Em meio ao acirramento das relações diplomáticas com o Brasil, a Embaixada dos Estados Unidos tem repetido o discurso do presidente Donald Trump e criticado a democracia e as práticas comerciais brasileiras, chegando a acusar o Brasil de ser um “parceiro comercial horrível”. Entretanto, uma ata obtida pela Agência Pública via Lei de Acesso à Informação (LAI) revela que, apenas oito dias antes do anúncio da imposição de tarifas de 50% aos produtos nacionais, uma reunião em Brasília entre os dois países foi amistosa, com elogios ao Brasil e sua “importância” para as empresas norte-americanas.
O encontro em 1º de julho deste ano teve a participação de cinco representantes da Embaixada dos EUA — entre eles, Gabriel Escobar, Encarregado de Negócios; Matthew Lowe, Conselheiro Econômico; e Nicole DeSilvis, Ministra Conselheira para Assuntos Comerciais. A reunião presencial aconteceu no Ministério das Comunicações (MCOM) e teve participação do Ministro das Comunicações, Frederico Siqueira, além de quatro servidores do ministério.
A ata traz elogios ao Brasil ao mencionar a importância do país em parcerias com empresas norte-americanas, dando destaque para São Paulo “por sua grande importância no que diz respeito a serviços econômicos e financeiros nos EUA, sendo em números maiores que todos os outros países da América Latina combinados”.
As tarifas de 50% aplicadas por Donald Trump contra o Brasil começaram a valer há cerca de duas semanas, com exceção de setores isentados, como o de sucos de laranja e aeronaves civis. Na carta que anunciou as taxas, Trump conectou as tarifas ao julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro, que é réu no Supremo Tribunal Federal (STF) por tentativa de golpe de Estado.
Depois do anúncio do tarifaço de Trump, Eduardo Bolsonaro e o influenciador Paulo Figueiredo, que articulam sanções contra o Brasil nos EUA, afirmaram que a medida “confirma o sucesso na transmissão daquilo que viemos apresentando com seriedade e responsabilidade”. Além das tarifas, a articulação bolsonarista resultou na perda de visto de autoridades brasileiras e na aplicação da Lei Magnitsky ao ministro Alexandre de Moraes, do STF.
EUA propuseram “parcerias” com o Brasil
O conteúdo da ata obtida pela reportagem não indica sinais de rusgas entre os dois países. Ao contrário, os representantes da Embaixada propuseram possíveis “parcerias” entre empresas americanas de satélites e o Brasil, sob a justificativa de “atender as áreas do país que não possuem cobertura de internet por fibra ótica”. Escobar, o encarregado de negócios dos EUA, mencionou nominalmente as empresas Astranis e Viasat, que poderiam “fornecer serviço de conectividade para as regiões norte e nordeste do Brasil”.
Em resposta, o MCOM sugeriu promover um webinar para apresentar detalhes de editais de licitação às empresas norte-americanas e destacou a importância de fomentar a “troca de conhecimento entre ambas as partes” e desenvolver “projetos sociais”.
A ata também revela que os EUA têm “interesse” em “participar do projeto de Rede Privativa de Governo” e sugeriram que o webinar já se aplicasse a esse caso. Segundo informações da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), o projeto de Rede Privativa do governo visa aprimorar a segurança e a eficiência das comunicações entre os órgãos federais, por meio da implementação de redes fixa e móvel com altos padrões de segurança e criptografia.

Trajetória de normalidade
“A relação comercial [entre os dois países] sempre foi muito estável, até porque na América do Sul o Brasil é o principal parceiro comercial dos Estados Unidos”, explicou o analista das relações entre América Latina e EUA e professor da Temple University, Lucas de Souza Martins. O professor destaca que, antes de Trump, havia “uma trajetória de normalidade dessas relações, independentemente da perspectiva política de cada governo”.
Martins avalia que a reunião indica que as tarifas impostas por Trump não foram resultado de uma “questão comercial”. “Eu, particularmente, enxergo que o governo Trump viu a oportunidade do [julgamento de] Bolsonaro para atacar o Brasil de alguma forma, uma vez que, comercialmente, não havia nada para se fazer, nada para se criticar”, explicou. No ano passado, o Brasil teve um déficit de US$ 28 bilhões com os EUA, ou seja, importou mais do que exportou.
Já o especialista em história das relações do Brasil com os Estados Unidos e professor de relações internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), João Daniel Almeida, destaca que a diplomacia estadunidense não tem sido incluída na tomada de decisões de Trump. “Provavelmente porque essas coisas são decididas em cima da hora, de supetão, sem planejamento, sem organização, sem coerência, inclusive sem justificativa ideológica ou comercial, mas por motivos políticos que fogem à alçada das políticas públicas feitas por uma burocracia de maneira mais organizada e racionalizada”, explicou.
“Ele [Trump] não avisa os [servidores] que estão naquele movimento, mas, na hora que gira a chave, todo mundo gira, porque a composição, pelo menos da cúpula de estruturas diplomáticas que lidam com o comércio, são indicados diretamente por ele”, concordou o pesquisador do Instituto de Relações Internacionais da Universidade Nacional de Brasília (UnB), Vitor dos Santos Bueno. Reportagem da Pública mostrou que Eduardo Bolsonaro tem costurado relações desde 2018 com o atual chefe da diplomacia dos EUA, o ex-senador Marco Rubio, que assumiu a Secretaria de Estado.
Além das afinidades políticas de Trump, os pesquisadores apontam ainda que a atuação do Brasil nos BRICS, bloco econômico e político que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, tem gerado preocupação entre os estadunidenses. “O BRICS é um dos bodes expiatórios que o Trump cria e coloca como algo anti-americano”, explicou Bueno.

Críticas ao Brasil foram breves
A ata mostra que as críticas dos EUA ao Brasil no encontro foram breves e se resumiram às “dificuldades” que as empresas americanas dizem encontrar para “ingressar” no Brasil: “impostos e regulamentação”.
“Isso é uma questão histórica da relação”, apontou Martins. “O motivo de maior tensão entre Brasil e Estados Unidos sempre foi, da parte de Washington, o alegado protecionismo brasileiro com relação às suas empresas e à sua economia”, explicou.
“Metade disso é exagero e retórica, mas é verdade que estruturalmente o Brasil é um país muito mais fechado que os Estados Unidos”, explicou Almeida. Entretanto, o professor avalia que o uso dessa argumentação por Trump para justificar as tarifas é “desproporcional”. “Esse governo usa uma coisa que é realidade e que já existe há 30, 40, 50, 100 anos, e que vem melhorando significativamente, para estabelecer uma retaliação desproporcional”, explicou.
Para Bueno, “se fosse tão injusto assim”, os Estados Unidos não seriam um dos maiores investidores no Brasil. O pesquisador destacou que o país tem mais de US$ 300 bilhões investidos no país. “Já tem um longo histórico de empresas americanas dentro do próprio Brasil”, argumentou.
Fonte
O post “Ata revela reunião amistosa entre EUA e Brasil uma semana antes de tarifas de Trump” foi publicado em 20/08/2025 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte Agência Pública