EDITORIAL
O jornalismo brasileiro vive uma “crise” desde que eu me entendo por gente. Porém, passados mais de 20 anos desde que comecei a atuar na prática como jornalista e, mesmo antes disso como leitor, a comparação com o estado atual das coisas hoje mostra uma clara e brutal derrocada.
Isso olhando para a grande mídia corporativa, o mainstream, os donos do dinheiro, mas que não exclui a dita imprensa alternativa, independente ou coisa que o valha, cenário no qual o Observatório da Mineração se encaixa. Chegaremos lá.
Como completamos 10 anos de atuação em novembro de 2025, é mais do que razoável analisarmos por que fazemos como fazemos o jornalismo praticado aqui e por que não fazemos outras coisas que são comuns ao, vá lá, mercado.
Grosso modo, o noticiário hoje é dominado por fofocas políticas irrelevantes, recadinhos de generais, notas telegráficas de fontes em off, jornalismo declaratório, fofocas de celebridades, subcelebridades e influencers, soft porn, resumo de IA, bullet points, comentários toscos, “matérias” que são releases, propagandas sorrateiras escondidas na navegação, copia e cola de redes sociais, “debates” com figuras lamentáveis, indústria de pesquisas de opinião sobre tudo e todos o tempo inteiro, entre outras coisas.
A grande mídia corporativa sempre foi terrível, mas piorou muito na internet 2.0. Uma maçaroca insuportável de jornalismo caça-clique de nível baixíssimo.
Sigo acompanhando e lendo notícias por dever de ofício. Mas não surpreende que a grande mídia seja alvo da direita e da esquerda. Um “selo” de qualidade, diriam os boçais.
Para não falar no franco ecossistema de desinformação e fake news que mesmo a mídia supostamente séria e profissional promove diariamente, da qual as abordagens listadas acima são partes importantes da engrenagem, diga-se.
Além, é claro, de conhecidos problemas estruturais: veículos dominados por oligarquias – familiares ou não – concessões distribuídas a políticos corruptos nos estertores da ditadura militar, desregulamentação quase total – pauta que os patrões fazem questão de manter – financeirização – piorada pela entrada das casas de aposta e de bets abertas até mesmo por empresas de mídia, negócios suspeitos, interesses escusos, venda de amplos espaços de concessão pública a líderes religiosos durante décadas, o que aprofunda a fascistização da sociedade, cobertura de segurança cronicamente insalubre sob todos os aspectos. A lista é imensa e cada ponto desse rende um texto à parte.
Verdade que boa parte disso não é essencialmente nova. O vale tudo pela audiência, o sensacionalismo barato, os jornais “espreme que sai sangue”, o pornô suave de domingo à tarde e outras “estratégias” questionáveis foram e são a tônica de parcela significativa da mídia na TV, no impresso e no rádio nas últimas décadas, desde que a massificação midiática se consolidou. E também não é exclusividade do Brasil, embora tenhamos as nossas jabuticabas, que não são poucas.
O que mudou foi a rotação, a velocidade e as novas formas de abordagem caça-clique vale o que vier com o advento e popularização da internet e, nas últimas duas décadas em particular, das redes sociais, aplicativos de mensagem, fóruns, blogs e quetais. Vivi, acompanhei e acompanho isso muitíssimo de perto, portanto.
Este Observatório da Mineração, que completa 10 anos neste ano da graça de 2025, sempre buscou ser outra coisa. E não se trata de elitismo, mas pelas pedras afiadas e escorregadias no caminho, inerentes ao que nos propomos a fazer e aos interesses que mexemos.
A explosão do vídeo do Felca recentemente, que bateu dezenas de milhões de visualizações – e não vou discutir aqui seu conteúdo e o efeito em cascata, atrasado, que gerou, mais do que necessário – mas sim as implicações das discussões sobre o que o jornalismo é e poderia ser em comparação com influencers que sabe-se lá de onde surgem, desencadeou uma infinidade de comentários de colegas por aí.
Sobre a necessidade de se pensar em pageviews (mais?) e colocar a audiência em primeiro lugar, sobre como todo jornalista pode – ou deveria – virar influencer, sobre as diferenças de linguagem, abordagem, métodos, propósito, alcance, comoção. Comparar o que faz um influencer com milhões de seguidores (qualquer um) com o jornalismo profissional é, no mínimo, despropositado e, na melhor das hipóteses, risível.
O jornalismo sempre pensou na audiência, tiragens, impacto – se bom ou ruim, outra discussão – e, agora, cliques, visualizações, compartilhamentos, “virais”. Muda o formato (ou nem isso), a ferramenta, o meio, o algoritmo, mas a essência permanece.
