De cada 100 decisões em processos criminais relacionados à grilagem de terras na Amazônia Legal, apenas sete resultam em condenações. Os números da impunidade na apropriação ilegal de terras públicas, um dos motores do desmatamento e dos conflitos fundiários na região, foram expostos em estudo recente do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) .
Coordenado pelas pesquisadoras Lorena Esteves e Brenda Brito, o trabalho analisou 526 decisões judiciais que tramitaram em varas da Justiça Federal nos estados da Amazônia Legal. O recorte, que abrange os crimes de invasão de terra pública, falsidade ideológica, estelionato e associação criminosa apontou uma recorrência preocupante: do total analisado, apenas 7% (39 decisões) resultaram em condenação.
Em relação ao crime mais frequente, a invasão de terras públicas, foram apenas duas. O restante resultou em absolvição (35%) ou prescrição (33%). Em 6% das decisões (30), segundo a pesquisa, os réus conseguiram benefícios da lei (como a suspensão condicional do processo ou acordo de não persecução penal), evitando uma possível condenação e o registro do crime nos seus antecedentes.
Em entrevista ao OC, Lorena Esteves falou sobre as motivações iniciais do trabalho, a surpresa com o resultado expressivo e também as recomendações para que legisladores, procuradores e juízes possam contribuir para fechar esse ciclo criminoso.
OC – Lendo o estudo, a conclusão a que se chega é que no crime da grilagem a impunidade é a regra. Como surgiu a ideia de mensurar esse cenário?
Lorena – Começamos a fazer essa pesquisa justamente para levantar o que era entendido como grilagem na parte criminal. A gente tem o artigo 20 da Lei n.º 4.947 de 1966, que tem uma incidência sobre quem invade uma terra pública, mas não existe um tipo penal específico e isso nos motivou a fazer essa pesquisa. E a partir disso vimos muitos casos de absolvições, prescrições e baixas taxas de condenação. OC – E por que isso acontece?
Lorena – Isso se deve a vários fatores. A grilagem está cada vez mais sofisticada na sua forma, e o alto índice de absolvição se deve ao entendimento dos juízes que não há provas suficientes no processo e também em alguns casos aceitaram argumentações de boa-fé e até mesmo interpretações confusas nas decisões sobre a dinâmica de grilagem de terras na região, a exemplo do casos de estelionato que os juízes entenderam que os réus não obtiveram vantagem econômica com a venda da terra pública, porque não era dono da área. Outro fator importante está relacionado com as baixas penas dos crimes relacionados à grilagem, a exemplo do crime de invasão de terra pública que tem a pena mínima de 6 meses e a pena máxima de 3 anos, o que aumenta a possibilidade de ter penas alternativas e reduz o tempo para o judiciário julgar o crime, o que aumenta os casos de prescrição, que é um instituto jurídico em que o estado demora tanto para julgar que ele perde a prerrogativa de punir mesmo se houve um crime.
OC – A morosidade da Justiça é amplamente criticada como um fator de impunidade. Mas vocês identificaram especificidades no caso dos julgamentos de grilagem?
Lorena– O judiciário realmente é muito lento, e não é só na parte criminal, mas o nosso estudo não teve o foco em analisar a capacidade institucional da Justiça em julgar os casos. Mas as baixas penas nos casos de grilagem contribuem para a morosidade da Justiça, porque quanto menor a pena, menos tempo a Justiça tem para julgar o caso. Além disso, em muitos dos casos em que houve absolvição, os juízes entenderam que os acusados agiram de boa fé. Ou seja, entenderam que um contrato de compra e venda, de posse precária ou mesmo de gaveta, assegurava boa fé àquele réu, uma vez que ele comprou de alguém e dizia que não sabia que se tratava de uma terra ilegal. Mas quem é da região já sabe que isso é uma prática regularmente utilizada pelos grileiros. Alguns juízes também entenderam que não havia uma vantagem econômica no crime de estelionato, uma vez que a propriedade é do estado e se trata de uma posse precária. Não interpretam que, naquele período de ocupação ilegal ocorreu desmatamento e degradação ambiental. Então certamente há falta de entendimento da realidade na dinâmica do contexto agrário da Amazônia Legal. Por isso recomendamos a criação de um tipo penal específico para comercialização de terras públicas.
