PRESS RELEASE
O agronegócio está manobrando para comprometer a integridade das metas nacionais de redução de emissões do Plano Clima Mitigação ao pressionar para incluir florestas em propriedades privadas na conta das remoções de gases de efeito estufa. Em carta enviada nesta quarta-feira (24/9) ao secretário nacional de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente, Aloisio Melo, o Observatório do Clima alertou que a conta das remoções deve ser feita “com adicionalidade”, e que a grande contribuição ao agro para o Plano Clima está na redução do desmatamento – algo que o setor rejeita.
Na carta, as organizações do OC apontam que as versões divulgadas dos planos setoriais de mitigação do Plano Clima apresentam uma série de gargalos e lacunas. Entre os problemas identificados em oficinas de análise do plano realizadas pela rede, estão ambição climática insuficiente, necessidade de metas mais claras e completas, ausência de metas em temas relevantes e falta de clareza sobre os meios de implementação, ou seja, os recursos necessários para bancar as ações.
Após o fim da consulta pública do Plano Clima, houve uma manifestação do setor agropecuário contrário às metas do plano setorial de Agropecuária, com o qual o Ministério da Agricultura havia anteriormente concordado. Agora, o agro alega que se está “atribuindo ao setor emissões que não são de sua responsabilidade e impondo metas desproporcionais, enquanto deixam de contabilizar o que preservamos e sequestramos de carbono”. Há solicitação para a inclusão na conta das remoções de gases de efeito estufa ocorridas nas propriedades rurais privadas.
O governo considera, para efeitos de inventário de emissões do Brasil, as chamadas “remoções antrópicas” de carbono que em tese acontecem em florestas protegidas, como terras indígenas e unidades de conservação. O Brasil alega que proteger florestas custa dinheiro e esforço, portanto caberia descontar essas supostas remoções do total que o país emite. Hoje, o Ministério da Ciência e Tecnologia aplica um “deflator” de 386 milhões de toneladas de CO2 equivalente às emissões por desmatamento todos os anos. O agro agora quer que esse raciocínio se estenda a todas as propriedades privadas, que são obrigadas pelo Código Florestal a manter vegetação nativa.
Na carta, o OC destaca que não tem cabimento que esse artifício seja estendido às áreas privadas: “a contribuição das propriedades privadas tem extrema relevância para o alcance das metas nacionais, mas via redução do desmatamento, não da contabilização de supostas remoções. O OC reforça a necessidade de realizar a contabilização das remoções com adicionalidade, ou seja, a redução das supressões de vegetação e a contabilização das remoções para além da proteção exigida em lei. O setor agropecuário tem um grande potencial em auxiliar na mitigação dos impactos climáticos, especialmente no investimento na redução do desmatamento legal”.
Entre julho e agosto, quando os planos setoriais estiveram abertos para avaliação pública, as organizações do OC promoveram uma série de encontros para examiná-los. A carta resulta desse trabalho e relaciona cinco problemas estruturantes:
- Necessidade de metas mais claras e completas – os planos setoriais carecem da determinação, em diversas ações, de quais são as metas para os anos de 2030 e 2035, sobretudo em temas como resíduos, demarcação de terras indígenas e titulação de territórios quilombolas, além da falta de metas desagregadas considerando as práticas produtivas agrícolas e a pecuária.
- Metas aquém do compromisso de descarbonização e neutralidade climática – propõe-se, entre outros pontos questionáveis, a viabilização da expansão da geração de energia nuclear, além da utilização do gás fóssil como combustível de transição para a indústria. Além disso, não há a previsão expressa de que os data centers utilizem energia renovável.
- Temas relevantes sem metas definidas – não há indicação clara, direta e efetiva sobre a transição para além das fontes fósseis, conforme o Balanço Global do Acordo de Paris e a própria NDC do Brasil. Além disso, as metas propostas para 2030 e 2035 indicam redução da participação de renováveis na matriz elétrica, o que é um contrassenso. Da forma como está, o plano setorial de energia é contraditório com o compromisso de atingir a emissão líquida zero em 2050.
- Falta de clareza quanto a recursos financeiros e fontes orçamentárias – não estão especificados e quantificados os valores para efetivação das metas, tampouco as fontes de onde virão os recursos, o que dificulta a fixação de um orçamento claro e ambicioso para a agenda climática brasileira e mesmo a implementação dos planos.
- Diversas metas menos ambiciosas do que as propostas pelo Observatório do Clima – num quadro comparativo anexo à carta, a equipe do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG) comenta tecnicamente a relação entre as estimativas do Plano Clima e as da segunda NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada) apresentada pelo OC em agosto do ano passado e que propõe a neutralidade climática do Brasil até 2045.
“O Brasil precisa ter mais ambição climática e liderar pelo exemplo. De imediato, deixar isso claro na redução da produção e do uso de combustíveis fósseis e trabalhar no detalhamento das fontes de recursos das medidas previstas – o que se aplica também ao Plano Clima Adaptação. Enquanto isso, aguardamos ansiosos o conteúdo transversal referente aos meios de implementação, que ainda está sendo redigido. Além disso, é importante que o governo resista à pressão do agronegócio para a contabilização das remoções sem adicionalidade nas áreas privadas”, afirma Suely Araújo, Coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima.
Leia a carta aqui .
Sobre o Observatório do Clima – Fundado em 2002, é a principal rede da sociedade civil brasileira com atuação na agenda climática. Reúne hoje 162 integrantes, entre organizações socioambientais, institutos de pesquisa e movimentos sociais. Seu objetivo é ajudar a construir um Brasil descarbonizado, igualitário, próspero e sustentável. O OC publica desde 2013 o SEEG, estimativa anual das emissões de gases de efeito estufa no país.
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Solange A. Barreira – Observatório do Clima
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O post “Agro tenta minar Plano Clima” foi publicado em 24/09/2025 e pode ser visto originalmente na fonte Observatório do Clima