DO OC – Estudo publicado na última quinta-feira (18) aponta que a ação climática pode controlar o aumento expressivo do risco de doenças como dengue, zika e chikungunya no Brasil até 2080. A pesquisa utilizou modelagem para estimar o aumento da população de mosquitos transmissores das doenças no intervalo de 55 anos sob diferentes cenários climáticos.
A conclusão é que, com a emissão descontrolada de gases-estufa (resultando em maior aumento de temperatura global e mudança no regime de chuvas), a densidade de Aedes aegypti no Brasil em 2080 aumentará 31% em relação a 2024. Com redução nas emissões, a população dos mosquitos cresceria 11% no mesmo período.
Foram utilizados os cenários do IPCC, o painel do clima da ONU, para calcular a multiplicação dos mosquitos. O modelo levou em consideração também fatores como crescimento urbano e densidade populacional.
No cenário mais otimista do IPCC, o planeta conseguiria controlar o aquecimento global em 1,5ºC a 2ºC acima dos níveis pré-industriais até o final deste século, como prevê o Acordo de Paris. O pico de emissões de gases-estufa aconteceria até o final desta década e por volta de 2050 o planeta chegaria a emissões líquidas zero. Nessas condições, a população de Aedes aegypti no Brasil cresceria 11% até 2080, em comparação com 20204.
Já no pior cenário, com altas emissões e ação climática limitada, mantendo a dependência fóssil, o aquecimento em 2100 seria de 4,5ºC a 5ºC. As emissões mais do que dobrariam em relação a 2015, ano de adoção do tratado do clima. A densidade de mosquitos aumentaria 31% em 2080 em relação a 2024.
A figura abaixo compara a concentração de mosquitos nos dois cenários descritos e outros dois, intermediários.

O aumento no cenário de altas emissões é projetado para todo o país, mas as regiões Sul e Sudeste registram concentração mais crítica, com crescimento de 89% e 92% na população de mosquitos, respectivamente. No Sudeste, o crescimento de mosquitos deve superar o da população humana. Nordeste e Centro-Oeste também têm aumento expressivo no cenário de altas emissões, com altas de mais de 30% até 2080.
A pesquisa foi liderada por Katherine Heath (do Burnet Institute, na Austrália), em parceria com Lincoln Alves (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais do Brasil) e Michael B. Bonsall (Universidade de Oxford, no Reino Unido). Segundo os autores, os números podem ajudar a orientar políticas públicas para o planejamento em saúde pública integrado à ação climática. “A diferença entre um futuro de altas e baixas emissões é marcante: uma forte ação climática poderia reduzir em dois terços o aumento projetado na densidade de mosquitos no Brasil”, disseram.
Aedes e mudança climática
Para Christovam Barcellos, do Observatório de Clima e Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), os dados ajudam a entender o novo contexto de transmissão das doenças no Brasil. Globalmente, 2024 teve o maior número de casos de dengue já registrados, 74% deles concentrados no Brasil .
“O trabalho é muito importante e expõe mais um desafio para a saúde pública no Brasil e em outros países”, avalia. Em estudo de 2014 , Barcellos, em parceria com Rachel Lowe, do Instituto Catalão de Ciências do Clima, mostrou que a área de transmissão da dengue no Brasil passou de 2 milhões de km2 para 7 milhões de km2 entre 2001 e 2011, tornando-se mais do que três vezes maior.
Antes concentrada em áreas úmidas e litorâneas, a doença tem se espalhado e atingido fortemente o Cerrado , indicando uma expansão das áreas de transmissão. Em novo estudo , em 2021, os pesquisadores demonstraram que Sul do Brasil e Amazônia, antes “relativamente protegidas de surtos” de dengue, agora se tornam mais vulneráveis.
“Há uma tendência clara nos últimos anos de expansão da área de transmissão de dengue em direção a maiores latitudes e altitudes. Dengue, zika e chikungunya podem alcançar regiões mais altas da América do Sul e países de clima temperado, tanto na Europa como no Chile, Uruguai e Argentina, que já apresentam casos autóctones. Todo esse cenário pode se agravar nas próximas décadas devido às mudanças climáticas”, diz o pesquisador.
A proliferação do Aedes aegypti é beneficiada pelo calor, já que os mosquitos se reproduzem mais rapidamente em altas temperaturas. Como dependem da água parada e limpa para a reprodução, também influenciam as mudanças nos regimes de chuvas, com precipitações intensificadas.
Além disso, o calor reduz o tempo de incubação, necessário para o vírus se multiplicar dentro do mosquito e se tornar transmissível, formando a “tempestade perfeita” em um planeta cada vez mais quente. Com a maior densidade de mosquitos, há aumento na transmissão das doenças.
Barcellos ressalta, no entanto, que pesquisas recentes têm mostrado grande capacidade de adaptação dos mosquitos transmissores das doença (além do Aedes aegypti, predominante no Brasil, há o Aedes albopictus), o que torna modelagens ainda mais complexas.
“É muito difícil ´modelar´ a dengue e seus os vetores porque a distribuição e capacidade de transmissão depende de diversas variáveis, tanto biológicas, quanto ambientais e climáticas. Ambos são muito sensíveis a variações de temperatura, umidade e precipitação”, diz.
“Especialmente o Aedes aegypti tem demonstrado uma imensa capacidade de adaptação, conseguindo obter alimento e se reproduzir em ambientes urbanos, e se expandindo para áreas rurais. Não se sabe ao certo o que pode acontecer com novas gerações dos mosquitos diante das mudanças climáticas e a urbanização acelerada que vivemos em todo o Sul Global”, complementa.
O pesquisador destaca que o aumento da precipitação e a ocorrência de ondas de calor no Sul do Brasil têm contribuído para essa expansão, mas lembra que, mesmo em momento de seca, o Aedes tem conseguido se reproduzir em recipientes usados para estocar água em casas e arredores. “Isso explica a manutenção da transmissão no Semiárido Nordestino. Além disso, essas novas gerações [de mosquitos] podem desenvolver resistência a inseticidas que vêm sendo usados para o controle”, explica.
Em julho de 2023, no auge do escaldante verão no hemisfério Norte, a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou um alerta sobre a disparada de casos de dengue no mundo em razão do aquecimento global.
Barcellos destaca novas técnicas de controle dos mosquitos que, junto à ação climática, podem ser eficazes. “É o caso da Wolbachia, uma bactéria, que quando infecta o mosquito interrompe a transmissão dos vírus. Também as estações disseminadoras de larvicida (EDLs) podem servir para o controle, contaminando as fêmeas que se tornam estéreis. Outra possibilidade é a liberação de mosquitos machos estéreis, que também vem sendo testada”, enumera.
“Devemos apostar que nos próximos anos surjam novas tecnologias de controle. O investimento em pesquisa e a participação da população serão elementos chave nas próximas décadas”, defende.
O post Sem ação climática, Brasil terá 30% a mais de mosquito da dengue em 2080 apareceu primeiro em Observatório do Clima .
O post “Sem ação climática, Brasil terá 30% a mais de mosquito da dengue em 2080” foi publicado em 19/09/2025 e pode ser visto originalmente na fonte Observatório do Clima