OC – Você mencionou a ausência de um tipo penal. Como foi feito o recorte dos casos que entraram na pesquisa?
Lorena- A partir da análise dos processos filtrados, focamos nos crimes que estavam relacionados com a grilagem, que são invasão de terras públicas, falsidade ideológica, estelionato e associação criminosa. E focamos na Justiça Federal porque queríamos um retrato da Amazônia Legal como um todo.
OC – Outro complicador devem ser as distâncias, a dificuldade de acesso aos locais, a identificação e a localização dos envolvidos, ou seja, devem ser processos complexos para investigar, denunciar e julgar.
Lorena- É, existe realmente uma dificuldade de citação. Tivemos alguns casos em que o processo foi suspenso até encontrar a pessoa, porque como é um processo criminal, o julgamento não pode continuar. Apesar de não representar um número expressivo na nossa pesquisa.
OC – Vocês imaginavam uma proporção tão pequena assim de condenações?
Lorena- Sabíamos do contexto, das legislações que também aumentam a impunidade, a questão dos processos de regularização fundiária, mas não imaginávamos que havia tantos casos de prescrição e baixas taxas de condenação. É importante destacar que não obtivemos acesso a todos os processos relacionados à grilagem na esfera penal na Amazônia Legal. Podem ter muitos outros processos que não conseguimos filtrar. Então, o cenário pode ser muito mais catastrófico do que estão mostrando os dados.
OC – Com base nos achados da pesquisa, é possível afirmar que há uma aposta na impunidade por parte dos grileiros?
Lorena- Analisamos mais de 500 decisões, e em muitos casos não tivemos acesso a todos os autos do processos, apenas as sentenças. Então não podemos afirmar que 100% das pessoas que estavam lá tinham consciência disso. Mas quem entende o sistema jurídico sabe que as penas são brandas e, mesmo neste caso, há possibilidade de reversão de pena, por penas alternativas caso sejam condenados. Além das possibilidades de suspensão condicional do processo (se um crime tem uma pena igual ou menor que um ano) e acordo de não persecução penal (pena inferior a 4 anos) que são possibilidades que os réus podem cumprir algumas condicionantes, como pagamentos de prestação pecuniária e serviço à comunidade e se cumpridos, o réu não é considerado reincidente e o processo é extinto. É por isso que uma das indicações do estudo é que sejam aumentadas as penas para no mínimo um ano e com máxima acima de cinco anos, evitando esses benefícios. Outra vantagem disso seria o aumento do prazo de prescrição. Quanto maior a pena, maior o tempo para prescrever.
OC – Outra recomendação está relacionada à capacitação dos juízes sobre direito agrário e questões fundiárias na Amazônia. Você vê abertura por parte deste segmento para ações nesse sentido?
Lorena- Imagino que seja algo realmente bem difícil de acontecer, se não ocorrer a partir de um incentivo institucional pelo alto volume de processos e a necessidade de mais mãos para lidar com o alto número de réus. Como disse, são vários fatores. E, por isso mesmo, também trazemos recomendações importantes ao Ministério Público, como detalhar a conduta criminosa de cada réu na denúncia para evitar absolvição por falta ou insuficiência de provas. E mesmo que no campo penal não se busca a reparação econômica, mas há uma possibilidade, que é a indenização à vítima. No caso da grilagem, a vítima é o estado. Pedir essa reparação seria uma oportunidade de pelo menos ter uma compensação em relação aos crimes cometidos.
OC – Quais as consequências do retrato que o estudo traz?
Lorena – O fato é que essa situação incentiva o aumento das práticas que estão relacionadas aos crimes agrários, como o desmatamento. Também impulsiona e fortalece essa cadeia econômica de exploração de terras públicas, corrupção e violência no campo. Então, a consequência é que as pessoas realmente vão conseguir continuar com essas práticas sem sofrer punição, se não houver penas mais duras aos crimes relacionados à grilagem.
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O post “Apenas 7% das decisões judiciais sobre grilagem resultam em condenação na Amazônia Legal, aponta Imazon” foi publicado em 19/08/2025 e pode ser visto originalmente na fonte OC | Observatório do Clima