É quase anedótica a busca por chegar ao maior número de pessoas e ter como alvo o chamado cidadão médio, que a mensagem seja compreensível para qualquer um, da melhor forma possível, independente de classe, tempo, interesses, conhecimento, etc. Uma impossibilidade flagrante que sempre apenas serviu para privilegiar o espetáculo em detrimento de todo o resto.
Aqui no Observatório nunca buscamos a visualização em primeiro lugar, nunca subestimamos a capacidade intelectual do leitor, tentamos não simplificar demais o que não pode ser simplificado para sacrifício do que entendo por bom jornalismo, nunca colocamos o sensacionalismo e o discurso emotivo em primeiro plano e o rigor em segundo.
Até exagero, aliás. Muitas matérias e textos poderiam ser muito mais fluidos, quentes, diretos, gostosos de ler, vá lá. Mas, na maioria dos casos, não são porque não cabe que sejam assim. Sou um aficionado por literatura e escritor bissexto, mas o que faço aqui é jornalismo, não é literatura, conto, crônica, poesia ou mesmo “jornalismo literário”, salvo raríssimos casos neste Observatório.
Claro, pagamos literalmente o preço por isso. E ele é altíssimo. Inclusive em nossa política de parcerias, projetos, anúncios, abordagem. Com certa abertura aqui e acolá, ajustamos uma coisa ou outra, mas as premissas seguem as mesmas há 10 anos. Não é intransigência, é necessidade. Não estamos aqui para concorrer com a grande mídia corporativa, com agências, com veículos que movimentam centenas ou dezenas de milhões, com estruturas gigantescas de equipe, multimídia e mesmo até com espaços na mídia “alternativa” que também gozam de orçamentos de milhões e equipes enormes quando comparados com o nosso power trio de garagem. Seria burrice, para ser generoso, pensar em concorrer. Pelo contrário, por nossa especialização, anos de cobertura árdua, dedicação e formação, nos tornamos fontes dos colegas. Seja diretamente em entrevistas, seja de inúmeras outras formas.
Sim, todo mundo que trabalha sério – e os que não trabalham sério também, esses em especial, aliás – quer alcançar o maior número de pessoas possível. Não escrevemos para jornalistas e para pesquisadores. Não apuramos e publicamos para sermos apreciados pela microbolha do meio, para agradar meia dúzia de simpatizantes, amealhar uns trocados aqui e ali, receber aplausos e ganhar prêmios. Se acontecer, ótimo. Mas há quem faça disso claramente o propósito principal. Boa sorte com isso.
O estado das coisas no jornalismo, na comunicação, na internet 2.0 (ou 3 ou 4…), nas redes sociais (leia “A Máquina do Caos” e “Algoritmos de Destruição em Massa”, vai por mim) é campo extenso, pantanoso e multifacetado que rende livros, estudos, análises, percepções, comentários, conversa de eventos, de boteco e vivências diversas, que não tem fórmula, nem de sucesso, de fracasso, de negócio, de subsistência, de alcance, por mais que o que não falta seja vendedores de fórmulas a cada esquina virtual ou não.
Como leitor e profissional, é desesperador ver o nível médio do jornalismo brasileiro e tanta captura corporativa que transforma o código de ética em piada de mau gosto e o bom senso e a mínima decência profissional em raridade.
Apesar de obviamente existir algumas boas exceções à média, tanto na grande mídia quanto na independente, a geleia geral é tenebrosa. E seria um descalabro definitivo se não existissem essas exceções, essas ilhas de jornalismo decente em meio ao lamaçal frenético do clique a qualquer custo, um verdadeiro desperdício colossal de tempo e dinheiro extremamente danoso para o que sobrou da nossa democracia.
Esse editorial já foi além do tamanho que deveria ter, um pecado que cometemos com frequência. Até por não seguirmos as normas do mercado.
No entanto, existe uma previsão segura que sempre repito: ainda vai piorar.
Espero continuarmos aqui. O seu apoio, leitor, parceiro, financiador, é fundamental para que isso aconteça. Dez anos não são dez dias. E mineração e tudo o que a envolve não é brincadeira, é crucial. Vamos por mais dez anos de jornalismo, pesquisa e incidência que merecem e precisam ser feitos. Quase todo o resto é distração.
O post O jornalismo atual cavou o seu abismo com os próprios pés apareceu primeiro em Observatório da Mineração .
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O post “O jornalismo atual cavou o seu abismo com os próprios pés” foi publicado em 25/08/2025 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte Observatório da Mineração