ANÁLISE
É comum que aquilo se fala em cima de um palanque tenha um tom exaltado acima do normal. O que não dá para ignorar é quando esse discurso se descola da realidade. O presidente Lula incorreu neste erro ao elencar, aos gritos, os recursos brasileiros que são alvo do interesse internacional, especialmente dos Estados Unidos e de Donald Trump no atual contexto geopolítico, dizendo que “ninguém põe a mão” nos nossos minérios estratégicos e que “esse país é do povo brasileiro”.
Esses arroubos de soberania podem inflamar a militância, mas não tem amparo na história passada e atual. Pelo contrário: Lula sabe bem que todo mundo já “meteu a mão” nos minerais nacionais, inclusive com apoio recorrente do seu governo – e de todos os governos anteriores – em atrair empresas estrangeiras, investidores, abrir novas áreas de exploração, expandir áreas em operação e criar políticas e programas de incentivo ao setor mineral, além do empréstimo direto, sobretudo via BNDES.
A política de conceder suas riquezas minerais para outros países no mercado internacional é, aliás, a base da própria política mineral brasileira desde sempre.
A indústria nacional ganhou impulso com a criação das então estatais Vale e CSN durante o governo de Getúlio Vargas no período da Segunda Guerra Mundial justamente para fornecer minérios para o complexo industrial-militar da época em acordo com os Estados Unidos, com dinheiro americano.
Multinacionais canadenses, americanas, chinesas, inglesas, francesas, suíças, japonesas e de várias outras nacionalidades dominam o mercado brasileiro. Investidores e acionistas estrangeiros estão por trás de todas essas empresas. A produção mineral brasileira segue sendo majoritariamente para exportação, com baixíssimo processamento interno. Somos mais exportadores de commodities hoje do que éramos há 20 anos atrás, no primeiro governo Lula.
Os recursos minerais, constitucionalmente, são da União. Portanto, do povo brasileiro. O Executivo concede para as mineradoras o direito de explorar determinado mineral. Na prática, o que existe é uma sociedade entre governo federal e capital privado global. O governo atua diuturnamente para facilitar a vida das mineradoras, criar e ampliar empréstimos, subsídios, benefícios, programas e simplificar o licenciamento ambiental, com apoio do Congresso dominado pelo lobby minerador, como o caso do PL da Devastação ilustra perfeitamente.
Mas também nas mudanças infralegais praticadas pela Agência Nacional de Mineração e Ministério de Minas e Energia nos últimos anos, seguindo orientações da OCDE ou por conta própria, o que não precisa passar pelo Congresso. E os governos estaduais, todos eles cooptados pelo dinheiro da mineração e a dependência forjada e alimentada do modelo mineral, seguem na mesma página.
Repito, não é exclusividade de Lula III, mas de todos os presidentes que passaram pelo cargo e todos os governadores em todos os estados, não importa o espectro político.

Brasil-EUA firmaram acordo para explorar minerais nos últimos anos
É compreensível que as ameaças de Donald Trump, um neofascista convicto, que tem usado o poder geopolítico americano para se apropriar (ou tentar) de reservas minerais na Ucrânia, Groenlândia e em outros países, assim como tentar anistiar Jair Bolsonaro e ameaçar o mercado brasileiro e de vários países com tarifas absurdas, inflame os ânimos.
Importa pouco também que Elon Musk, outrora braço direito, tenha rompido com Trump. Escrevi aqui em abril de 2024 como Musk quer mesmo é garantir o suprimento de minerais estratégicos para os seus negócios , o mesmo interesse que inclui todos os magnatas das big techs que financiaram a eleição de Trump e continuam próximos do presidente americano.
No dia a dia da política, porém, a relação BR-EUA é bem mais amistosa.
Não faz muito tempo, no fim de 2024, Brasil e Estados Unidos, ainda sob Biden em fim de governo e Trump já eleito, assinaram um acordo durante o G20 para exploração de minerais críticos que, detalhamos aqui , foi cercado de sigilo e com pontos nebulosos como a ausência de salvaguardas ambientais, as contrapartidas sociais e medidas que ajudem na reindustrialização do país.
Foi uma tratativa direta entre Planalto e Casa Branca, afirmou o próprio MME ao Observatório da Mineração. Desde 2020, na realidade, durante o governo Bolsonaro, foi criado um GT entre Brasil e Estados Unidos para discutir justamente a exploração de minerais críticos. Nestes 5 anos, porém, o tal GT pouco avançou.
