Caso o ex-presidente Jair Bolsonaro consiga entrar numa embaixada de um país que o acolha, ele estará protegido da prisão. A afirmação é do professor de Direito Internacional Aziz Tuffi Saliba, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em entrevista para a Agência Pública.
Embora as medidas tomadas pelo ministro Alexandre de Moraes nesta sexta-feira, 18 de julho, visem restringir o contato do ex-presidente com governos estrangeiros, o cenário de um pedido de asilo diplomático por parte de Bolsonaro, como o feito por Julian Assange na embaixada do Equador em Londres, não pode ser descartado, segundo o jurista.
A inviolabilidade das embaixadas — princípio consagrado pelo direito internacional — impede que autoridades brasileiras adentrem o prédio diplomático de outro país sem permissão expressa. “Se a pessoa entra numa embaixada, ela está protegida”, afirmou Saliba em entrevista à Pública.
Isso significa que, se Bolsonaro cruzasse os portões de uma embaixada estrangeira, especialmente de um país aliado, como os Estados Unidos, ele poderia permanecer abrigado, sem risco de prisão imediata por parte das autoridades brasileiras. A situação, contudo, configuraria uma violação das determinações do Supremo Tribunal Federal (STF).
No entanto, essa proteção não garante liberdade plena. Um asilado diplomático pode morar por tempo indefinido dentro da embaixada, mas não consegue sair sem se expor ao risco de detenção. Ademais, uma possível mudança de governo também pode significar o fim do benefício.
Nesta mesma sexta, Bolsonaro chegou a dizer de forma irônica que iria almoçar em uma embaixada. “Eu tenho um convite aqui para alguns embaixadores, um almoço. Mas eu não vou mais”, disse .
Na entrevista abaixo, Saliba avalia a situação legal de Bolsonaro à luz do direito internacional. A entrevista foi editada por fins de clareza e concisão.

Como fica a situação de Bolsonaro com as recentes medidas tomadas pelo Supremo Tribunal Federal? Ele ainda pode pedir asilo diplomático em alguma embaixada? Qual é o caminho para isso?
Toda embaixada goza de inviolabilidade. Isso significa que as autoridades do país onde está a embaixada não podem penetrar na embaixada em qualquer hipótese, salvo com a permissão das autoridades do país da embaixada. Se há um incêndio na embaixada dos Estados Unidos, ou um homicídio ocorre lá dentro, nossas autoridades não podem lá penetrar sem a autorização da embaixada.
Então, se Bolsonaro ou qualquer pessoa conseguir entrar numa embaixada estrangeira, ele pode ser acolhido no que chamamos de asilo diplomático. Ele vai estar albergado dentro dessa embaixada e não poderá ser retirado pelas autoridades brasileiras. Se a pessoa entra na embaixada, ela está protegida.
Quais normas regulamentam o direito de asilo diplomático?
A questão do asilo diplomático em embaixadas ou consulados é regulamentada tanto em normas quanto em costumes.
O asilo diplomático é regulamentado por uma convenção da qual o Brasil é parte. Mas esse tratado tem poucos países participantes – pouquíssimos. É menos do que as Copas do Brasil que o Cruzeiro ganhou. Os Estados Unidos, por exemplo, não são parte dessa convenção e, portanto, não poderiam exigir do Brasil o cumprimento nos termos da convenção.
Mas há também as normas consuetudinárias – isto é, normas de costume – sobre o assunto. Os costumes no direito internacional são muito importantes.
Em termos da prática dos Estados, há a Convenção de Viena sobre relações diplomáticas, que dispõe sobre questões de embaixadas, sobre os agentes diplomáticos, sobre as proteções de que gozam. Essas proteções estabelecem que a embaixada é inviolável. Então essa é a principal norma para fins de asilo diplomático.
Caso o ex-presidente buscasse asilo numa embaixada americana ou em outra embaixada, faria diferença ter um acordo de extradição com o país ou não?
Não faria diferença ter ou não acordo de extradição, porque a extradição é um compromisso do país de entregar alguém para que seja julgado ou, se for o caso, cumprir pena em razão da prática de crime comum. Crime político não é razão para extraditar alguém. E quem qualifica se o crime é político ou não é quem está com a custódia da pessoa – ou seja, o país receptor.
A decisão do STF busca impedir que Bolsonaro entre em contato com governos estrangeiros. Há algum precedente em relação a isso?
Não me recordo de qualquer ordem judicial no Brasil ou em outra jurisdição neste teor. Não quer dizer que não exista, mas eu não me recordo de precedente nesse sentido.
Esse tipo de ordem lhe parece em alguma medida abusiva, como violadora de algum direito fundamental?
Não. Do ponto de vista jurídico, aqui no Brasil nós temos os órgãos que cuidam de interpretar a norma. Em última análise, o Supremo Tribunal Federal tem a última palavra na interpretação da Constituição e de outros casos que envolvam de algum modo a Constituição.
