DO OC – A capitulação da União Europeia ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, após as ameaças de um tarifaço de 30% sobre suas exportações, representa grave risco para os planos de transição energética do bloco e lança dúvidas sobre a força de compromissos climáticos globais diante de pressões comerciais.
Pelo acordo, anunciado no último domingo (27/7), a maior parte da pauta de exportação aos EUA será taxada em 15%, metade do que havia sido cogitado anteriormente. A exceção foram produtos tidos como estratégicos para setores como aviação e indústria química.
Como contrapartida, os europeus concordaram em não aplicar o princípio da reciprocidade tarifária, zerar algumas taxas atuais e investir US$ 600 bilhões em território americano, além de se comprometerem com compras de energia de US$ 750 bilhões ao longo dos próximos três anos, incluindo produtos como petróleo, gás natural e combustíveis nucleares. Ou seja, aceitaram sujar sua matriz energética.
“A UE cedeu sem lutar, plenamente consciente de que estava fazendo um acordo fóssil disfarçado de comércio com um conhecido negacionista climático que não só uma, mas duas vezes retirou os EUA do Acordo de Paris”, avaliou Audrey Changoe, coordenadora de Política Comercial e de Investimento da Climate Action Network Europe (CAN Europe), em entrevista por e-mail ao OC.
Segundo ela, o clima acabou sendo a moeda de troca do acordo e um reforço ao crescente movimento para flexibilizar e enfraquecer compromissos e metas climáticas na Europa. “Isso é uma continuação da campanha de desregulamentação anti-clima da UE, oferecendo favores a gigantes corporativos de ambos os lados do Atlântico”, afirmou ela.
Coordenadora de Políticas de Gás na mesma entidade, Esther Bollendorff disse ver no acordo uma “reviravolta dramática” nas prioridades que construíram o European Green Deal, o plano de transição que prevê uma série de medidas para alcançar a neutralidade climática europeia até 2050.
“Em vez de se libertar dos combustíveis fósseis eliminando o combustível fóssil russo, a Europa está agora simplesmente trocando uma dependência por outra, arriscando uma dependência de longo prazo de gás dos EUA, rico em metano e obtido por fracking hidráulico”, criticou.
Ela lembrou que o compromisso de US$ 250 bilhões por ano significa triplicar as importações de energia dos EUA em comparação com o ano passado. E que falta clareza a respeito de como concretizar essas compras, uma vez que já existem contratos de longo prazo firmados com fornecedores como Noruega e Catar.
“Além disso, este compromisso colide com a clara tendência de queda na demanda de gás em toda a UE nos últimos anos, confirmada por dados oficiais. Este acordo ignora essas realidades de mercado e corre o risco de desviar o foco do que é realmente necessário – uma eliminação completa do gás até 2035 e uma mudança para 100% de energias renováveis”.
Stela Herschmann, especialista em Política Climática do OC, disse compartilhar dessa preocupação não apenas em relação às ambições climáticas europeias, mas também ao crescente desequilíbrio de forças comprometidas com a agenda climática em nível global.
“Em um momento de abandono do enfrentamento da crise climática pelos EUA precisávamos que as outras potências mundiais, principalmente a Europa, liderassem e preenchessem esse vácuo. O que a UE sinaliza com esse acordo é o oposto: é uma submissão aos caprichos fósseis daquele que tem por mote ampliar a exploração de combustíveis fósseis e para isso vai precisar encontrar novos mercados.”
Repercussão negativa
Após o anúncio, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, disse considerar que o acordo foi positivo por trazer “estabilidade e previsibilidade” nas relações comerciais com os EUA. Mas o presidente da França, Emmanuel Macron, criticou o acordo. “Para ser livre, você precisa ser temido. Não fomos temidos o suficiente”, disse ele aos ministros, segundo autoridades francesas.
O primeiro-ministro francês, François Bayrou, lamentou o “dia sombrio” em que a UE se “resignou à submissão”. Já o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, declarou em uma live no Facebook que Von der Leyen foi “o café da manhã” do presidente dos EUA. Para o empresário francês Arnaud Bertrand, o acordo “se parece bastante com o tipo de tratado desigual que as potências coloniais costumavam impor no século 19, só que, desta vez, a Europa é a vítima”.
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