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Em meio a mais uma forte onda de calor que atinge boa parte do país e diante da retomada, por parte do presidente Lula e da ala energética do governo, da defesa da exploração de petróleo na foz do Amazonas e da pressão sobre o Ibama para a liberação da licença, um grupo de cientistas lançou nesta semana um abaixo-assinado com um apelo: “Mais petróleo, na Amazônia ou alhures, é o caminho mais curto para nosso suicídio ecológico”.
Volto ao tema de novo – perdoe, caro leitor –, primeiro porque o tema não saiu de pauta, pelo contrário. Segundo porque está quente demais, meus miolos estão fritando e não consigo parar de pensar, com enorme desespero, que vai ficar cada vez pior, quanto mais barris de petróleo forem queimados. Terceiro porque recebi um bocado de reclamação de leitores que encaram essa discussão meramente pelo lado econômico.
Resolvi, então, recorrer aos universitários para justificar meus posicionamentos nos dois textos anteriores, que podem ser lidos aqui e aqui .
O texto, assinado por alguns dos principais pesquisadores das interações entre mudanças climáticas e Amazônia, como Carlos Nobre (hoje no Instituto de Estudos Avançados da USP) e Luciana Gatti (Inpe), avisa, logo no início: “O sistema econômico globalizado movido a combustíveis fósseis e a desmatamento está provocando o início do sexto evento de extinção em massa de espécies nos últimos 445 milhões de anos”.
Eles lembram que, principalmente por causa da queima de combustíveis fósseis, já alcançamos um aquecimento sem precedentes no ano passado: “A aceleração do aquecimento é inequívoca. Demorou quase um século (1920-2015) para o aquecimento atingir 1°C acima do período 1850-1900. Mas em apenas 10 anos (2015-2024) atingimos 1,55°C, com um salto de 0,4°C nos últimos dois anos!”.
Os autores listam quatro “certezas científicas”: que, segundo eles, “governantes e governados no Brasil não têm mais o direito de ignorar ou desconsiderar”. Que, para o Brasil ser viável, é necessário “abandonar os combustíveis fósseis, zerar os incêndios florestais, o desmatamento e as emissões da agropecuária, bem como um esforço de guerra para restaurar a manta vegetal nativa do país, perdida ou degradada nos últimos decênios”.
Que “cada décimo de grau a mais de aquecimento torna o planeta mais insalubre, mais adverso e mais letal para todos nós, humanos e não humanos”. Que “o Brasil é um país extremamente vulnerável à emergência climática”.
E que “estamos no início da curva ascendente desses impactos”. Segundo os autores, conter esses impactos em “níveis compatíveis com nossa capacidade de adaptação deve ser nossa prioridade absoluta”.
Eles apontam que o consumo dos combustíveis fósseis que já são explorados atualmente ainda vai provocar um aumento de 40% das emissões de gases de efeito estufa até 2050. “Iniciar novas explorações desses combustíveis gerará ainda maior aquecimento. Além disso, explorar petróleo justamente na foz do Amazonas é algo que atinge as raias da estupidez”, escrevem.
“Ali estão as maiores áreas de manguezais do mundo e enorme riqueza de recifes de corais (mais especificamente, recifes de rodolitos, igualmente agregadores de biodiversidade), de peixes, mamíferos marinhos e aves migratórias. Mensurações aéreas realizadas pelo Laboratório de Gases de Efeito Estufa do Inpe mostraram enorme absorção de CO2 atmosférico pelo fitoplâncton que se concentra nessa região, alimentado pelos sedimentos trazidos pelo grande rio. O fitoplâncton é nosso aliado na contenção do aquecimento”, complementam.
A ideia de escrever a mensagem partiu de Luiz Marques, professor aposentado colaborador do Departamento de História da Unicamp. Ele então recorreu a Gatti, Carlos Nobre e Antônio Donato Nobre, para ter os dados técnicos. “O objetivo foi sobretudo alertar a sociedade sobre a extrema gravidade da situação atual. Trata-se realmente de um suicídio ecológico, vale dizer, uma perda das condições básicas de manutenção de uma sociedade minimamente organizada e segura e termos alimentares e sanitários”, me disse Marques.
“Ao longo do segundo quarto deste século não haverá mais agricultura de baixo risco no Brasil. As perdas agrícolas já estão se multiplicando nos últimos anos e vão se multiplicar muito mais nos próximos anos. Os dados são convergentes e gritantes nesse sentido”, complementou.
Ele alerta que isso vai resultar em aumento da insegurança alimentar e da fome. “Justamente a questão que lhe é [a Lula], com toda a razão, a mais cara e onde conseguiu resultados importantíssimos”, complementou Marques.
Inicialmente assinado por cerca de cem pessoas – além de pesquisadores, vários bispos e dois arcebispos da Amazônia, lideranças indígenas e ambientalistas, além de deputados e políticos, como o ex-ministro do Meio Ambiente Carlos Minc –, o texto, postado na plataforma Change, já contava com mais de 1,6 mil assinaturas no momento em que esta newsletter foi concluída.
Eles rebatem também a ideia, tão amplamente difundida, de que vai ser a exploração de petróleo que vai bancar a transição energética. “É puro cinismo. Um documento do Ministério das Minas e Energia (2023) revela as reais ambições do governo: ‘O Brasil produz, atualmente, três milhões de barris de petróleo por dia. A expectativa é de que este número chegue a 5,4 milhões até 2029, com expectativa de se tornar o 4º maior produtor de petróleo do mundo – com 80% destes recursos vindos do pré-sal’.”
O abaixo-assinado segue com mais uma sequência de dados e evidências de como insistir na exploração de mais combustível fóssil vai ser um péssimo negócio para a nossa própria existência. De modo que super recomendo a leitura na íntegra (não é longo, vale a pena). Cito só mais um trecho aqui, para terminar.
“Não queremos e não podemos arcar com as consequências fatais de concepções anacrônicas e anticientíficas que ainda associam petróleo a desenvolvimento. O que está em jogo é a perda de habitabilidade de latitudes crescentes do Brasil e do planeta como um todo.”
Fonte
O post “Ciência adverte: explorar mais petróleo é o caminho mais curto para suicídio ecológico” foi publicado em 21/02/2025 e pode ser visto originalmente diretamente na fonte Agência Pública