63 vetos, uma Medida Provisória (MP) e um projeto de lei (PL) com urgência constitucional. O governo Lula anunciou nesta sexta-feira (8), no limite do prazo, sua decisão sobre o PL do Licenciamento, aprovado pelo Congresso em julho e apontado por ambientalistas como o principal ataque à legislação ambiental das últimas décadas.
Os apelos por veto integral ao chamado “PL da Devastação”, capitaneado por organizações socioambientais e com significativa mobilização da sociedade civil , não prosperaram como o desejado. Na decisão final, o presidente Lula vetou cerca de 15% dos 398 dispositivos do PL, que volta para análise do Congresso, onde pode sofrer novo revés. A depender do andamento no Congresso, o Supremo Tribunal Federal (STF) pode ser provocado a deliberar sobre o caso.
Apesar dos vetos, pontos polêmicos da proposta aprovada no parlamento foram mantidos, ainda que com alterações. É o caso da Licença Ambiental Especial (LAE), que além de permanecer sem veto presidencial, ganhou uma Medida Provisória que antecipa sua vigência. Um dos principais alvos das críticas ao projeto, a LAE acelera o licenciamento para atividades e empreendimentos considerados “estratégicos” pelo Conselho de Governo , órgão da Presidência que tem participação de todos os ministérios.
O novo tipo de licença, no entanto, foi alterado. Na redação feita pelo Congresso, os projetos que tramitassem por meio da LAE teriam um procedimento monofásico, com a expedição de todas as licenças – licença prévia, de instalação e de operação, por exemplo – ao mesmo tempo. Se a MP assinada por Lula (PT) prosperar, as licenças continuarão sendo emitidas separadamente, ainda que de maneira mais célere que o usual, em um prazo de até 12 meses.
A LAE deve abrir caminho para projetos questionados, mas vistos como prioritários pelo governo Lula, como a exploração de petróleo na Margem Equatorial e a BR-319 .
Além da MP, o governo decidiu enviar ao Congresso um projeto de lei com urgência constitucional – em que Câmara e Senado têm, cada uma, prazo de 45 dias para a deliberação da matéria, sob pena de trancamento da pauta – onde se propõe nova redação para parte dos artigos vetados. O objetivo é evitar “lacunas regulatórias e insegurança jurídica”.
A decisão “de governo, não de ministérios”, como fez questão de frisar a ministra-interina da Casa Civil, Miriam Belchior, foi anunciada em coletiva de imprensa que também contou com a presença da ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, e do ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social, entre outros membros dos ministérios.
De acordo com o governo , a decisão seguiu quatro diretrizes principais: “garantir a integridade do processo de licenciamento, que proteja o meio ambiente e promova o desenvolvimento sustentável”; “assegurar os direitos de povos indígenas e comunidades quilombolas”; “dar segurança jurídica a empreendimentos e investidores”; e “incorporar inovações que tornem o licenciamento mais ágil, sem comprometer sua qualidade”.
Nesta semana, durante entrevista ao podcast da Agência Pública, Bom dia, fim do mundo, a ministra Marina Silva afirmou que esse PL é uma forma de “decepar a estrutura do licenciamento ambiental brasileiro, e se ele não for reparado, o prejuízo é imenso, em várias direções, tanto do ponto de vista da preservação ambiental, quanto do ponto de vista da segurança jurídica, quanto da saúde pública e dos interesses econômicos e sociais do Brasil.”

Autolicenciamento foi limitado e proteção a indígenas e quilombolas retomada
A Licença por Adesão e Compromisso (LAC), conhecida como “autolicenciamento”, que havia sido ampliada pelo Congresso para contemplar empreendimentos de médio potencial poluidor, ficou restrita ao de baixo potencial após o veto do governo. A barragem da Vale em Brumadinho (MG), por exemplo, que se rompeu em 2019 , era considerada de médio impacto.
Também foram vetados dispositivos que davam a estados e municípios autonomia ampla no estabelecimento de critérios e procedimentos de licenciamento. A justificativa do governo é de que haveria insegurança jurídica e uma descentralização excessiva que poderia “estimular uma competição antiambiental entre os entes federativos”, em que o local com menos regulação atrairia mais investimentos.
Outro veto destacado pelo governo é o de dispositivos que diminuiriam a proteção aos direitos territoriais e de consulta de povos indígenas e comunidades quilombolas e tornariam a participação do ICMBio e de outros órgãos gestores de Unidades de Conservação (UCs) apenas decorativa.
Em relação às UCs, o artigo que retirava o caráter vinculante da manifestação dos órgãos foi vetado. No caso dos indígenas e quilombolas, o projeto aprovado no Congresso limitava a participação dos órgãos de proteção no processo de licenciamento, contemplando apenas os territórios que já estivessem homologados, no caso dos primeiros, ou titulados, no caso dos segundos. Com isso, ficariam de fora centenas de terras indígenas e áreas quilombolas em processo de reconhecimento.
O governo também derrubou trechos do PL que limitavam a aplicação de condicionantes ambientais e medidas compensatórias apenas aos impactos diretos de empreendimentos e atividades, excluindo os impactos indiretos, e que limitavam a responsabilidade das instituições financeiras em casos de danos ambientais por projetos que tenham financiado.
As propostas de dispensar o licenciamento ambiental para produtores com análise do Cadastro Ambiental Rural (CAR) pendente e de retirar o regime de proteção especial da Mata Atlântica também foram vetadas.
O que disseram as organizações da sociedade civil
Para organizações da sociedade civil, os vetos são bem-vindos, mas é preciso aguardar a publicação oficial das medidas adotadas pelo governo para uma avaliação mais precisa.
“Considerando a coletiva de imprensa do governo, os vetos aparentemente enfrentam os principais problemas do PL da Devastação e protegem o meio ambiente e a segurança das pessoas. Como o ideal seria o veto integral, é necessário analisar com detalhes os textos que serão publicados pelo governo nas próximas horas para uma posição definitiva”, afirma Maurício Guetta, Diretor de Direito e Políticas Públicas da Avaaz.
Para Gabriela Nepomuceno, especialista de Políticas Públicas do Greenpeace Brasil, “a decisão do governo é uma vitória da mobilização social, como respeito à vontade popular”. “Convocamos o Congresso Nacional, nessa nova chance, a honrar sua responsabilidade, priorizar a proteção de vidas e ecossistemas no apoio aos vetos presidenciais e conduzir um debate qualificado centrado no interesse público, acima de pressões setoriais”, diz.
“Os vetos representam a demonstração de um compromisso do Governo Federal com a proteção socioambiental, com toda a sociedade e com o combate às mudanças climáticas”, diz Alice Dandara de Assis Correia, advogada do Instituto Socioambiental (ISA). “Ainda precisamos analisar com muita calma e atenção os vetos, o projeto de lei e a medida provisória que serão publicados, mas com certeza temos um aceno na preocupação com proteção e segurança jurídica socioambiental”.
Para Márcio Astrini, do Observatório do Clima, “o governo mandou uma mensagem clara, de que se debruçou sobre o tema e discordou do que veio do Congresso”. “Mas esse é um veto em quatro atos: a coletiva, que aconteceu; a publicação dos vetos em si; um projeto de lei; e mais uma medida provisória. Por enquanto, a gente só tem um desses atos. Pra termos uma análise do todo, da extensão, da profundidade desses vetos, a gente vai precisar ver todos os textos”, pondera.
Fonte
O post “PL do Licenciamento: Lula faz 63 vetos e alguns trechos questionados permanecem” foi publicado em 08/08/2025 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte Agência Pública