DO OC, EM BONN
Após duas semanas de tensão que incluíram onda de calor, briga de agenda, chantagem e juras de vingança, o Brasil evitou um fracasso na SB62, a conferência do clima de Bonn, na Alemanha. O encontro preparatório para a COP30 terminou com uma coisa que a presidência brasileira queria – textos de negociação sobre três temas encaminhados para Belém – e outra que ela não esperava – uma batalha campal sobre financiamento climático.
A SB é realizada todo mês de junho na antiga capital da Alemanha Ocidental, onde fica a sede da Convenção do Clima das Nações Unidas, a UNFCCC. Ela é o primeiro momento formal de negociações climáticas do ano, e serve (ou deveria servir) para arredondar textos que serão enviados para mais negociações ou para decisão nas COPs, no fim do ano.
Mas Bonn tem outra função, menos nobre, mas tão útil quanto, para as presidências das COPs: a de tubo de ensaio de treta. Em geral é lá que aparecem as brigas entre os países que podem descarrilar uma COP. Presidências boas olham a crise nascendo em Bonn e tentam contorná-la no fim do ano; presidências ruins, como a do Azerbaijão, no ano passado, deixam a coisa rolar.
O Brasil, no papel de próxima presidência da COP, teve seu primeiro teste em Bonn. Tentou antecipar problemas ao publicar uma carta do embaixador André Corrêa do Lago em maio dizendo o que gostaria de ver avançar na reunião preparatória, e ao propor antecipar o início das negociações para domingo, dia 15. Mas foi surpreendido por uma manobra dos LMDC (“like-minded developing countries”, o grupo de países em desenvolvimento que inclui Arábia Saudita, Bolívia, China e Índia) para travar o início das negociações em dois dias ao exigir a discussão de financiamento climático.
Manifestado pela Bolívia, o movimento foi articulado pela Índia para dar um recado claro ao Brasil e aos países ricos: Baku não morreu. No ano passado, na COP29, na capital do Azerbaijão, os países em desenvolvimento foram atropelados pela aprovação de uma nova meta global de financiamento (NCQG) que não apenas estava longe de ser suficiente como também não dizia claramente que a responsabilidade de prover recursos para os pobres é dos países ricos, causadores originais da crise do clima.
Em Bonn, a Bolívia propôs um novo item de agenda para discutir o artigo 9.1 do Acordo de Paris (que fala sobre essa responsabilidade) e outro para debater o que os países em desenvolvimento chamam de “medidas unilaterais” de comércio (como a taxa de ajuste de fronteira de carbono da Europa). O Brasil já tinha mandado avisar que não queria abrir nenhum item novo de agenda. As nações ricas evidentemente não queriam ouvir falar de nenhum desses temas (a Europa sequer reconhece o termo “medidas unilaterais”). O impasse durou da manhã de segunda-feira, 16, até a noite de terça, 17, quando enfim a plenária inicial da SB pôde adotar a agenda da reunião e os trabalhos puderam começar. Em troca, as “medidas unilaterais” e as discussões do 9.1 foram encaminhadas na forma de um rodapé na agenda e mais consultas ficaram de ser feitas daqui até a COP30 sobre os dois assuntos.
As prioridades do Brasil para Bonn eram três: deixar praticamente prontos para a adoção em Belém textos sobre transição justa, adaptação e o chamado Diálogo dos Emirados Árabes sobre a implementação do Balanço Global do Acordo de Paris. Conhecido pela sigla GST, o Balanço Global é a principal ferramenta para guiar o aumento da ambição dos países nas suas metas nacionais, as NDCs. É ele que trata, por exemplo, da eliminação gradual dos combustíveis fósseis (tema hoje maldito nas negociações) e no fim do desmatamento até 2030.
Ocorre que os LMDC, puxados pela Arábia Saudita e com forte apoio da China e da Índia, não querem conversar a sério sobre a implementação do GST, exceto na parte do Balanço Global que fala de financiamento. Tal posicionamento predominou na negociação do Diálogo dos Emirados Árabes, que terminou sem acordo em Bonn. No final, combinou-se que duas versões do mesmo texto serão encaminhadas com erros de tipografia e tudo para negociação na COP30. Elas estão completamente entre colchetes, o que significa que quase tudo nelas é objeto de divergências entre os países.