Sob Donald Trump, alertamos, tais acordos seguiriam repletos de incerteza. Os movimentos recentes ilustram esses desdobramentos.
Embora haja ruídos significativos nas chantagens feitas por Trump ao Brasil, é bem provável que o pragmatismo, a pressão e a interlocução da indústria minero-siderúrgica imperem para que um meio termo seja alcançado.
É curioso como a mídia não especializada está tratando as reuniões do IBRAM, que representa 90% da produção privada mineral no Brasil e tem entre as suas associadas as mesmas multinacionais que dominam o mercado global, com representantes dos Estados Unidos. O IBRAM está fazendo o que sempre faz. Negociando os seus interesses com quem precisa. E de modo geral bem alinhado com o MME, ANM e os parlamentares que apoia no Congresso.

Grandes bancos e fundos de investimento americanos, como JP Morgan, BlackRock, Vanguard e outros, são acionistas e investidores de empresas como a própria Vale, maior mineradora brasileira e entre as maiores do mundo. A BlackRock, maior fundo do planeta, detém 5,9% da Vale , que, de capital brasileiro, ainda tem a Previ (8,6%), além de outros investidores e das “golden shares” que o governo brasileiro tem direito. Lula foi o primeiro presidente, em muito tempo, a visitar as instalações da Vale no Pará no anúncio de grandes investimentos para os próximos anos.
Em 2021, após décadas, o BNDES zerou a sua participação na Vale , tornando o capital estrangeiro maioria na empresa. Mas o mesmo BNDES emprestou mais de R$ 25,5 bilhões para mineradoras, boa parte multinacionais, entre 2002 e 2022, como revelamos exclusivamente aqui.
O mesmo BNDES que lançou um fundo para minerais críticos em parceria com a Vale e segue emprestando valores significativos para mineradoras estrangeiras, como a Sigma Lithium, sediada no Canadá, que recebeu quase R$ 500 milhões após alterações nas regras do Fundo Clima. A Sigma também foi lançada na bolsa americana Nasdaq com participação direta do MME e de membros do governo Lula.
Dinheiro norte-americano segue inundando o setor mineral brasileiro, como a Mosaic Fertilizantes, empresa dos Estados Unidos, entre as maiores do planeta, que detém grandes minas de fertilizantes (fosfato) no Brasil , inclusive com problemas crônicos em barragens e conflitos com agricultores em Goiás e MG . Fertilizantes que, da lista de minerais considerados estratégicos pelo Brasil – quase tudo, diga-se – são uma das únicas substâncias que o Brasil realmente depende de importação.
A exploração de terras raras no Brasil, ainda incipiente e que ocupa os holofotes da vez, ameaça por exemplo assentamentos rurais no Nordeste e em Goiás, a agricultura familiar e o maior pau-brasil já descoberto, no sul da Bahia, como mostramos no início do mês , o que parece não levantar uma rusga de preocupação em quase ninguém.
Além dos EUA, o governo Lula anda fazendo uma série de acordos envolvendo minerais críticos com a China e ditaduras árabes , por exemplo. Todos bastante nebulosos, sem transparência clara, regras na mesa, comunicados detalhados, mas que colocam a tal soberania nacional no colo e nas mãos de outras potências mundiais. Essa foi a tônica desde o início do atual governo.
No PDAC, realizado anualmente no Canadá, maior evento da mineração mundial, o governo Lula, em comitiva junto de empresários do setor, participa de um legítimo “roadshow” em apresentações para captar investimentos estrangeiros no Brasil , igualzinho fazia o governo Bolsonaro.
Lula sabe bem, reforço, que todo mundo já meteu a mão nos minerais brasileiros e seguirão abocanhando a riqueza nacional, com baixíssimo retorno para a sociedade. E que essa é uma política de Estado que atravessa décadas, com gigantesco empenho de políticos das mais variadas origens, que jamais foi questionada ou interrompida.
Pelo contrário: é a própria base da política mineral brasileira, estender o tapete vermelho para o dinheiro americano e para quem mais quiser.
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O post “Lula sabe que todo mundo já “meteu a mão” em nossos minerais estratégicos, inclusive com apoio do governo” foi publicado em 25/07/2025 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte Observatório da Mineração