2023, para que apenas ganhos em casas de apostas superiores a R$ 10 mil fossem tributados no Imposto de Renda.

Nos últimos anos, o deputado tomou a dianteira em diferentes discussões sobre a legalização e regulamentação das bets . Ainda em 2023, o deputado do PV sugeriu ao menos sete emendas à MP que então regulamentava as bets temporariamente, antes da aprovação da lei que regulamentou a atividade no país. Uma dessas emendas sugeria que fosse “permitida a intermediação de apostas de loterias por agentes privados ”, e não apenas às operadoras de apostas esportivas.
Em 2019, Bacelar Batista liderou a criação da Frente Parlamentar Mista pela aprovação do Marco Regulatório dos Jogos. Com as bets sem regulamentação à época, ele disse : “os brasileiros jogam e jogam muito. Nas loterias oficiais, bancadas pelo governo; 20 milhões de brasileiros jogam este jogo genuinamente brasileiro, que é o Jogo do Bicho; milhões estão aí nos jogos online; outro número muito grande está no bingo. Enfim, os brasileiros não estão impedidos de jogar, o governo brasileiro é que está impedido de arrecadar”.

Redução drástica
O primo de Bacelar Batista, o liberal João Carlos Bacelar (PL-BA) , e o republicano Gabriel Mota (Republicanos-RR) , ambos da bancada ruralista, foram ainda além: propuseram um corte dos atuais 12% dos lucros das casas de apostas para apenas 3%.
Em sua justificativa , o liberal Bacelar alegou que a “medida proposta pelo Governo compromete a permanência de diversas empresas no território nacional, reduzindo significativamente sua margem operacional”. Sem citar nomes, o deputado disse que “diversas operadoras já manifestaram a intenção de devolver suas licenças e encerrar suas atividades no Brasil, agravando ainda mais o quadro de informalidade”. No passado, o deputado também foi autor de um projeto de lei “contra agentes ilegais” no ramo das apostas.

A Pública procurou todos os parlamentares citados para entender os motivos de seus pedidos por taxações menores que a planejada pelo governo sobre as bets.
Apenas a equipe do senador Jorge Seif se manifestou sobre o assunto, após a publicação da reportagem, afirmando que sua emenda representaria “um aumento de mais de 30% na tributação” e que a medida seria uma “ótima alternativa à taxação das LCA’s e demais fontes de financiamento do setor agropecuário” e concluiu: “As emendas foram feitas em sinergia com as demandas do setor, contudo passam pela decisão individual e soberana do mandato parlamentar, em concordância com a proposta”.
No fim das contas, a oposição sequer precisou votar o mérito da matéria na Câmara. O governo tinha enviado o texto para o Congresso em junho, antes do recesso parlamentar, mas congressistas impediram seu avanço até a véspera do fim da validade da medida, no dia 8 de outubro. Ao ser retirada da ordem do dia, por 251 votos a 193, a MP do IOF acabou derrubada, por estourar o prazo e “caducar”, ou seja, perdeu a validade. A gestão Lula agora deve buscar medidas alternativas para compensar a perda de arrecadação, estimada em mais de R$ 30 bilhões para o biênio 2025 e 2026.
Fonte
O post “Derrota do governo em MP do IOF esconde articulação do agro para barrar imposto sobre bets” foi publicado em 13/10/2025 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte Agência Pública