Melhor sorte teve a negociação do Programa de Trabalho sobre Transição Justa. Lançado em Dubai em 2023, ele visa lidar com efeitos colaterais da descarbonização da economia, como a destruição de empregos. Fazê-lo avançar em Belém, com a criação de um mecanismo internacional que dê concretude à transição justa, é a principal bandeira das organizações ambientalistas para a COP30.
Depois de emoções de último momento, com a Bolívia tentando empurrar no final da negociação um parágrafo no texto que dava um salvo-conduto para os países em desenvolvimento aumentarem o uso de combustíveis fósseis, na quarta-feira (25) as conversas sobre o assunto foram concluídas em Bonn. Uma “nota informal” foi finalizada para ser encaminhada aos negociadores da COP em Belém.
“Ela foi considerada balanceada pelas partes e celebrada pela sociedade civil como uma boa base para as conversas em Belém”, disse Stela Herschmann, especialista em Política Climática do OC. “O texto é o primeiro a incluir todos os pedidos e as preocupações da sociedade civil. Há boa linguagem sobre princípios e aspectos importantes da transição justa, incluíndo menções a gênero e a afrodescendentes – luta da sociedade civil que a diplomacia brasileira levou adiante.” Além disso, manteve a porta aberta para a criação do BAM, o Mecanismo de Ação de Belém para Transição Justa, defendido pelas redes ambientalistas, e para o tratamento do tema espinhoso das tais “medidas unilaterais”.
“Enquanto bombas recebem bilhões e poluidores batem recordes de lucros, Bonn mais uma vez expôs um sistema manipulado para proteger poluidores e oportunistas — cúmplice de uma ordem global que financia a destruição, mas hesita em pagar pela sobrevivência”, disse Tasneen Essop, diretora-executiva da Climate Action Network, a principal rede ambientalista do planeta. “Mas mesmo neste espaço falido o poder das pessoas brilhou. Graças à pressão incansável da sociedade civil, a luta por uma transição justa finalmente entrou no processo formal, preparando o terreno para uma vitória dos trabalhadores, das comunidades e de todos que lutam por um futuro baseado em dignidade e esperança. Os tomadores de decisão devem vir a Belém comprometidos em tornar isso realidade.”
Na quinta-feira, dia 26, final da conferência, as negociações travaram por conta do terceiro elemento prioritário para o Brasil: adaptação. A COP30 é o lugar onde precisam ser adotados os indicadores para a Meta Global de Adaptação negociada em Dubai em 2023. Uma série de outras decisões relacionadas à adaptação já haviam sido adotadas em Bonn, mas o texto sobre os indicadores – uma série de recomendações a serem enviadas aos especialistas encarregados de fechar a lista – travou na barreira de sempre: dinheiro. Quais são os critérios corretos de meios de implementação (ou seja, financiamento) para avaliar as medidas de adaptação? Recursos domésticos e ajuda ao desenvolvimento podem ser computados como dinheiro para adaptação? Os países ricos tentaram manobrar para, também aqui, livrar-se de responsabilidade. O Grupo Sur, integrado por Brasil, Paraguai, Uruguai e Equador, contra-atacou com propostas em nome de todo o G77, o grupo de 130 nações em desenvolvimento, enquanto a presidência brasileira manobrava nos bastidores para destravar o tema.
As conversas foram até tarde da noite, quando um rascunho considerado pouco satisfatório – e que eliminou, por exemplo, a menção a afrodescendentes que o Grupo Sur queria incluir – foi aprovado para ser encaminhado a Belém. A briga de financiamento, também em adaptação, ficou em pausa. Assim como a questão sobre o artigo 9.1, essa batalha já tem um novo round agendado, para novembro, na capital do Pará.
O post Brasil evita fracasso em Bonn apareceu primeiro em OC | Observatório do Clima .
O post “Brasil evita fracasso em Bonn” foi publicado em 27/06/2025 e pode ser visto originalmente na fonte OC | Observatório do Clima