Madri, Espanha – O governo interino da Bolívia esteve na última semana em Madri, na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, COP 25, realizada entre 02 a 13 de dezembro, para denunciar que mais de cinco milhões de hectares da Amazônia boliviana foram queimadas apenas em 2019 durante a gestão de Evo Morales.
“Só neste ano, foram queimadas 5,3 milhões de hectares em todo o país. Hoje pedimos ao mundo que nos ajude na restauração. Temos muitos problemas de fauna e flora, e pessoas que moram nestes territórios que agora não têm como trabalhar”, denunciou a atual ministra de Meio Ambiente da Bolívia, María Elva Pinckert de Paz.
A chefe da pasta do governo de transição conversou com ((o))eco nos corredores do centro de convenções IFEMA (Instituição de Feiras de Madri) que acolheu a COP25. De acordo com ela, “durante 14 anos, como resultado da inadequada política ambiental do anterior governo, a Bolívia se converteu em um país do desmatamento”. Cada boliviano carregou nas costas, até 2017, um desmatamento per capita de 200 metros quadrados de florestas tropicais destruídos, apontou.
Um estudo da fundação alemã Friedrich Ebert Stiftung (FES ) já havia calculado, em 2010, que as atividades de devastação da floresta equivalia a cerca de 320 metros quadrados por pessoa ao ano, uma das mais altas do mundo – vinte vezes mais que a média mundial de 16 metros quadrados por pessoa.
“Tivemos um governo que mentiu ao mundo e mentiu a nós bolivianos. Eles tinham um discurso de que a Mãe Terra não se negocia, entraram no governo dizendo que iam defender os indígenas e camponeses. Mas na Bolívia, o tráfico de terras era o seu principal objetivo para conseguir o poder”, criticou Paz.
A renúncia de Evo
Na Bolívia, foram realizadas eleições gerais no dia 20 de outubro, quando Evo Morales venceria já no primeiro turno. No entanto, a Missão de Observação Eleitoral da Organização dos Estados Americanos (OEA) apontou que havia irregularidades e isso provocou violentos protestos da oposição.
Morales, então, concordara em realizar uma auditoria da OEA que apenas forneceu os resultados preliminares por meio de um tweet do Secretário-Geral da organização no dia 10 de novembro. Enquanto os violentos protestos continuaram, a pressão aumentava sobre os membros do partido de Morales que eram perseguidos e atacados . A polícia se revoltava em diferentes cidades até que as Forças Armadas intervieram culminando na renúncia do presidente e seu subsequente exílio no México. Logo de sua saída, se instalou um governo através da senadora Jeanine Añez, que se proclamava presidente interina do país.
Assim deu início ao governo da segunda vice-presidente do Senado do Movimento Democrata Social, oposição ao governo, no dia 12 de novembro deste ano. A administração de Áñez foi considerada pelo Uruguai de Tabaré Vázquez como um “governo de facto”, no marco da reunião do Conselho do Mercosul, indicando que Morales teria sido “obrigado a renunciar”, um fato que originou “uma quebra institucional que representa uma ruptura da ordem democrática”, segundo nota da chancelaria uruguaia.
Na COP25
Oficialmente a delegação boliviana não constou da lista de delegados credenciados pelo UNFCCC (United Nations Framework Convention on Climate Change) para participar das negociações na COP25. Tal como no ranking das delegações elaborado por Carbon Brief , a Bolívia também apareceu como se não tivesse enviado nenhum delegado.
Perguntada qual era a missão das autoridades bolivianas na Conferência de Clima, Paz argumentou que a “grande mensagem” era dizer que a Bolívia “sempre deu oxigênio ao mundo sem pedir nada, hoje que já perdemos grande parte do nosso coração que são os parques da Chiquitania, Madidi e Tunari e necessitamos recuperar estas terras”.
Os representantes bolivianos estiveram em Madri especialmente para buscar recursos a fim de recuperar suas florestas. Questionada sobre o saldo da COP, Paz mostrou-se otimista por haver conseguido angariar apoio da CAF (Corporación Andina de Fomento, o Banco de Desenvolvimento da América Latina), da União Europeia, além de países como Alemanha, França e Dinamarca, que, segundo ela, teriam mostrado interesse, mas sem precisar valores.
De acordo com Paz, ainda não se tem a real dimensão da população afetada pelas queimadas e tampouco de quanto seria necessário para restaurar a área florestal incendiada. A ministra informou que esta semana dará início a mesas de diálogos no departamento Santa Cruz para levantar as “demandas reais” e iniciar uma restauração efetiva.
E continuou: “Precisamos de futuros conservadores, gente preparada para mitigar quando há um incêndio. Temos que trabalhar para a prevenção. O futuro que nos espera para este governo de transição é de muito trabalho. Temos que deixar estabelecido o plano de reativação da Chiquitania e dos outros parques para o próximo governo que assumir”. A ministra calcula que o governo de transição dure entre cinco e seis meses.
