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Vamos deixar uma coisa clara aqui: o presidente Lula não desafiou Donald Trump; apenas reagiu a uma agressão injustificável contra a democracia e a soberania brasileiras feita pelo presidente dos Estados Unidos, além das ações grotescas dirigidas a um ministro da nossa Suprema Corte, com o uso pervertido de uma lei criada para punir os que atentam contra os direitos humanos e a democracia mundial.
Em um mundo que assiste passivamente ao genocídio palestino, enquanto os Estados Unidos abastecem o regime de Benjamin Netanyahu com dólares, armas e sugestões de esvaziar o território palestino para construir um resort, reconheço que a voz de Lula pode até soar desafiadora. Sobretudo diante da submissão da Europa e de outros “aliados” dos Estados Unidos à humilhação infligida por Trump.
Mas Lula cumpre apenas sua obrigação, como chefe de Estado e um dos pilares da defesa do multilateralismo, ao exigir respeito por parte do presidente de outro país – no que tem, aliás, todo o apoio das instituições e da população brasileira. Como o presidente Lula disse na entrevista ao New York Times (que só pecou pelo título , na minha opinião), o fato de estar lidando com a maior potência econômica e militar do mundo, “não nos deixa com medo, nos deixa preocupados”.
Sim, não tem ninguém maluco por aqui. Sabemos do prejuízo e dos riscos que corremos diante de uma potência comandada por um aspirante a imperador que não respeita nem a Constituição do seu próprio país – que já foi chamado de “a maior democracia do mundo”, ou de “a melhor democracia que o dinheiro pode comprar”, o que talvez seja mais realista. Mas nem isso se mantém no atual mandato.
Desde que assumiu o poder, Trump anulou decisões judiciais sobre sua própria tentativa de golpe, em janeiro de 2020, perseguiu adversários políticos, interviu na autonomia das universidades, censurou e coagiu cientistas e intelectuais, prendeu e deportou ilegalmente estudantes e imigrantes, além de cortar em mais de 80% a ajuda humanitária internacional – o que pode levar a 14 milhões de mortes até 2030, segundo a revista científica Lancet.
Também se retirou de todos os fóruns internacionais e promoveu a militarização da Europa, enfraquecendo a paz e os acordos sobre o clima, imprescindíveis para garantir a saúde do planeta. Com mentalidade predatória, sem espaço para a solidariedade nem visão para o futuro, aliou-se incondicionalmente aos setores que ameaçam a vida e a democracia no mundo todo: Big Techs, petrolíferas, indústria financeira e militar.
Todos esses elementos estão presentes na agressão política e comercial de Trump contra o Brasil. Sim, as Big Techs estão por trás da ofensiva dos Estados Unidos, inconformados com a exigência da Justiça brasileira, materializada na figura de Alexandre Moraes, de respeito à nossa legislação.
Também se deve às Big Techs, associadas às empresas de cartão de crédito americanas, a investida contra o Pix, invenção tecnológica do Banco Central que promoveu a inclusão bancária de dezenas de milhões de brasileiros e a libertação de pequenos comerciantes das taxas cobradas pelos cartões de crédito internacionais.
Mais do que isso: o Pix tem potencial para se tornar um meio de pagamento regional, “ampliando a influência brasileira, o que sempre incomodou os Estados Unidos”, como observou Natalia Viana em sua última coluna .
Natalia, que mais uma vez é motivo de orgulho para toda nossa equipe pela conquista de um dos prêmios de jornalismo mais importantes do mundo, o Maria Moors Cabot, vai além. “Trata-se de mais um capítulo na frente de batalha que tem as criptomoedas como componente importante nas ações do governo Trump: o futuro do dinheiro no mundo digital”, cravou a jornalista.
É nesse contexto que faz sentido incluir o Brics, bloco fundado e liderado pelo Brasil, entre os motivos da vingança de Trump contra o Brasil. Explorado pela direita, como fator que justificaria os ataques, porque seria um bloco hostil aos Estados Unidos, o papel real do Brics é oferecer mais uma alternativa de diálogo entre países em um momento de destruição do multilateralismo.
Vale lembrar que foi exatamente a proposição de que os países do bloco – que inclui China e Rússia – pudessem negociar em outra moeda, que não o dólar, que provocou a declaração de Trump de que os países do Brics seriam “anti-americanos”, apesar de incluir membros que são aliados fiéis dos Estados Unidos, como a Índia e a Arábia Saudita – essa um claro anti-exemplo de respeito aos direitos humanos.
O que Trump quer ao agredir o Brasil não é muito diferente do que querem os presidentes americanos, pelo menos desde a guerra fria: manter a América do Sul no seu quintal, com governos submissos e dependentes como foi a ditadura militar e como seria agora um governo de Jair Bolsonaro.
Nunca foi um problema de direitos humanos, como provam os mortos e desaparecidos da ditadura e as milhares de vítimas da política de Bolsonaro durante a pandemia.
A diferença é que desta vez o conflito provocado por Trump escalou a partir da destruição da democracia dentro dos próprios Estados Unidos, atingiu organizações internacionais como a ONU e a OMC, e segue despudoradamente movido por interesses privados do presidente dos Estados Unidos e de seus aliados sem quase nenhuma resistência internacional.
Mais do que desafiar Trump, nesse momento o Brasil faz o papel de um grilo falante verde e amarelo em defesa da soberania dos países, da democracia, do diálogo internacional, pela paz e pelo futuro do planeta. Estamos juntos!
PS: Toda a solidariedade ao ministro Alexandre de Moraes – vai ser ainda mais bonito ver a condenação dos golpistas em um processo democrático, transparente e justo.
Fonte
O post “Trump destruiu a democracia nos EUA, mas não vai acabar com a nossa” foi publicado em 01/08/2025 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte Agência Pública