((o))eco inicia esta semana a publicação da retrospectiva 2019 temática. Neste texto, analisamos a paralisação do Fundo Amazônia
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Criado em 2008, o Fundo Amazônia era o maior programa de pagamentos por serviços ambientais do país. Financiava projetos de combate ao desmatamento na Amazônia e ajudava a estruturar os órgãos ambientais, com compra de viaturas, pagamento de gasolina e treinamento de corpo técnico. Funcionando sem muitos problemas por dez anos, foi paralisado após o governo forçar uma mudança brusca na maneira como funcionava. Até então, modificações feitas sem antes sentar com os principais financiadores: Noruega e Alemanha.
Veja os principais acontecimentos envolvendo o assunto:
11 de abril – Governo federal publica, no Diário Oficial da União, o decreto nº 9.759/2019 que extingue todos os colegiados da administração pública federal, incluindo conselhos, comitês, grupos, fóruns. Isso inclui os comitês que faziam a seleção dos projetos para o Fundo Amazônia, entre eles o Comitê Orientador do Fundo Amazônia (Cofa), formado por representantes da sociedade civil e dos governos federal e estaduais, criado para estabelecer critérios para o emprego dos recursos na floresta. O governo manteve a prerrogativa de recriar conselhos em junho. Os que não fossem recriados, eram porque não serviam mais para a nova administração.
16 de maio – Salles convoca os jornalistas na sede do Ibama em São Paulo para anunciar que o Ministério do Meio Ambiente analisou 103 projetos de ONGs apoiados pelo Fundo Amazônia e que encontrou cerca 30 contratos com algum grau de “inconsistência”.
Segundo Salles, entre as “inconsistências” estariam: alto percentual de contratos sem licitação, falta de comprovação das atividades, folhas de pagamento que consomem a maior parte do valor dos contratos, prestação de contas incompletas e contratos com entidades impedidas de fechar contratos com o estado. O ministro, no entanto, não citou quais são os contratos, nem os contratados, tampouco informou como foi realizada a análise e quem foi responsável pelo trabalho de verificação.
Salles também afirmou que havia se reunido com os embaixadores destes países para discutir mudanças na gestão do Fundo. “Todos entendem que as mudanças são necessárias”, disse o ministro. Porém, procurados por nossa reportagem, tanto a embaixada da Noruega quando a da Alemanha desmentiram a informação e se mostraram surpresas com o teor da coletiva .
17 de maio – A embaixada da Noruega, maior doadora do Fundo, informou que está satisfeita com os resultados que as entidades apoiadas pelo Fundo alcançaram nos últimos 10 anos. Apontada como coautora da análise que até o momento não foi publicada, a Controladoria-Geral da União afirmou que não participou de nenhuma “auditoria” envolvendo as contas do Fundo Amazônia. O Tribunal de Contas da União (TCU), responsável pela auditoria do Fundo Amazônia, aprovou em 2018 as últimas contas, consideradas satisfatórias.
19 de maio – O BNDES resolveu afastar a diretora Daniela Baccas do cargo de chefe do Departamento de Meio Ambiente , responsável pela gestão do Fundo Amazônia desde 2017.
27 de maio – O ministro Ricardo Salles sugeriu usar parte do dinheiro para indenizar proprietários rurais que possuem terrenos dentro de unidades de conservação . A ideia não agradou a Noruega e a Alemanha, principais financiadores do Fundo Amazônia, pois pelas regras atuais sobre a gerência dos recursos não é possível que ele seja utilizado para essa finalidade.
04 de junho – Um protesto organizado pela Associação de funcionários do BNDES (AFBNDES) e a Associação dos Servidores Federais da Área Ambiental no Estado no Rio de Janeiro (Asibama-RJ) reuniu cerca de 300 pessoas contra o que chamaram de ingerência e desmonte na estrutura do aporte financeiro.
No mesmo dia ocorreu o lançamento do site Em defesa do Fundo Amazônia . Nas versões português e inglês, a plataforma inclui vídeos, textos e imagens informativas sobre o Fundo e os visitantes podem as perguntas mais comuns para esclarecer as suas dúvidas.
28 de junho – Os comitês do Fundo Amazônia, o Cofa (Comitê Orientador) e o Comitê Técnico do Fundo Amazônia (CTFA) são definidamente extintos. O Cofa, responsável para estabelecer critérios para o emprego dos recursos na floresta, era formado por representantes do governo federal, governos estaduais amazônicos e sociedade civil. Cada membro tinha mandato de dois anos e direito a um voto dentro de seu bloco.
03 de julho – Representantes dos governos da Noruega e da Alemanha declaram que não descartam a saída do Fundo Amazônia, caso haja mudanças profundas nos projetos aprovados pelo fundo . A extinção do Comitê Orientador do Fundo Amazônia (Cofa) e do Comitê Técnico do Fundo Amazônia (CTFA) pegou os doadores do fundo de surpresa.