Acompanhada de seu vice-ministro, Carlos Michel, os dois informaram que a pasta está em processo de elaborar um plano nacional de restauração, com recursos do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) que deverá ficar pronto no próximo 10 de janeiro 2020. “No diagnóstico poderemos estimar quanto nos custaria recuperar os mais de cinco milhões de hectares”, disse Michel que garantiu que seriam necessários alguns milhões de euros. “É um direito nosso”, defendeu.
Os incêndios
Os focos de incêndios mergulharam a Chiquitanía boliviana – uma extensa área tropical de savana no sudeste do país – na pior emergência florestal dos últimos dez anos. A área forma um complexo de biodiversidade endêmico e é palco para os chamados ‘chaqueos’, queimadas para preparar o terreno para o cultivo ou criação de gado.
Este ano, particularmente, o que pode ter aumentado o descontrole de áreas queimadas foi a aprovação, em 9 de julho, de um decreto (Decreto Supremo 26075) que amplia a fronteira agrícola e permite uma “queimada controlada” em áreas de uso florestal nos departamentos de Beni e Santa Cruz.
Outras áreas foram alvos de devastação, segundo o atual governo, como as florestas no Parque Nacional de Madidi, no noroeste do Departamento de La Paz, coincidindo com áreas naturais e reservas da biosfera. Assim como o Parque de Villa Tunari, no oeste de Cochabamba.
Um acompanhante polêmico
O líder indígena Adolfo Chavez Beyuma, ex-presidente da Confederação dos Povos Indígenas da Bolívia (Cidob) e hoje representante da Coordenação das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (Coica), acompanhava María Pinckert de Paz e seu vice-ministro no périplo pela COP25 em busca de apoio internacional para a sua causa.
Em 2010, Beyuma esteve envolvido em um caso de desfalque de recursos do antigo Fundo Indígena Elvira Parra (Fondioc) de 902.000 bolivianos (moeda da Bolívia), equivalente a 103 mil dólares, com um projeto que supostamente nunca existiu. Ele e outras cem pessoas foram identificadas como responsáveis por 30 projetos laranjas e 713 projetos sem conclusão, totalizando 102,2 milhões bolivianos (quase 15 milhões de dólares), segundo noticiou a imprensa boliviana àquela época.
Após ter sido acusado de enriquecimento ilícito pelo Estado, ele saiu em novembro de 2015 para participar da Conferência do Clima em Paris e não retornou mais. Naquele momento, ele foi declarado “rebelde” por não haver comparecido ao julgamento. E só retornou apenas em fevereiro deste ano, após ter vivido no Brasil, Peru e Equador.
Na COP25, ele contou de seu ressentimento. De amigo de Morales a seu inimigo político. Beyuma se considera um perseguido político pelo governo do Movimiento Al Socialismo (MAS), partido de Evo Morales. “Nós indígenas apoiamos a primeira gestão de Morales (2006-2009), havia uma agenda com os povos indígenas. Um dos temas era trabalhar as propostas de uma nova Constituição”, disse a ((o))eco.
“Depois vimos que não estava sendo coerente, que as leis fossem em contra da própria Constituição e nós começamos a reclamar nossos direitos”, ressaltou. Segundo ele, a tensão crescera quando os povos indígenas pediram a autonomia de seus territórios, em julho de 2010, o ‘Marco de Autonomías y Descentralización’. O estopim, segundo o dirigente indígena, teria sido a construção da rodovia San Ignacio-Villa Tunare, ou conhecida como Cochabamba–Beni. A rodovia cortaria pela metade o Território Indígena e Parque Nacional Isiboro-Sécure (TIPNIS).
“Eu estava muito próximo a Evo e disse que dessa forma não era para jogar pelas costas. Quando reclamamos que não nos haviam consultado, pois tínhamos uma nova Constituição e, no artigo 30, o Governo tinha que submeter a consulta prévia livre e informada e de boa fé para que nós povos indígenas pudéssemos escolher. Isso não foi feito. A partir de 2011, nós começamos a resistência frente a Evo Morales. Eu fui o primeiro que ele quis prender”, relembrou.
Ao lado dos dirigentes da pasta de Meio Ambiente na COP25, o indígena se disse o “primeiro inimigo político” de Morales. “Ele fez as leis e decretos aumentando a agricultura de gado, legalizando o ilegal. Não contente com isso, fez o decreto de ampliação das queimadas que provocou incêndios descontrolados. Tomei a firme decisão de voltar à Bolívia e se ele tivesse que manter um índio amazônico preso que o fizesse”, disse.
Leia também
Incêndios florestais na Bolívia já destruíram 2,1 milhões de hectares
O post Governo boliviano denuncia queimadas na Amazônia apareceu primeiro em ((o))eco .
O post “Governo boliviano denuncia queimadas na Amazônia” foi publicado em 17th December 2019 e pode ser visto originalmente na fonte ((o))eco