Se está dentro do devido processo legal, se ocorre dentro do que prevê o regimento do Supremo, o Código de Processo Penal etc., não há nada de ilegal. No momento em que você constata que há um risco de a pessoa à qual é imputada a prática de um crime fugir, você pode tomar as medidas para que ela não fuja.
Há algum precedente, algum caso envolvendo brasileiro em situação similar?
Durante a ditadura, vários brasileiros buscaram acolhimento. A embaixada da Suécia foi uma que albergou inúmeros brasileiros na época. Foi concedido a eles o “laissez-passer”, autorização para deixar o país com a garantia de que não seriam presos nesse trajeto.
O instituto do asilo diplomático vem em razão da instabilidade política da América Latina. Nós tivemos essa questão de asilo político, asilo diplomático, em diversos países da região. É um instituto que nasceu na nossa região.
O que a experiência de pessoas que procuraram embaixadas, como Julian Assange no caso do Equador em Londres ou do venezuelano Leopoldo López, que morou na residência do embaixador espanhol em Caracas, nos dizem sobre esse tipo de experiência?
É o seguinte: primeiro, no asilo diplomático você tem a garantia de que o Estado não vai adentrar na embaixada, mas você não tem a garantia de que o Estado vai permitir a saída do indivíduo. A Polícia Federal não poderia prender Bolsonaro enquanto ele estivesse lá, mas, por outro lado, o Bolsonaro não poderia sair sem ser preso.
Segundo, havendo uma mudança política no país que concede o asilo, pode haver o fim do acolhimento, como no caso do Assange. E aí a pessoa é entregue para as autoridades daquele país.
Se Bolsonaro se refugiar numa embaixada, o governo americano não vai entregá-lo enquanto reputar que há uma perseguição política contra ele. Isso poderia mudar.
Há uma disputa diplomática em curso. Onde o senhor acha que os Estados Unidos poderiam apertar, que poderiam ameaçar o Brasil?
Os países têm – ainda mais um país forte como os Estados Unidos – recursos legais e não legais à disposição. Os Estados Unidos aplicam uma série de sanções contra a Rússia (que tem 10 mil sanções contra ela, o país mais sancionado do mundo), contra o Irã (segundo mais sancionado, com 4 mil), e também inúmeras sanções unilaterais contra Cuba.
Que tipo de sanção unilateral? Por exemplo, o dinheiro do governo brasileiro que estiver em bancos americanos poderia ser congelado. Isso foi feito com o Irã logo depois da Revolução, quando o Xá Reza Pahlavi foi deposto.
Mas o senhor está citando uma série de países não democráticos. Há algum precedente de país democrático sujeito a isso? Os Estados Unidos estariam dispostos a escalar tanto assim com o Brasil?
Eu acho improvável que os Estados Unidos vão aplicar sanções unilaterais contra o Brasil, que utilizem este remédio contra o Brasil por causa de Bolsonaro.
O remédio das sanções unilaterais foi aplicado até hoje em casos mais extremos e drásticos. Há uma série de remédios menos drásticos, desde pronunciamentos diplomáticos, até expulsão de alguns diplomatas brasileiros e algumas restrições para diplomatas brasileiros nos Estados Unidos, até suspender as relações diplomáticas, algo ainda dramático, mas menos drástico do que sanções unilaterais. Então, acho improvável que haja um escalonamento para o que há de mais pesado na caixa de ferramentas.
A posição jurídica do Brasil é que sanções unilaterais são ilegais – somente sanções multilaterais seriam juridicamente aceitáveis.
Mas sanções contra alguns atores políticos individuais, como o ministro Alexandre Moraes, parecem menos improváveis, não?
Aí vem outro detalhe, da imprevisibilidade. Também não esperávamos uma taxação bem acima de outros países , que o Brasil fosse ser singularizado para uma taxação tão alta. Evidentemente, podemos cogitar, mas não sabemos o que efetivamente o governo Trump vai fazer.
Essa pergunta pode fugir da sua área de especialidade, mas o senhor acha que essa é a pior crise diplomática entre Brasil e Estados Unidos?
Nós temos relação com os Estados Unidos desde a nossa Independência. Os Estados Unidos nos reconheceram cedo enquanto país. Eu não me recordo de outro momento em que as relações tenham ficado tão pesadas. Durante a ditadura militar, houve cobranças por parte do presidente Jimmy Carter, mas aqui nós escalonamos a um nível diferente.
Por outro lado, é preciso fazer uma certa calibragem, porque o governo Trump está fazendo com uma série de países coisas que os Estados Unidos nunca fizeram. Então, não é só com o Brasil.
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O post “Entrevista: o que acontece se Bolsonaro entrar e pedir asilo em embaixada” foi publicado em 18/07/2025 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte Agência Pública