O ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho (PT), avocou para si um processo administrativo contra a Seara/JBS Aves, do grupo JBS, que foi autuada em maio por trabalho análogo à escravidão no Rio Grande do Sul. Avocar para si é o termo técnico para o instrumento que permite ao ministro rever, atenuar ou até anular a penalidade. A empresa estava prestes a entrar na lista suja do trabalho escravo, que deve ser atualizada em outubro deste ano.
Em dezembro de 2024, 10 trabalhadores foram resgatados em Passo Fundo. Segundo os auditores fiscais que fizeram o flagrante, eles trabalhavam até 16 horas por dia, se alimentavam de frangos considerados fora do padrão pela JBS e trabalhavam para pagar dívidas com transporte e alimentação. Eles haviam sido contratados pela MRJ Prestadora de Serviços, uma terceirizada. Em abril deste ano, a unidade da JBS foi classificada como “a principal responsável” pelas infrações.
A empresa recorreu da autuação, mas os recursos foram negados. Na sequência, ocorreu o pedido de avocação ao ministro, que pode reavaliar decisões tomadas por instâncias inferiores. A prática é considerada incomum. Um técnico do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) com anos de experiência disse à Agência Pública que nunca viu algo parecido.
Luiz Marinho pediu um parecer da Advocacia Geral da União (AGU) junto ao MTE, que concluiu pela legalidade da avocação . O procurador Ricardo Panquestor Nogueira a considerou “adequada e recomendável” dada “a gravidade excepcional do caso, a relevância econômica da empresa envolvida e o interesse público na uniformização da interpretação legal em matéria de tão significativo impacto nacional”.
De acordo com o ofício, de 9 de setembro, a inclusão da JBS na lista suja do trabalho escravo “possui repercussão econômica e jurídica de ampla magnitude, com reflexos diretos na esfera patrimonial da empresa, em suas relações comerciais, na imagem perante o mercado e, em última análise, pode gerar significativo impacto no próprio setor econômico em nível nacional, inclusive com possíveis desdobramentos internacionais.”
A Associação Gaúcha dos Auditores Fiscais do Trabalho manifestou “profunda estranheza e preocupação” com a avocação, em nota divulgada em 18 de setembro. Os auditores afirmam que a fiscalização do caso foi rigorosa, fundamentada e documentada, com direito ao contraditório e ampla defesa. Para a entidade, a atitude do ministro fere princípios constitucionais da legalidade e impessoalidade e pode ser vista como abuso de poder, além de contrariar normas que garantem a independência dos auditores fiscais.
No mesmo dia, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) pediu uma reunião emergencial com a Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae), vinculada ao Ministério dos Direitos Humanos, para tratar do caso da JBS no Ministério do Trabalho. A carta também foi obtida pela Pública.
“Por meio da avocação, cria-se um inédito caminho de contorno das normas estabelecidas, com a clara finalidade, em benefício do infrator flagrado com trabalho escravo, de escapar da Lista Suja, esvaziando por completo este exemplar instrumento de transparência”, diz a carta, assinada por Xavier Plassat e Evandro Rodrigues, da CPT.
“Se levada a execução, trata-se de gravíssima interferência da autoridade política em processo administrativo, em absoluto descompasso com toda a lógica da política pública, minando seus fundamentos de lisura e objetividade. Evitar a Lista Suja, doravante, não exigirá do administrado nenhum engajamento, nem com o trabalho decente, nem com a reparação das vítimas, nem com qualquer mudança na condução dos negócios”, continua o texto.
Procurada, a JBS disse que a Seara “suspendeu imediatamente o prestador de serviços em Passo Fundo, encerrou o contrato e bloqueou esta empresa assim que tomou conhecimento das denúncias. A Companhia tem tolerância zero com violações de práticas trabalhistas e de direitos humanos”, informa.
“A Seara verificou in loco as condições de trabalho, constatando o regular cumprimento da legislação em vigor. Todos os fornecedores estão submetidos ao nosso Código de Conduta de Parceiros e à nossa Política Global de Direitos Humanos, que veda explicitamente qualquer prática de trabalho como as descritas na denúncia”, continua a nota da empresa.
A reportagem procurou o Ministério do Trabalho, que não respondeu até a publicação desta matéria. O espaço segue aberto para manifestação.
Fonte
O post “Ministro do Trabalho assume processo e JBS pode escapar de lista suja do trabalho escravo” foi publicado em 18/09/2025 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte Agência Pública