04 de julho – O ministro do Clima e Meio Ambiente da Noruega, Ola Elvestuen diz que enfraquecimento do Fundo não é uma opção . Elvestuen deixa claro que a Noruega, maior doadora do fundo, não aceitará desvios de finalidade no recurso. “O objetivo da Noruega é continuar a parceria, embora nós reconheçamos que a terminação do fundo também é uma possibilidade”, afirmou o ministro do país escandinavo.
6 de agosto – Reportagem do ((o))eco mostra que os principais prejudicados com o fim do Fundo Amazônia seriam os Estados e União . Segundo relatório do Fundo lançado em maio deste ano, 31% dos R$ 1,86 bilhões empenhados nos últimos dez anos foram destinados aos estados. Outros 28% incrementaram os cofres de órgãos federais, entre eles o Ibama, o Incra, a Embrapa e o Ministério da Justiça.
10 de agosto – A Alemanha cancela repasse de R$ 155 milhões em recursos para projetos de conservação na floresta amazônica. A justificativa foi a preocupação com o aumento do desmatamento na Amazônia brasileira.
14 de agosto – O presidente da República, Jair Bolsonaro, ironizou a decisão alemã de não destinar os recursos do Fundo Amazônia para o Brasil : “Eu queria até mandar um recado para a senhora querida Angela Merkel, que suspendeu R$ 80 milhões para a Amazônia. Pegue essa grana e refloreste a Alemanha, ok? Lá está precisando muito mais do que aqui”, disse o presidente Jair Bolsonaro. A Alemanha é o país Europeu com maior percentual de proteção da própria vegetação, de acordo com dados do Banco Mundial.
15 de agosto – A Noruega segue a mesma trilha da Alemanha e suspende o valor de 300 milhões de coroas norueguesas, o equivalente a R$ 133 milhões . Segundo o ministro do Clima e Meio Ambiente da Noruega, Ola Elvestuen, o Brasil quebrou o acordo.
04 de setembro – ((o))eco faz uma reportagem esclarecendo as principais dúvidas sobre o Fundo Amazônia . São dez perguntas e respostas essenciais para entender o que é o recurso e como funciona o seu mecanismo de repasse e para o que serve.
19 de setembro – Tramita na Câmara dos Deputados, o PL 4.387/19, que transforma o Fundo Amazônia em lei . De autoria do deputado Capitão Alberto Neto (Republicanos-AM), o objetivo é evitar interferências políticas nas trocas de governos. “O Fundo Amazônia foi criado por decreto, o que compromete a segurança jurídica dos seus contratos, já que a manutenção do próprio Fundo fica comprometida nas trocas de governos. Por isso, constatamos a necessidade de que o Fundo Amazônia seja instituído por Lei”, justifica o deputado .
Washington DC, mostrando à imprensa internacional e aos investidores que o Brasil está se modernizando, fazendo reformas e ao mesmo tempo defendendo nosso meio ambiente. Fundos privados, parcerias e acordos importantes. pic.twitter.com/GuYwmI9MuA
— Ricardo Salles MMA (@rsallesmma) September 20, 2019
4 de novembro – Após se reunir com o presidente do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), Luis Alberto Moreno, Ricardo Salles sai anunciando iria criar um fundo alternativo para a Amazônia : “É um fundo que contempla países e setor privado tanto na ponta de doação quanto no recebimento dos investimentos para desenvolvimento, pesquisa e outras atividades. Tende a ser um instrumento muito consistente de finalmente desenvolver essa oportunidade da bioeconomia na Amazônia”, afirmou Salles.
4 de novembro – Governo corre para anunciar na COP a formação de uma novo “Fundo Amazônia” . O chanceler Ernesto Araújo enviou uma carta ao representante do BID no Brasil, Hugo Flórez Timoran, convidando representantes do banco para vir a Brasília debater “aspectos substantivos referentes ao escopo de atuação daquele fundo”.
“Tendo em vista a expectativa de anúncio – mesmo que preliminar – do estabelecimento do Fundo já na próxima COP (em local e data por definir), proponho que a visita da delegação do BID ocorra no menor prazo possível, preferencialmente na primeira metade de novembro”.
02 de dezembro — Começa a Conferência do Clima (COP 25) em Madri, na Espanha. Pela primeira vez em mais de 12 anos a chancelaria brasileira não deu credenciais a ONGs, academia e setor privado.
6 de dezembro – O Fundo Amazônia fecha 2019 com R$ 2,2 bilhões paralisados. Segundo reportagem de O Globo, nenhum projeto foi aprovado e o Fundo repassou apenas R$ 87 milhões, o menor valor desembolsado em seis anos. É a primeira vez que o Fundo Amazônia termina um ano sem aprovar projetos.
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O post “Retrospectiva 2019: Após extinguir comitê gestor, governo paralisa Fundo Amazônia” foi publicado em 18th December 2019 e pode ser visto originalmente na fonte ((o))eco